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No YouTube, a favela sem maquiagem

Série 'Bala e Fogo', passada no bairro de Mata Escura, faz sucesso com elenco e diretor amadores

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 15 de março de 2025 às 05:00

Dhonys Santos, em Mata Escura, onde vive e faz gravações
Dhonys Santos, em Mata Escura, onde vive e faz gravações Crédito: Marina Silva/Correio

Um iPhone na mão e uma ideia na cabeça. Parafraseando o cineasta Glauber Rocha (1939-1981), é disso que o soteropolitano Dhonys Santos, 34, precisa para fazer cinema. E foi assim que ele conseguiu conquistar o público, com a série policial Bala & Fogo, no YouTube. “É a realidade da favela sem maquiagem”, diz Dhonys, um diretor autodidata que jamais teve uma aula de cinema e tem como referências produções brasileiras recentes, incluindo Tropa de Elite, Cidade de Deus e Impuros.

Bala & Fogo, segundo Dhonys, é a realidade da favela sem maquiagem. “Retrata as amizades; a mãe que aconselha o filho; o filho que não escuta os pais; a falsidade das pessoas... e o dia a dia do morador que sofre com a guerra do tráfico. Mas também mostramos os sonhos dos jovens, como o menino que sonha ser jogador profissional de futebol, mas não tem oportunidade”.

Com novos episódios lançados às terças-feiras, a produção já chegou à décima parte, com uma média de 80 mil visualizações por episódio. A série está no canal Reels de Favela Oficial, que tem 539 mil inscritos. E o público vem de todo o país: há mensagens de fãs de diversos estados, como SP, MG e SC.

Os conflitos entre facções são o tema mais recorrente da série. Mas a violência explícita, com tiros e sangue, aparece pouco, até porque o YouTube impõe algumas restrições a esse tipo de conteúdo. Então, o destaque acaba ficando para as intrigas entre os grupos criminosos, jogos de traição e diálogos recheados da linguagem característica de seus integrantes.

Experiências reais

As histórias são baseadas em experiências reais que Dhonys teve em seus 34 anos vivendo em Mata Escura, bairro de Salvador onde acontecem as filmagens. Num dos episódios, dois amigos se tratam como irmãos, mas as coisas entre eles desandam. “Os dois eram envolvidos no tráfico e eram amigos. Mas eles se estranharam e um acabou matando o outro. Nós presenciamos isso na comunidade”, revela o criador de Bala & Fogo.

Dhonys (terceiro da esquerda para a direita) com parte do elenco
Dhonys (terceiro da esquerda para a direita) com parte do elenco Crédito: divulgação

Diante da popularidade da série, as filmagens já começam a se espalhar pela cidade e outros bairros têm servido de locação, a pedido dos fãs. “Começamos em Mata Escura, mas já fomos para Arembepe e Lauro de Freitas, porque a galera pede uma oportunidade para gravar”, diz Dhonys.

Mas esqueça o glamour e a mordomia que você vê nos sets de filmagem de Hollywood. Em Bala & Fogo, os atores são voluntários e não recebem cachê. Quando muito, a produção dá uma ajudinha na gasolina. “Pegamos uma água, um suco, um biscoito... porque, quando a gravação se estende, bate sede, fome. Por enquanto, é tudo na amizade”, diz o diretor. E até a câmera é na base da amizade. Antes, Dhonys usava um iPhone 11, que havia comprado por R$ 4 mil. Agora, deu um upgrade: usa um iPhone 13, emprestado pelos amigos.

E sem dinheiro para pagar equipe técnica, Dhonys faz de tudo um pouco: dirige, roteiriza, edita, opera a câmera e até participa como ator. Os atores, todos sem experiência, não decoram textos. “Nós damos o direcionamento de roteiro e, como a gente vive na comunidade, eles vivem aquelas situações que mostramos na série. Então, improvisam da melhor forma”.

Nas gravações, Dhonys usa réplicas de armas que ele comprou na internet. “Sempre avisamos aos moradores que vamos filmar, para eles não se assustarem. Também espalhamos banners dizendo que estamos gravando”, diz o diretor.

Os cuidados se explicam: há poucos dias, durante uma gravação de uma série similar, integrantes de outro canal foram baleados pela PM, que confundiu os atores com criminosos. Eles foram atendidos no HGE e receberam alta.

Sonho

Antes de ingressar nas filmagens, o diretor trabalhava como instalador de um provedor de internet, mas pediu demissão para se dedicar ao audiovisual. “Muita coragem, né?”, diz ele, percebendo a surpresa do repórter. “Eu fazia uns vídeos, postava e via que tinha repercussão, a galera gostava. Aí, chegou uma hora que tive que escolher. Ou você vai atrás ou deixa o sonho de lado”.

E para aumentar a pressão sobre ele, Dhonys ainda tem dois filhos: uma menina de nove anos e um menino de 13. Hoje, a esposa tem um emprego. Mas quando ele pediu demissão, ela não tinha renda. “O orçamento apertou, mas ela botou currículo na rua, começou a trabalhar e hoje tem uma renda fixa, tíquete pra fazer um mercado”.

Dhonys diz que a situação em Mata Escura, onde ele ainda vive, já foi pior em relação à violência. Embora o local ainda seja palco da guerra de facções, o cineasta principiante pretende permanecer ali com a família. “Não é fácil criar filhos neste ambiente, já vi muita coisa na vida. Mas eu e minha esposa sempre conversamos com nossos filhos, mostramos o caminho certo. Eles vão para a escola, pra ‘banca’, fazem esporte, sempre ocupam o tempo, porque, com as amizades, às vezes, vêm convites para coisas erradas”.

Hoje, Dhonys sustenta a família com a monetização dos vídeo no YouTube e com o salário da esposa. Mas o que recebe pelos vídeos ainda não cobre a renda que ele tinha no trabalho. Por isso, planeja ampliar o canal Reels de Favela: “Vamos fazer outras séries e um podcast. Também vou voltar a fazer vídeos de motivação e entrevistar pessoas que saíram da favela e fizeram sucesso como lutadores de MMA, jogadores de futebol e outras profissões”.