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Roberto Midlej
Publicado em 2 de março de 2025 às 05:00
Em dezembro de 1986, Marinêz era uma estagiária do Centro Administrativo da Bahia. Até aí, tornar-se cantora profissional não passava de um desejo de infância. Mas em setembro de 1987, apenas nove meses após realizar um teste, ela estava percorrendo os programas de TV mais populares da época, como Chacrinha, Clube do Bolinha e Globo de Ouro e já era uma das vozes mais conhecidas do país. Tudo isso, graças ao fenômeno que se tornou a canção Madagascar Olodum, composição de Rey Zulu que estourou com a banda Reflexu’s. >
Hoje distante da fama, a cantora, que se identifica como cristã protestante, dedica-se a um trabalho missionário e congrega numa igreja em Teodoro Sampaio, a cem quilômetros de Salvador. “Prefiro não dizer o nome da igreja, porque hoje o Evangelho tomou direções que em sua maioria não concordo. Eu aprendi com o Evangelho que Jesus é paz e ele ensina que amemos o próximo como nos amamos. Então, o amor é o lema. Não consigo entender que as pessoas se agridam por causa de uma religião, ou porque a outra pessoa tem outra forma de pensar”.>
Ainda que esteja distante da TV e das rádios comerciais, ela faz questão de dizer que continua cantando: “Sou cantora e vou ser a vida inteira. Tem três discos que gravei já no Evangelho e estou preparando o quarto, porque já faz dez anos que gravei o último”. Um desses álbuns, O Selo de Deus, está no Spotify. No YouTube dela - Marinêz de Jesus - há diversos vídeos atuais em que interpreta suas canções.>
Reginaldo Rossi>
Nascida em uma maternidade de Santo Amaro, mas registrada em Teodoro Sampaio, ela passou a infância nessa segunda cidade. Era lá que, nos anos 1970, participava de shows de calouros realizados nas praças. No primeiro concurso, aos cinco ou seis anos de idade, cantou Cristo, Quem é Você?, de Odair José. No seguinte, interpretou Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme, de Reginaldo Rossi. A letra, convenhamos, era bastante ousada - para dizer o mínimo -, quando pensamos que era cantada por uma garotinha de uns oito anos: “Nesse corpo meigo e tão pequeno/ Há uma espécie de veneno/ Bem gostoso de provar”.>
Na adolescência, Marinêz foi para o internato feminino Santíssimo Sacramento, em Alagoinhas, onde se formou técnica em patologia clínica. Foi ali que aprofundou sua relação com a música e formou sua primeira banda. “Fui para Salvador algumas vezes para representar o colégio. Num festival na Concha Acústica, gravei meu primeiro disco e conto minha carreira a partir daí, quando gravei a canção Correntes, num compacto, aos 14 ou 15 anos”, recorda-a cantora, que prefere não revelar a idade. “Comecei a cantar criança, na década de 1970. Sou antiga, viu? Mas não vai botar minha idade aí”, pede, rindo, ao repórter.>
Quando concluiu, o ensino médio, foi morar com três irmãos em Salvador, num apartamento no bairro de Vale dos Lagos. Na capital, estudou geografia, na Universidade Católica. Na verdade, seu desejo era cantar, mas sabia dos obstáculos: “Achava que para mim não tinha jeito: era mulher, negra e do interior. Então, almejar algo naquela época como cantora era muito difícil”.>
Mas numa apresentação informal, um colega do CAB a ouviu cantar e, impressionado com sua voz, lhe sugeriu que fosse a uma seleção de cantoras para uma banda que ainda iria ser formada. A responsável pela criação do grupo era a empresa Paes Mendonça, maior rede de supermercados da cidade, que estava montando um trio elétrico em uma ação comercial.>
A banda foi formada em dezembro de 1986, às pressas, para sair três meses depois, no Carnaval. Passados os ensaios, chegou a hora de ir pra rua. Três canções, ainda desconhecidas, ganharam o público: Canto Para o Senegal; Alfabeto do Negão e Madagascar Olodum, com destaque para esta última. >
Mas uma outra canção, que não tinha nada de carnavalesca, também impressionou: Pra Não Dizer que Não Falei das Flores (Caminhando e Cantando), de Geraldo Vandré, que Marinês cantou no Campo Grande. “Ali, selou a banda Reflexu’s, porque foi repertório diferente e uma voz diferente, então chamou a atenção”, recorda a vocalista.>
Terminado o Carnaval, as gravadoras já ficaram de olho na banda e mandaram representantes para um show de Sarajane, no estacionamento do Hiper Iguatemi, com abertura da Reflexu’s. Em setembro daquele mesmo ano de 1987, Marinêz já dava as caras nos principais programas de TV, para cantar Madagascar Olodum. Depois de seis anos viajando com o grupo e alguns carnavais e micaretas pelo Brasil, a vocalista decidiu sair da banda.>
Agora, ela tem uma vida tranquila, longe do showbiz, em Teodoro Sampaio, onde se dedica à igreja e à música religiosa. Neste Carnaval, a cantora participou, na sexta-feira (28) do Espiritual de Carnaval, evento promovido por cristãos, que inclui orações, caminhadas e oração. “Entendi que tinha outra coisa para fazer na Terra, antes de morrer, que era meu lado espiritual, que eu tinha antes de começar esse trabalho”, diz Marinêz.>