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Roberto Midlej
Publicado em 22 de setembro de 2024 às 07:08
Está sendo relançado no Brasil o livro As Verdades que nos Movem (Intrínseca), autobiografia da candidata à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, Kamala Harris. Embora muito segura e tendo superado diversas dificuldades para chegar à atual condição de importante liderança, a senadora, como qualquer um de nós, revela que está sujeita a fraquezas, logo no prefácio do livro.
Basta ver como ela reagiu à derrota de Hillary Clinton para Donald Trump, em 2016, na disputa pela presidência. Harris, como nós, pobres mortais, mostrou que há momentos em que, inicialmente, só nos resta mesmo nos conformarmos com a derrota. "Eu me sentei no sofá e comi um pacote tamanho família de Doritos. Não dividi com ninguém", escreve, referindo-se ao famoso salgadinho.
E o que torna a leitura do livro interessante é que Harris não escreve um tratado político, embora, claro, a política seja assunto do livro. Mas é um livro de memórias pessoais, afetivas, em que a biografada fala de família, amizades e, acima de tudo, da mãe, Shyamala Gopalan, que morreu em 2009, aos 71 anos.
Imigrante indiana nos EUA, Shyamala tornou-se cientista e realizou pesquisas sobre como combater o câncer de mama. O pai de Kamala é o jamaicano Donald J. Harris, de 86 anos, economista que foi professor nos EUA e chegou a dar aulas na Universidade de Brasília na década de 1990. Ambos politizados, participaram da luta pelos direitos civis em território americano, quando ainda eram universitários.
O fato de ser um livro escrito por uma filha de imigrantes que representam minorias o torna ainda mais importante, afinal é o olhar de alguém que conheceu por experiência própria o que são preconceito e discriminação. Nunca deixará de ser chocante saber que até apenas 50 anos atrás negros e brancos não frequentavam o mesmo ônibus escolar.
Harris, que passou por essa situação quando criança, lembra no livro: "Minha turma foi só a segunda da minha cidade a não ter mais segregação nos ônibus escolares". Tão chocante quanto isso é saber que Harris, na época, participava, sem saber, de um "experimento" que misturava crianças negras e brancas nos mesmos ônibus. Sim, acredite: era um teste para ter certeza se era possível meninos e meninas de raças diferentes conviverem juntas.
Formada em direito, Kamala lembra de suas primeiras experiências como estagiária num tribunal de Oakland, na Califórnia. O desejo de defender os oprimidos já se revelava desde aquela época, quando tinha em torno de 20 anos de idade. Ela lembra a história de uma mulher que, numa sexta-feira, havia sido detida injustamente durante uma batida policial.
Comovida com o caso, a então estagiária preocupou-se com o que poderia acontecer com a vida daquela acusada se passasse um final de semana na prisão, aguardando julgamento. A acusada tinha filhos pequenos e Kamala se preocupou com as crianças. "Tudo estava em jogo para aquela mulher: a família, o sustento, sua posição na comunidade, sua dignidade, sua liberdade".
O juiz já havia deixado o plenário e a tendência era a mulher passar uns dias presa. Mas Kamala insistiu com o escrevente do tribunal para que a autoridade voltasse. "Implorei. Supliquei", lembra a atual candidata à presidência. O juiz, então, retornou e libertou a moça. "Esse foi um momento decisivo da minha vida (...). Foi a percepção de que, mesmo com a autoridade limitada de uma estagiária, as pessoas que se importavam podiam fazer justiça", diz Kamala.
Embora o livro não avance até o momento atual e nem chegue à época em que a autora foi eleita vice-presidente, certamente vale conhecer a admirável trajetória de uma cidadã "comum" que tem grandes chances de ser a primeira mulher a presidir a nação mais rica do mundo. E, sendo negra e filha de imigrantes, a vitória sobre Trump - um candidato abertamente preconceituoso - terá um importante valor simbólico. E, daqui a pouco mais de um mês, talvez seja ele que vá sentar no sofá para comer Doritos e lamentar a derrota.
A Bahia mira o Oscar
Tem filme baiano na corrida pelo Oscar, sim! Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, é um dos seis finalistas entre os filmes nacionais que disputam uma vaga para representar o Brasil no maior prêmio do cinema, na categoria melhor filme internacional. E, se você ainda não viu, corra para ver na Saladearte do Paseo ou no Glauber Rocha. O filme conta a história de Bruno, um jovem de 15 anos que precisa superar as adversidades de uma doença degenerativa que, um dia, o fará ficar cego. Na lista de 'oscarizáveis', Saudade Fez Morada Aqui Dentro tem um concorrente pesado pela frente: Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles (Central do Brasil). Por sinal, esse também está em cartaz, no Glauber Rocha, primeiro cinema do país a receber o filme, que só entrará em circuito comercial daqui a, pelo menos, dois meses. Aproveite, porque é só até a próxima quarta-feira!