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O entrelaço do Cine Subaé e a música de Caetano Veloso

A coletânea organizada por Claudio Leal e Rodrigo Sombra traz críticas, entrevistas, encartes e fragmentos do cantor sobre cinema

  • Foto do(a) author(a) Yasmin Oliveira
  • Yasmin Oliveira

Publicado em 12 de junho de 2024 às 06:00

Rodrigo Sombra, Caetano Veloso e Claudio Leal no lançamento do livro no Rio de Janeiro
Rodrigo Sombra, Caetano Veloso e Claudio Leal no lançamento do livro no Rio de Janeiro, em maio Crédito: Erick Schons e Raphael Urjais/ Divulgação

Caetano Veloso é revolucionário. E a coletânea Cine Subaé (Companhia das Letras/R$ 130/ 440 págs.) — que reúne textos sobre cinema assinados pelo compositor, escritos desde os anos 1960 — é uma demonstração disso. Ali, percebemos como o tropicalista baiano é capaz de entrelaçar a sua paixão pelo cinema nas suas composições e apresentações. 

A coletânea é organizada pelos cinéfilos baianos Claudio Leal e Rodrigo Sombra. “De algum modo, ao abrir o livro, você está acessando esse cinema, esse lugar de onde Caetano via o mundo através do cinema”, afirma Claudio Leal.

Nos primeiros ensaios e críticas, observamos como o fascínio do músico pela sétima arte teve início em uma pequena sala do Cinema Santo Amaro, nos anos 1950, em sua cidade natal, Santo Amaro, no Recôncavo Baiano. Embora aquela sala tenha apresentado o cinema para Caetano, foi em outra, no Cine Subaé, que ocorreu um dos momentos que moldaram sua formação pessoal: uma sessão de La Strada/A Estrada da Vida (1954), de Federico Fellini. Aos 15 anos, ele saiu chorando dali e chegou a passar um dia inteiro sem comer.

O Cine Subaé

“O Subaé era uma espécie de janela aberta para o mundo, para uma possibilidade de vida cosmopolita. Você tinha filmes franceses, filmes italianos, filmes mexicanos que passavam ali, você tinha um repertório de exibição mais diverso do que muitos cinemas em capitais brasileiras hoje”, observa Rodrigo Sombra.

Nesta coletânea, são 64 críticas e ensaios escritos por Caetano, além de 76 fragmentos de conversas, encartes de álbuns e 12 entrevistas dadas pelo músico em diversas épocas. Tanto Claudio - jornalista e mestre em teoria, história e crítica do cinema - quanto Rodrigo Sombra - fotógrafo e mestre em estudos de cinema - começaram a visitar as salas de exibição desde crianças, assim como Caetano, e se sentem extremamente conectados com o livro por mexer com uma paixão antiga.

Em algumas canções de Caetano, percebe-se a presença do cinema, como claramente ocorre em Cinema Novo (do álbum Tropicália 2, de 1993) ou Giulietta Masina (1987), homenagem à atriz casada com Fellini, homônima à canção. “O livro expande um olhar concentrado sobre essa relação com o cinema, que é central na construção da obra de Caetano. Até então, esse vínculo fortíssimo não tinha sido explorado do ponto de vista crítico e de uma antologia dele”, explica Claudio.

Pesquisa

O processo de pesquisa para o livro levou cerca de três anos, e a iniciativa foi dos organizadores. Os textos estavam dispersos em várias publicações, incluindo grandes jornais e revistas independentes sobre o tema. “A gente sabia que existiam estes textos dele e conhecia vários, mas fomos descobrindo muitos outros. Nós fomos surpreendidos com a quantidade de escritos que não haviam sido publicados em livro”, relata Rodrigo. Segundo Claudio, Caetano não guarda um arquivo privado com seus textos e publicações.

O santamarense foi necessário para a discussão crítica do livro, ao receber a proposta inicial. Claudio conta que eles receberam um e-mail após Caetano ler e comentar as críticas encontradas. “A gente decidiu complementar alguns pontos do livro com coisas que não estavam formuladas ainda por ele, como o argumento do filme que ele planejou e não fez sobre Marco Polo em Salvador”, diz Claudio.

Rodrigo conta que Caetano foi se surpreendendo enquanto os textos lhe eram apresentados. Uma destas críticas foi 'Vendo Canções', em memória de Elis Regina e um dos melhores textos do livro, na opinião do organizador. Nele, Caetano apresenta uma apreciação crítica da estética dos videoclipes.

Enquanto Rodrigo consegue apontar seu favorito, Claudio é relutante, por ter ficado emocionado com a pesquisa. “O texto dele sobre ‘A Grande Feira’, no Diário de Notícias, acho que me instigou bastante porque havia uma ambição crítica e também de historiador do cinema em Caetano”, explica. A Grande Feira é uma produção de 1961, dirigida pelo baiano Roberto Pires.

Claudio Leal observa que a opinião de Caetano sobre uma obra de arte pode mudar com o tempo: “Ele não tem um ponto de vista em geral preconcebido sobre uma obra de arte. É a experiência que vai determinar a perspectiva crítica dele e se essa experiência mudar com o tempo, ele também vai mudar com ela em relação àquele filme”, diz Claudio.

Mesmo que sua opinião tenha mudado em relação ao filme ‘A imitação da vida’, de Douglas Sirk, Caetano não tem medo de ser sincero. O objetivo do músico em seus escritos não é agradar, mas mostrar seu ponto de vista sobre determinada película. Principalmente nos anos iniciais quando buscava criar um senso cinéfilo em Santo Amaro.

O mesmo ocorre durante a leitura de ‘Cine Subaé’. Muitas vezes discordamos de Caetano e suas opiniões ácidas, mas ainda buscamos ver e pesquisar sobre os filmes mencionados apenas para ter uma batalha mental com o músico. Entre as páginas, é possível compreender sua mente durante a criação do filme ‘Cinema Falado’, além de acompanhar sua mudança de opinião conforme os anos se passaram.

Desde as críticas até as entrevistas, ao terminar a leitura, a vontade do leitor será de iniciar uma maratona de filmes para tentar conferir as opiniões de Caetano. Ou até mesmo se inspirar para criticar as películas que, segundo o músico, devem ser apreciadas em uma sala de cinema.

Cine Subaé traz diversas imagens da juventude de Caetano Veloso
Cine Subaé traz algumas imagens da juventude de Caetano Veloso Crédito: Divulgação

Confira alguns trechos do livro:

"Faço música popular e sou apaixonado por cinema. Minha música está cheia de imagens invisíveis que vieram das grandes telas. As imagens escondidas no mais fundo de meu som, as que marcam mais decisivamente seu sentido, vieram dos filmes de Fellini."

Caetano Veloso

'Fellini e Giulietta', O Globo 04/10/1997

"Vi Meia-noite em Paris no cinema e adorei como nunca tinha adorado nenhum filme desse diretor — e nem sequer me lembrei de A rosa púrpura do Cairo, filme que, quando vi, só me fez pensar duas coisas: 1) que Allen pegou um esboço de roteiro de Maiakóvski e o adoçou; e 2) que Mia Farrow, que até ali era uma menina atraente, sob suas lentes ficou parecendo um cachorro sem dona, fazendo olhos compridos de vítima do destino, sem nenhum resto de sex appeal. Por que será que acharam Paris parecido com Cairo? A proximidade das épocas em que as histórias se dão? A vivência delirante da fantasia? Mistério. O fato é que Meia-noite em Paris resulta arrebatador. Não é um adjetivo que eu usasse sobre nenhum outro filme de Allen. "

Caetano Veloso

'Woody Allen', O Globo 10/07/2011

"Foi com Matou a família e foi ao cinema — uma obra-prima da arte brasileira em qualquer área, um dos maiores acontecimentos do moderno cinema mundial, quase só conhecido no Brasil —, foi com esse doloroso e terno cinepoema que fiquei sabendo que estava diante de um grande artista."

Caetano Veloso

'Sábia e Arriscada Ascese', Setembro de 1995, em Julio Bressane: Cinepoética

"Eu adorei. Claro que Rio, em parte, é como um chapéu de Carmen Miranda, ou um desenho de Disney da época da política de boa vizinhança, ou ainda os lugares-comuns sobre a alegria brasileira que às vezes aparece com ar sinistro em festivais de música na Europa. Mas a combinação do olho informado e íntimo de Saldanha com as diferenças entre nosso tempo e os tempos de Zé Carioca faz os clichês de Rio parecerem mais com a História secreta do Brasil, de Cláudia Bernhardt de Souza Pacheco, do que com Alô, amigos. "

Caetano Veloso

'Alegria', O Globo 17/04/2011

*Com orientação de Roberto Midlej