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'Magia', álbum de Luiz Caldas que fundou o axé, completa 40 anos

Disco tem a música 'Fricote', acusada de racismo e que hoje não é cantada pelo artista

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 15 de fevereiro de 2025 às 07:27

Luiz Caldas no trio, em 1986, auge do cantor
Luiz Caldas no trio, em 1986, auge do cantor Crédito: Carlos Casaes

Até meados dos anos 1980, o rock era a grande novidade da música nacional, impulsionado pelo Rock in Rio, que aconteceu em janeiro de 1985. Titãs, Paralamas, Biquíni Cavadão, RPM… eram eles que dominavam as rádios. Eis que em 1985, um baiano até então desconhecido chega de penetra na festa roqueira. Com um visual meio andrógino, descalço e uma música recheada de referências latinas, Luiz Caldas conquistaria o país com seu Fricote, composição dele com Paulinho Camafeu (1948-2021). A canção, considerada o marco inicial da axé-music, está completando 40 anos de lançada e, por consequência, o ritmo que nasceu na Bahia também completa quatro décadas.

Pelo nome, o leitor talvez não identifique a música, mas por este trecho, é impossível não saber do que estamos falando: “Nega do cabelo duro/ Que não gosta de pentear/ Quando passa na Baixa do Tubo...”. A canção estava no primeiro álbum solo de Luiz, Magia, lançado em 1985 e impulsionado pelo enorme sucesso de Fricote. Sim, os versos são racistas e vamos falar disso mais à frente.

“Luiz Caldas era a pessoa certa no momento certo. Não havia nada parecido com ele na Bahia. Já tinha experiência tocando com bandas como Tapajós e já estava bem maturado. Só em Salvador, o disco vendeu mais de 50 mil cópias, o que era inacreditável na época, quando tudo era concentrado no Rio e em São Paulo”, diz Hagamenon Brito, jornalista baiano, crítico de música e criador do termo axé-music.

Luiz no programa de Chacrinha: um atestado de popularidade
Luiz no programa de Chacrinha: um atestado de popularidade Crédito: reprodução

Para o pesquisador musical baiano e jornalista Luciano Matos, Magia tem o mérito de condensar uma mistura de ritmos: “Luiz Caldas junta tudo num lugar só, embora antes a música da Bahia já flertasse com o frevo e o ijexá. Moraes Moreira e outros fizeram isso, mas Luiz condensa isso”. Luciano destaca ainda a competência musical do cantor: “Era um gênio já aos 22 anos [idade de Luiz em 1985], um monstro tocando. Tem um disco da banda Tapajós em que ele canta, compõe e toca todos os instrumentos. O álbum tem outros sucessos, como Magia e Visão do Ciclope, mas Fricote é o grande sucesso”.

Primeiro, Magia foi lançado regionalmente, pelo selo Nova República, do produtor Roberto Sant’Ana. Depois, quando ganhou distribuição nacional pela Polygram, conquistou o país e Fricote virou uma febre. O jornalista carioca Mauro Ferreira, crítico musical do G1, diz que as rádios do Rio de Janeiro também passaram a executar a canção e ele lembra a participação de Luiz Caldas no programa de Chacrinha, o que dava enorme visibilidade ao artista. Em 1986, o cantor também foi ao programa Chico & Caetano, onde cantou Visão do Ciclope.

“Foi a partir de Luiz Caldas que tomamos consciência que vinha uma movimentação musical da Bahia e isso rompia fronteiras. Percebemos que algo estava acontecendo em Salvador”. Segundo Mauro, Visão do Ciclope e Magia não fizeram sucesso no Rio, ao contrário do que ocorreu na Bahia. “Mas ele teve depois outros hits, como Ajayô e Haja Amor. Entre 1985 e 1989, ele viveu um ciclo áureo, que se encerra com Tieta”, diz Mauro se referindo à canção que está na abertura da novela homônima, hoje reprisada na Globo.

Luiz Cal
Luiz Cal Crédito: reprodução

Embora reconheça a importância histórica de Magia, Mauro diz não ser um fã do álbum: “Eu gosto da mistura que ele faz, gosto dessa latinidade, do merengue, que são ingredientes importantes do axé. Gosto dessa mistura, mas não é um disco que ouço. Gosto de Haja Amor e Tieta [de outros álbuns]. Fricote é muito boa em ritmo, mas a letra é intolerável hoje. E já devia ser em 1985”.

Racismo

Hagamenon Brito ressalta o teor racista da letra de Fricote: “Ele já não canta essa música há muito tempo. Mas não se pode apagar o lugar dela na história, porque foi a música que chamou a atenção para o axé. É uma música racista, mas que na época não era considerada racista porque a tradição da música de Carnaval era racista, machista e homofóbica. Basta lembrar de marchinhas como Cabeleira do Zezé e O Teu Cabelo Não Nega”.

Luciano Matos, que é também DJ, lembra de um episódio que retrata bem o racismo da canção e o marcou: “Estava discotecando numa festa há uns dez anos e toquei Fricote, que eu nem costumava tocar. Uma menina chegou pra mim e pediu pra não tocar, porque a música a afetava”.

Luiz Caldas estava em viagem e não pôde responder às perguntas que o CORREIO enviou. Mas numa entrevista ao jornal O Globo em 2021, ele disse: “Não canto mais Fricote em show. Porque a letra era daquela forma e, naquele momento, as pessoas curtiam. Mas as coisas mudam. Eu não quero ofender. O Mussum não existiria hoje. É aquela coisa de você respeitar a sociedade se quer fazer parte dela.”

Hagamenon Brito, que fazia parte da comunidade roqueira de Salvador, diz que aquele grupo de jovens rejeitou a invasão do axé, iniciada por Fricote e que reinaria por quase uma década: “A comunidade ficou louca. Tiro por mim: nós éramos influenciados pelo punk e pelo pós-punk, tinha uma coisa dark. Gostávamos de Joy Division, The Cure, New Order... vivíamos vestidos de preto na Avenida Sete. E tinha quem usasse coturno, neste calor da desgraça. Era uma juventude tola”, diverte-se, lembrando.

Segundo o jornalista, houve, sim, um racha e uma rejeição por parte da galera do rock. “Antes de Luiz Caldas, talvez em 1983, o Camisa de Vênus [banda de rock baiana] levou vinte mil pessoas ao Farol da Barra, num show grátis. No Vila Velha, a banda fazia shows antológicos. A cena rock não chegava a ser forte, mas localmente tinha muita gente roqueira”.