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Roberto Midlej
Publicado em 6 de agosto de 2024 às 10:22
Se o leitor acompanha a carreira da baiana Nara Couto, certamente já ouviu Retinta, seu primeiro álbum, lançado em 2022. Mas, antes de gravar as nove faixas daquele disco, a cantora já tinha outro trabalho praticamente pronto, que deveria ter saído antes e tinha direção musical e arranjos de Letieres Leite. A morte do criador da Orkestra Rumpilezz, em 2021, no entanto, fez o projeto ser engavetado. >
Só agora, quase sete anos após as primeiras gravações, a artista de 42 anos finalmente sentiu-se pronta para lançar Orí, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira (9). “Eu e Leti [apelido pelo qual ela se refere ao maestro] havíamos gravado as bases do disco há uns sete anos e, um ano depois, ele me disse para lançar, mas eu achei que precisava de um tempo. Lancei Retinta na pandemia e a ideia era lançar Orí em seguida”.>
Mas, abalada com o morte do produtor e amigo, Nara resolveu adiar o lançamento. “Sonhei com ele algumas vezes me cobrando o disco, dizendo que era para eu lançar. Pensei: ‘esse cara tá me aperreando até depois de fazer a passagem!”, lembra Nara, com um discreto sorriso, com ar de quem tem boas lembranças de Letieres. >
Orí tem participações de veteranos como Vovó Cici e Mateus Aleluia, considerados por Nara “patrimônios musicais”: “Este é um álbum sobre honra. É para honrar aqueles que vieram antes da gente, como o candomblé nos ensina. Eu nunca olho para a frente sem olhar para trás e sempre reverencio os mais velhos”, diz a cantora. Seu Mateus é o autor da música Filho de Rei e também participa da gravação. Já Vovó Cici está em Meu Caminhar, que também tem voz de Luedji Luna.>
Sempre preocupada em manter os laços com a África, Nara traz para Orí criações de artistas daquele continente. É o caso da faixa Tchep Tcherep Tchep, composição de Maio Coopé, de Guiná Bissau. “Sou fã de Maio e fiquei muito feliz em trazer o trabalho dele pro álbum porque essas conexões nos aproximam da África contemporânea. Miro esta África de hoje e me conecto com ela através dos artistas”, destaca a cantora.>
Moa do Katendê>
Há também a canção Badauê, composta por Moa do Katendê (1954-2018), músico e mestre de capoeira assassinado durante uma discussão política, em meio às eleições que apontaram a vitória de Bolsonaro. “Quis a participação do Ilê Aiyê porque a minha construção artística passa por esse bloco. E também a filha dele, porque não podemos esquecer de Mestre Moa, que foi morto de forma tão bruta, num momento tão crítico que a gente viveu”. A filha de Moa participa lendo um texto sobre o pai: “Meu pai, Mestre Moa do Katendê, era mestre de capoeira, cantor, compositor, educador, artesão, de passos lentos e sorriso tímido, mas ele gostava de uma boa gargalhada. Cantava e encantava todos à sua volta”.>
Chama a atenção na abertura do álbum a leitura do texto Acredite no Seu Axé, de autoria da escritora baiana Carla Akotirene. “É um texto antigo, que trouxe para a minha vida como uma reza, um mantra. Quando digo ‘não adianta negarem seu axé’, é porque, muitas vezes, a gente cria caminhos se espelhando no caminho dos outros. Mas, se faz isso, você se perde, em vez de encontrar seu caminho. Então, nunca olho para o lado, para as outras pessoas. Olho para mim”, diz Nara.>
Para masterizar Orí, Nara fez questão de convidar alguém que mantivesse o legado deixado por Letieres. Por isso, chamou André Magalhães, que, segundo a cantora, tem um trabalho muito competente de percussão. “O trabalho dele é muito importante para selar o álbum e para permanecer fiel ao que Letieres deixou, não só na percussão, mas também na instrumentação harmônica. André não modifica de forma nenhuma o trabalho de Letieres”, assegura Nara.>
O novo show, com as músicas de Orí, estreou em São Paulo em julho. Agora, a cantora se prepara para levar a apresentação à Europa no mês que vem. Por enquanto, não há previsão para o espetáculo chegar a Salvador. O show mantém os arranjos de Letieres, mas, com direção do moçambicano Otis Selimane, ganhou novas “referências”, segundo Nara. “Você ouve as faixas de Orí e ouve mais coisas. Então, ficou lindo”, celebra a cantora.>