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Luiza Gonçalves
Publicado em 2 de dezembro de 2024 às 05:51
A paixão tomou conta da nona edição da Balada Literária da Bahia. Prestando homenagem à música brega e romântica, o evento cultural acontece de hoje (2) a quarta-feira (4), com atividades gratuitas no bar Ogodô Music Dance, no Pelourinho. Partindo do amor como gancho central, a programação se desdobra além da música popular, com exibição de filmes, lançamento de livros, bate-papos, discotecagem comentada, oficina de escrita criativa e sarau de poesia.
Abrindo a programação da Balada, Marcelino Freire lança em Salvador o romance Escalavra (Amarcord), hoje (2), às 19h. O evento contará com bate-papo com a escritora Luciany Aparecida, autora de Mata Doce (Alfaguara), e a jornalista Ana Cristina Pereira, além de leitura dramática de trechos de Escalavra e Mata Doce feita pela atriz Vera Lopes. Entrada gratuita.
A Balada Literária nasceu em São Paulo, em 2006, a partir do movimento do escritor e agitador cultural Marcelino Freire. Em seus anos de realização, atraiu a atenção do poeta e produtor cultural baiano Nelson Maca, que passou a frequentar regularmente o evento e, em 2015, articulado com Freire, decidiu realizar a primeira Balada Baiana. “Quando a Balada fez 10 anos, veio a ideia de fazer uma edição comemorativa em Salvador, que aconteceu na Biblioteca dos Barris. Deu super certo e, muito espontaneamente, demos seguimento”, relembra Maca. Além de São Paulo e Salvador, as cidades de Recife e Teresina também realizam edições do evento.
Nesses nove anos, o evento já recebeu autores como Valter Hugo Mãe, Ungulani Ba Ka Khosa, Aldino Muianga, Alice Ruiz, Paulo Lins, Itamar Vieira Júnior, Milena Brito, Luciany Aparecida, além da presença constante do criador da Balada, Marcelino Freire. “Nelson Maca, parceiro da Balada Literária, trouxe a poesia mais fortemente, a palavra cantada, a performance, outras atitudes às nossas atitudes. Estreitamos com uma conversa com a África, com a oralidade, com as autorias negras”, diz Freire.
Evaldo Braga
A Balada baiana segue a tradição de eleger uma referência para cada edição. “Por aqui, por questão estética, política e afetiva, homenageamos pessoas negras. Já destacamos Luiz Melodia, Vera Lopes, Lazzo Matumbi, Noêmia de Sousa, Vó Cici e Juraci Tavares. Agora chegou a vez de Evaldo Braga (1945-1973), o ídolo negro”, declara Maca. Apesar de uma vida curta, o cantor e compositor carioca se destacou pela atuação no romantismo musical brasileiro.
“Foram apenas dois discos em vida, mas o suficiente para uma alta popularidade. Cantou com intensidade o amor. Aliás, um amor um tanto turbulento, na sua abordagem. A escolha dele como homenageado foi imediata, assim que o tema da música 'brega' foi proposto por Marcelino. Essa homenagem faz parte do desejo de destacar personalidades negras, buscando sempre nossas referências positivas”, pontua o curador.
Um dos destaques da programação será uma conferência sobre Evaldo Braga, com o pesquisador musical e jornalista Danilo Cruz, na terça (3), às 15h. “Acho que Evaldo Braga é, de certo modo, um milagre brasileiro. Um cantor saído de uma instituição de órfãos e que, lá dentro, desenvolveu um amor pela música e conseguiu, na vida adulta, uma carreira. Apesar de ter sido um dos grandes cantores do país, infelizmente caiu no esquecimento. É fundamental conhecer um artista como Evaldo Braga, pois termos essa visão de voltar às nossas raízes”, pondera o pesquisador.
A programação aproveita ainda elementos do universo do brega e de Braga, como o amor, a nostalgia e os vinis, para pensar suas atividades, como: Oficina de Literatura Ossos do Ofídio, com Marcelino Freire; exibição dos documentários Reginaldo Rossi, Meu Grande Amor e Waldick Sempre no Meu Coração; bate-papo com o curador Nelson Maca e três figuras históricas do vinil na Bahia - Alessandro Cavera, Rogério Big Bross e Tony Lopez; e Sarau Bem Brega, onde poetas locais e convidados declamarão sucessos do cancioneiro brega, enquanto o cantor Dão Black faz um pocket-show com repertório especial.
Confira entrevista com Marcelino Freire
1 - Como nasce Escalavra?
Venho lutando com este livro faz tempo. Só agora ele sai. Para contar a história de um pai e de um filho e do silêncio sepulcral entre eles. Ao escrever vi que o livro dizia do silêncio entre mim e o meu pai sertanejo. Parei para ouvir esse silêncio.
2 - Como foi voltar para o romance mais de 10 anos depois do Nossos Ossos?
Tenho duas versões anteriores do Escalavra que não me emocionaram. Só esta agora me emocionou e é para mim um mistério. O que a gente entrega é o mistério de um livro. Dez anos tentando desvendar o que eu estava escrevendo. Nem sei ainda o que fiz.
3 - Por que da sua denominação de “romance megalítico”?
Eu quando adolescente cheguei a pensar em ser arqueólogo. Nem sabia por onde começar. Percebo agora que escrevo romances arqueológicos. Daí a imagem de monumentos megalíticos ter vindo. As pedras ali sobrepostas, em milenar fricção. Uma linguagem que faz raspagens e ranhuras. Igual à relação do pai e do filho, um escalavrando o outro.
4- A forma e a linguagem sempre são marcantes nos seus trabalhos e que costumam variar de acordo com a narrativa. Como você chegou a essa identidade que vemos em Escalavra?
Eu gostaria de encontrar uma linguagem técnica mas precária. Vi nas rochas desses túmulos essa possibilidade de levantar uma história seca, concisa, com frases suspensas, num rolamento entre elas. Escrever é linguagem. É correr risco, como dizia Torquato Neto.