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Morte de Gene Hackman nos faz pensar sobre como lidar com os idosos

Ator, que venceu dois Oscars, morreu aos 95 anos, depois de passar uma semana sozinho, na mesma casa onde estava o cadáver da esposa

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 15 de março de 2025 às 05:00

Gene Hackman, ao lado da esposa Betsy Arakawa, com quem vivia há 34 anos, em Santa Fé, nos Estados Unidos
Gene Hackman, ao lado da esposa Betsy Arakawa, com quem vivia há 34 anos, em Santa Fé, nos Estados Unidos Crédito: reprodução

A situação já foi imaginada várias vezes, tornando-se quase um lugar-comum para ilustrar a solidão que a contemporaneidade nos impõe: uma pessoa que vive sozinha morre e seu corpo só é encontrado dias depois, já em estado de putrefação. De vez em quando, se não é na ficção, ouvimos um relato real desses, como aconteceu com o ator americano Gene Hackman recentemente.

Em 27 de fevereiro passado, soubemos da morte do astro de Hollywood - vencedor de dois Oscars e intérprete de Lex Luthor no Superman de 1978 -, aos 95 anos. Naquele dia, seu corpo foi encontrado e, segundo a autópsia, Hackman já tinha uma semana sem vida. E o mais chocante é que ele não vivia sozinho: era acompanhado regularmente pela esposa Betsy Arakawa, que, 30 anos mais jovem, gozava de plena saúde e parecia não ter impedimento para cuidar do marido.

Mas ela também estava morta, ao lado de um frasco de comprimidos e do corpo de um dos três cães do casal, Zinna. Os vizinhos e amigos não relatavam nenhum tipo de desentendimento entre Hackman e a esposa e eram unânimes ao defender que Betsy era muito cuidadosa com o companheiro. Era ela que agendava os jogos de golfe do ator com os amigos. Além disso, acompanhava a dieta dele e diluía seu vinho em água com gás.

Inicialmente, as autoridades imaginaram que a causa dos óbitos seria envenenamento por gás. Mas os testes descartaram a presença de monóxido de carbono nos corpos, o que afastou aquela possibilidade. A intoxicação pelos comprimidos também foi descartada e a hipótese de assassinato nunca foi levada à frente.

Somente no dia 8 de março, dez dias após os corpos serem encontrados, é que o caso foi esclarecido: Hackman, que sofria da doença de Alzheimer em estágio avançado, teve problemas cardíacos. A esposa foi acometida pelo hantavírus, um tipo de vírus muito raro, transmitido pela inalação de partículas da urina ou excrementos de ratos em espaços mal ventilados. Mas há outros elementos que tornam o caso mais estarrecedor: Betsy, de acordo com os peritos, morreu no dia 11 de fevereiro e o marido, no dia 18. Portanto, ele passou uma semana sozinho e sem se alimentar, já que não foi encontrado alimento em seu corpo.

O ator (à esquerda), no papel de Lex Luthor em Superman, com Christopher Reeve
O ator (à esquerda), no papel de Lex Luthor em Superman, com Christopher Reeve Crédito: divulgação

Ele, portanto, deve ter passado uma semana rondando o cadáver de Betsy, mas, diante do estágio avançado do Alzheimer, foi incapaz de agir. E, de acordo com especialistas, pode nem ter se dado conta da morte da esposa. Se percebeu, logo esquecia, para, mais tarde, se dar conta de novo. Talvez tenha passado por esse ciclo inúmeras vezes.

⁠"Imagino que ele deva ter tentado acordá-la, sem sucesso. Mas depois pode ter se distraído com algo em outro cômodo, com um dos cachorros ou algo assim", descreveu ao site da BBC a terapeuta ocupacional Catherine V. Piersol, com décadas de experiência no cuidado de pessoas com demência.⁠

Isolamento

Embora não fosse considerada uma pessoa “velha” para os padrões atuais, Betsy já passava dos 60 anos, o que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a classifica como idosa. Sabe-se que, quanto mais envelhecemos, menos resistente o corpo fica a doenças. Betsy, portanto, estava mais suscetível aos efeitos do hantavírus que um jovem estaria. Hackman, aos 95, tinha uma saúde muito frágil, tanto do ponto de vista mental quanto físico. É inevitável que nos perguntemos, portanto: o casal não deveria estar acompanhado de uma terceira pessoa?

Primeiro, deixemos claro: não se trata aqui de julgar ninguém, afinal Betsy era muito cuidadosa, segundo relatos. Hackman tinha três filhos, que não foram mencionados nas reportagens sobre o caso. Mas também não vamos julgá-los, já que o objetivo aqui é outro: questionar como a sociedade deve cuidar dos idosos. Como o Estado deve dar atenção aos mais velhos? Afinal, com o aumento da expectativa de vida - e com menos pessoas nascendo no mundo -, no futuro o universo terá uma população idosa muito expressiva.

E pior: muitos deles vivendo sozinhos. No Brasil, segundo o IBGE, há 5,6 milhões de pessoas com mais de 60 anos vivendo sós, dos quais 2,1 milhões são homens e 3,5 milhões, mulheres. Na Bahia, são 406 mil idosos que moram sem companhia, sendo 176 mil homens e 230 mil mulheres. Que tipo de assistência essas pessoas têm? Num país com desigualdade social abissal como o Brasil, que privilegiados podem ter um cuidador profissional?

E este profissional precisa estar presente 24 horas por dia, o que torna praticamente inviável para quase toda a população brasileira arcar com este custo. E não é exagero falar em 24 horas de disponibilidade: um idoso, por qualquer descuido, pode perder a vida. Uma queda corriqueira, ou um simples engasgo pode ser fatal. É triste constatar isso, mas um idoso, muitas vezes, é tão incapaz quanto um bebê. Quem de nós deixa um bebê sozinho? E por que haveríamos de abandonar um idoso por algumas horas que podem ser fatais?

Ainda segundo o IBGE, a expectativa de vida no Brasil é bastante alta, chegando a quase 77 anos. Ou seja, quem nasce hoje no país viverá, em média, até os 77 anos. Como estamos falando de uma média, é legítimo admitir que uma parte expressiva da população passará dos 90 anos. Tão importante quanto pensar no futuro Previdência Social - que passa por reformas constantes - é se perguntar: quem cuidará de nossos velhos?