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Roberto Midlej
Publicado em 8 de agosto de 2023 às 06:00
Com mais de 20 livros publicados e atuando também como colaborador de jornais, o antropólogo, ensaísta e historiador baiano Antônio Risério tem colecionado polêmicas, especialmente quando trata de questões raciais. >
Em janeiro do ano passado, foi alvo de ataques vindos de intelectuais e militantes de esquerda, quando escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo intitulado Racismo de Negros Contra Brancos Ganha Força com Identitarismo. >
Mais de 180 jornalistas do diário paulista assinaram em seguida um manifesto em que acusavam o jornal de publicar conteúdos considerados racistas. Em reação, quase 800 pessoas assinaram uma resposta em apoio a Risério, em que afirmavam fazer "um apelo para que sua livre expressão seja respeitada".>
Sem receio de ser intimidado e criticado, Risério volta à questão racial em seu novo livro, Mestiçagem, Identidade e Liberdade, que será lançado nesta quarta-feira (9), às 18h, no Poró Restaurante e Bar, no Santo Antônio Além do Carmo. "Me fizeram muitas ameaças – de morte, inclusive. Mas podem tirar o pangaré do aguaceiro", diz Risério nessa entrevista ao CORREIO.>
Roberto Mangabeira Unger - filósofo e por duas vezes ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil -, faz no texto de apresentação do livro críticas ao identitarismo, ao qual Risério também é crítico: "O que temos aqui é mera cópia do que foi produzido pela esquerda cultural norte-americana", afirma Risério. >
Para começar, vamos com uma pergunta um pouco "genérica", mas essencial para entender o que é o livro: o que é a mestiçagem?>
Distingo entre miscigenação e mestiçagem. Miscigenação se refere, única e exclusivamente, ao cruzamento genético. A mestiçagem só acontece quando se dá o reconhecimento social pleno da miscigenação. Por exemplo: nos Estados Unidos, o mestiço não existe socialmente, o pardo ou mulato não é reconhecido como tal. No Brasil, ao contrário, o mestiço sempre foi reconhecido socialmente como tal e sempre tivemos palavras para designá-los. Ou seja: os Estados Unidos são um país que só conhece a miscigenação. O Brasil vai além, chegando ao patamar da mestiçagem.>
Roberto Mangabeira Unger diz, no texto de abertura, que "somos o país em que tudo se mistura com tudo. Entre nós, o sincretismo é ao mesmo tempo o problema e a solução". O senhor fala sobre isso no livro? Concorda com a afirmação final dele ('o sincretismo é ao mesmo tempo o problema e a solução')?>
No texto de apresentação de “Mestiçagem, Identidade e Liberdade”, Mangabeira só se refere a temas e problemas que são analisados e discutidos no livro. E toma partido, concordando com a minha posição. No caso específico do sincretismo, também concorda comigo. Para dar apenas um exemplo, veja o campo religioso. Ao recusar as misturas culturais, o poder puritano branco escorraçou os deuses africanos dos Estados Unidos. O contrário mesmo do que ocorreu no Brasil e em Cuba, por exemplo. Costumo dizer que, se tivesse acontecido no Brasil e em Cuba o que aconteceu nos Estados Unidos e na Argentina, não teríamos hoje um só orixá em toda a extensão continental das Américas.>
Muitos dizem que o Brasil está entrando numa guerra identitária que tem como modelo. O senhor, que faz críticas ao identitarismo, concorda com isso? >
O que temos aqui é mera cópia do que foi produzido pela esquerda cultural norte-americana. É a mesma vocação mimética de nossos letrados e semiletrados. Copiam cegamente princípios ideológicos criados nos Estados Unidos. Copiam tolices autoritárias como “lugar de fala” (na matriz norte-americana se diz “falando como x”) ou cretinices pseudossociológicas como “racismo estrutural” (da “critical race theory”) e as apresentam aqui como se fossem criações locais. É ridículo. E totalmente alienado.>
Uma das críticas que se fazem ao identitarismo é que há uma preocupação muito grande com simbolismos - como o uso da linguagem neutra - e os problemas mais "concretos" acabam ficando em segundo plano. O que o senhor acha disso?>
O identitarismo é grupocêntrico, fragmentador. Promove a guetificação dos diversos segmentos sociais. Com isso, perde a percepção global da sociedade. Abole também as classes sociais, o que faz com que o movimento seja patrocinado pela classe dominante, dos banqueiros do Itaú-Unibanco à elite midiática nacional. Aliás, é engraçado: o identitarismo hoje é o discurso do poder, mas os identitaristas fingem que são contestadores, subversivos. Quanto à linguagem, o que temos é uma tentativa de instrumentalização ideológica da língua, querendo obrigar a sociedade a adotar o discurso deles. Ou seja: ao projeto da ditadura do pensamento único, tenta-se sobrepor também uma ditadura linguística.>
O senhor se considera "cancelado" depois de algumas discussões em que se envolveu? Como é a sua rotina, por exemplo, na universidade, depois da experiência de ser cancelado? Em algum momento se sentiu intimidado em sala de aula ou por colegas? Já se autocensurou?>
Não sou professor universitário, nunca fui... Quanto ao “cancelamento” é um expediente truculento de intimidação política e cultural. Como diz a psicanalista Elizabeth Roudinesco, o identitarismo substitui o argumento pelo insulto. É um movimento inimigo de qualquer diálogo. Funciona na base do ataque e da violência e, como se tornou hegemônico, submete as pessoas pela coerção ideológica e mesmo pela agressão física. Daí que a autocensura hoje seja maior do que na ditadura militar, com todas as nefastas consequências políticas e culturais disso. Me fizeram muitas ameaças – de morte, inclusive. Mas podem tirar o pangaré do aguaceiro. Vou continuar discutindo, de forma clara e honesta, tudo que diz respeito à minha gente e ao meu país.>
Qual a diferença entre "identidade" - que aparece no título do livro - e identitarismo?>
O conceito pleno, global, acentua o caráter múltiplo da identidade. O conceito identitarista, ao contrário, é monolítico. Dou um exemplo. Tome-se uma pessoa que é, ao mesmo tempo, escritor, homossexual, cristão e ambientalista. Ela tem várias identidades simultaneamente. O identitarismo elege apenas uma dessas identidades – a de homossexual, claro, já que colocam sexo e raça acima de tudo – e reprime as demais. Daí que o pensador indiano Amartya Sen diga que o identitarismo produz uma espécie de “miniaturização” das pessoas.>
Lançamento do livro Mestiçagem, Identidade e Liberdade>
Autor: Antonio Risério>
Local: Bar e Restaurante Poró (Sto Antônio Além do Carmo)>
Quando: quarta-feira (9), 18h>
Preço : R$ 62 (365 páginas), no site www.topbooks.com.br>