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Gal Costa foi pressionada a anular testamento, defendem primas da cantora

Parentes ingressam com ação para fazer valer vontade expressa por artista em 1997 para criar fundação e dizem que ela sofreu 'coação moral' para invalidar documento; jornalista Ronaldo Jacobina explica briga pela herança de R$ 20 milhões

  • Foto do(a) author(a) Ronaldo Jacobina
  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 30 de março de 2024 às 05:00

Trecho de testamento de Gal escrito a próprio punho (trechos de endereço e número de identidade da cantora foram borrados)
Trecho de testamento de Gal escrito a próprio punho (Informações de endereço e número de identidade da cantora foram borrados) Crédito: Reprodução/Instagram e Captura de Tela

Duas primas da cantora Gal Costa acionaram a Justiça para provar que a artista foi pressionada a anular um testamento, inédito e acessado com exclusividade pelo CORREIO, que destina todo seu patrimônio a uma fundação cultural de preservação da memória da artista.

O documento de 27 de maio de 1997 foi invalidado pela própria Gal Costa em 2019 - os parentes alegam que ela sofreu ‘coação moral’ para registrar em um Tabelionato de São Paulo a anulação.

O patrimônio de Gal é atualmente disputado pelo filho, Gabriel da Costa Penna Burgos, e pela empresária, Wilma Teodoro Petrillo. Ela argumenta que viveu em união estável com Gal, o que daria a Wilma o direito aos bens.

Wilma Petrillo e Gal Costa
Wilma Petrillo e Gal Costa Crédito: Reprodução/Instagram

A briga pela herança da artista, avaliada em R$ 20 milhões, ganhou mais um capítulo no dia 14 de março deste ano, quando Verônica Pedreira de Freitas Silva e Priscila Silva de Magalhães, primas da artista, protocolaram na Justiça um processo na intenção de invalidar a anulação do testamento, que possui versões digitalizada e a próprio punho.

O documento de anulação, apesar de ter a assinatura de Gal, segundo elas, não conteria a sua real vontade. A defesa das duas argumenta que houve manipulação por parte de Wilma para que o testamento fosse anulado.

No testamento, que foi feito antes da adoção de Gabriel e acessado pelo CORREIO por intermédio das primas, Gal destina todo o seu patrimônio à criação da Fundação Gal Costa de Incentivo à Música e Cultura. As responsáveis pelo feito, designadas pela cantora, seriam as primas Verônica e Priscila (que movem o processo), além das também primas Marina Penna Pedreira de Freitas (já falecida), Maria Lúcia Pedreira de Freitas e Maria Laura Pedreira de Freitas Silva. Elas seriam as responsáveis pela gestão do patrimônio, que deveria ter como finalidade, de acordo com o testamento, a criação e gestão de uma fundação sem fins lucrativos.

Trecho do testamento determinada destinação do patrimônio à criação da Fundação (números dos documentos das pessoas citadas foram borrados)
Trecho do testamento determinada destinação do patrimônio à criação da Fundação (Números dos documentos das pessoas citadas foram borrados) Crédito: Captura de tela

A instituição teria como principal objetivo a formação de músicos e outros artistas, assim como promover festivais e concursos. A ideia seria atender à população mais carente, doando bolsas de estudo, instrumentos e proporcionando cursos. Só cobraria mensalidade ou anuidade para quem tivesse condições financeiras. Uma exigência feita por Gal era que a Fundação fosse criada na Bahia. Como quinta testemunha do registro do documento, está Wilma, cuja assinatura consta no testamento em questão.

Trecho de testamento descreve objetivo da Fundação
Trecho de testamento descreve objetivo da Fundação Crédito: Captura de tela

Envelope lacrado

O testamento, feito em 1997, foi encontrado após a morte de Gal nos pertences da família. Verônica e Priscila dizem não terem tido conhecimento prévio do conteúdo, que estava em um envelope lacrado com uma etiqueta que continha o nome “Gal Costa”. Diante da descoberta, as duas contam que resolveram “fazer valer o desejo da prima”. Verônica é mãe de Priscila e chegou a morar no Rio de Janeiro com Gal. Ela diz ter sido designada pela cantora como guardiã do acervo de figurinos, emprestados, a pedido de Gal, à atriz Sophie Charlotte para o filme “Meu nome é Gal”, lançado em 2023.

Gal tinha apenas um irmão: Guto Burgos (por parte de pai, chegou a ser seu empresário antes de Wilma). A mãe da artista, Mariah, tinha uma irmã: Maria Elvira, mãe das primas de primeiro grau Marina e Maria Lúcia, citadas no testamento, sendo a primeira já falecida. A segunda, por sua vez, é mãe de Maria Laura e Verônica, também citadas no testamento.

Ao encontrarem o documento no envelope lacrado, Verônica e Priscila procuraram os advogados Sergio Nunes e Diego Ribeiro, do escritório Kruschewsky & Nunes Ribeiro, na capital baiana, que, no primeiro momento, fizeram uma busca em todos os cartórios do país e encontraram os registros do testamento de 1997 e, para a surpresa das primas, também do seu ato de revogação de 2019.

Documento, assinado por Gal em 2019, que revoga testamento de 1997
Documento, assinado por Gal em 2019, que revoga testamento de 1997 (Informações de endereço e documentos de identidade de Gal foram borrados) Crédito: Captura de tela

A defesa das duas explica que, para alcançar a anulação da revogação do testamento, vai basear-se em testemunhas e “nos elementos de provas existentes no inventário e no contexto de denúncias divulgadas pelo filho Gabriel que sinalizavam a coação irresistível sofrida pela cantora”.

O advogado Tauan Almeida, especialista em Direito Sucessório consultado pelo CORREIO, explica o cenário: “A prova de que o testamento foi revogado mediante coação pode resultar na sua anulação. A coação ocorre quando a pessoa que deixa o testamento é obrigada a assinar a revogação estando sob ameaça, seja física, moral, emocional ou psicológica. Neste caso, será necessário provar que, ao assinar a revogação, Gal agiu motivada por uma coação moral tão irresistível que naquele momento deixou de lado sua real vontade e fez o que era, na verdade, a vontade de outra pessoa.”

Para a ação movida pelas primas, os advogados das duas argumentam que há “fortes elementos e indícios de que Gal Costa sofreu coação moral irresistível, contra si, contra sua família e contra seu patrimônio” e ainda que “Gal se encontrava, em 2019, em estado de vulnerabilidade psicológica, econômica e social”.

“A comprovação da ocorrência de coação faz com que o ato jurídico seja nulo ou possa ser anulado. Portanto, se for provado que Gal foi coagida a assinar o ato de revogação de testamento, será como se essa revogação nunca tivesse existido, e aí sim o testamento feito em 1997 irá prevalecer”, acrescenta Tauan Almeida, advogado consultado pelo CORREIO.

É na tese de que Gal tenha sido coagida por Wilma que se baseia a defesa das primas. As duas ressaltam que não seriam beneficiadas pessoalmente com a herança, destinada à Fundação que visaria preservar a memória e obra da artista. “Não estamos interessadas em nada além do que fazer valer a vontade de Gal. Queremos dar vida ao que ela deixou escrito porque seu desejo e sua obra não podem ser silenciados”, diz Priscila.

Mesmo que a ação tenha sucesso e o testamento em questão seja revalidado, como Gal deixou um filho, os recursos não poderiam ser destinados 100% para a Fundação. A lei brasileira prevê que, no caso da existência de herdeiros, apenas 50% podem ser partilhados de acordo com a vontade do autor do testamento. Dessa forma, Gabriel teria direito aos demais 50%. Caso Wilma consiga provar a relação conjugal que teve com Gal, dividirá com Gabriel os bens adquirido após o início da união.

Wilma e Gabriel

Gal e Wilma se conheceram em um voo de Nova York para o Brasil, segundo uma reportagem de Thallys Braga para a revista Piauí, na primeira metade da década de 90. No avião, Gal teria oferecido estadia para Wilma, que desembarcaria em São Paulo sem ter onde ficar. A partir de então, teriam engatado um namoro, de acordo com a reportagem, publicada em julho de 2023. O material ainda traz a público, pela primeira vez, acusações de golpes financeiros, assédio moral e ameaças contra Wilma, levantadas por ex-funcionários e amigos de Gal.

A artista sempre afirmou, em entrevistas, o desejo de ser mãe. Como não podia engravidar, por problemas em uma das trompas e uma menopausa precoce, ela decidiu adotar. Em 2007, concluiu o processo de adoção do filho Gabriel, sem a participação de Wilma. O jovem, agora com 18 anos, briga na Justiça contestando o pedido de reconhecimento da união estável, alegando que Wilma seria apenas empresária da artista, e pede a exumação do corpo da cantora para investigar as causas da morte.

Registro de Gal ao lado do filho, Gabriel
Registro de Gal ao lado do filho, Gabriel Crédito: Reprodução/Instagram

Verônica e Priscila dizem desejar a participação de Gabriel na criação e gestão da Fundação, caso assim seja do seu interesse. O advogado Sérgio Nunes menciona matérias jornalísticas que citam a existência de um testamento em favor de Gabriel e pondera que o documento não consta nos registros de dados do Colégio Notarial do Brasil (não seria um testamento público), mas que, caso exista (como testamento privado) e seja apresentado, suas clientes se comprometem a desistir da ação judicial que pede a anulação da revogação do documento de 1997 que prevê a Fundação.

Imbróglio

A ação anulatória ajuizada por Verônica e Priscila deve atravancar ainda mais o andamento do inventário. No último dia 15, a juíza Luciana Novakoski Ferreira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que a ação deve tramitar em conjunto com o inventário.

Até o momento, Wilma é a inventariante (administradora temporária do patrimônio até que o inventário seja concluído), já que Gabriel tinha 17 anos quando a mãe morreu. Nos registros do Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, constou no dia 25 de março uma ação que pedia a remoção da inventariante.

A defesa de Gabriel, procurada pela reportagem, preferiu não comentar sobre o pedido de remoção. A advogada, Luci Vieira Nunes, ainda disse não ter conhecimento sobre a ação movida pelas primas de Gal e nem sobre um testamento da artista em favor do filho. Alegou, no entanto, que a cantora teria revogado o testamento de 1997, feito antes da adoção, para deixar o patrimônio para Gabriel. Luci é uma das testemunhas nomeadas por Gal que assinam o testamento.

Wilma Petrillo foi procurada e os questionamentos do CORREIO foram respondidos por sua advogada, Vanessa Bispo. Sobre o documento de 1997 que prevê a criação da Fundação, ela disse que "juridicamente, esse testamento não existe". Sobre as acusações feitas a Wilma, disse que "a coação é algo que não basta ser alegado, tem que ser provado". Sobre as questões na Justiça com Gabriel, a advogada alegou que a união estável entre Gal e Wilma "já foi reconhecida nos autos do processo do inventário" e disse que não comentaria sobre o pedido de exumação do corpo da cantora, já que Wilma não é citada neste processo. Sobre o pedido de remoção da inventariante, disse que foi feito por Gabriel, mas que não foi acatado na Justiça e que "não há motivo nenhum para Wilma ser removida". Por fim, acrescentou que sua cliente está "bastante abalada com tudo isso". 

A reportagem também procurou Guto Burgos (irmão e ex-empresário de Gal), que respondeu que não se manifestaria sobre o assunto. 

*Ronaldo Jacobina, especial para o CORREIO/ Colaborou Carolina Cerqueira

Relembre os fatos:

 9 de novembro 2022: Gal Costa morre em casa, em São Paulo. Causa da morte não é revelada pela família.

11 de novembro 2022: Corpo de Gal é enterrado no Cemitério Venerável Ordem Terceira Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo.

6 de julho de 2023: Publicada reportagem de Thallys Braga para a Revista Piauí na qual ex-funcionários e amigos de Gal associaram a empresária da artista, Wilma Petrillo, a episódios de assédio moral, ameaças e golpes financeiros.

16 de julho de 2023: Atestado de óbito de Gal Costa é revelado e aponta “infarto agudo do miocárdio, neoplastia maligna de cabeça e pescoço” como causa da morte.

Setembro de 2023: Justiça nomeia Wilma Petrillo como inventariante e a concede a guarda de Gabriel, filho de Gal, na época com 17 anos.

Fevereiro de 2024: Vaza áudio em que Wilma coage Gabriel, física e psicologicamente, para que ele assine a liberação de direitos autorais da cantora.

Fevereiro de 2024: Gabriel abandona a casa onde viveu com a mãe e Wilma no Jardim Europa, na cidade de São Paulo. Ele afirma ainda que as duas não conviviam como casal e, portanto, Wilma não teria direito à herança.

Março de 2024: Filho de Gal diz que Wilma vetou autópsia e entrega petição à Justiça para exumação do corpo da cantora, alegando ter dúvidas na causa da morte da mãe.

Março de 2024: Em entrevista ao jornal O Globo, Wilma afirmou que não há dúvida alguma sobre a causa da morte de Gal Costa: “Gal tratava um câncer agressivo na região do nariz, conforme atestam prontuários médicos do hospital Albert Einstein”.