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João Donato foi alquimista da música brasileira

Músico promoveu fusão de jazz, bossa, samba e ritmos caribenhos

  • Foto do(a) author(a) Roberto Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 18 de julho de 2023 às 06:00

João Donato
João Donato Crédito: Pedro Palhares/divulgação

O acriano João Donato era daqueles artistas marcados por uma impressionante originalidade. Fazia um som inconfundível, carregado de uma fusão entre ritmos que ninguém jamais havia promovido: quem, como ele, foi capaz de misturar jazz, samba, bossa e música caribenha e criar um produto que soasse como uma unidade entre esses gêneros? Só um alquimista da música, como ele.

Não bastasse isso, foi um músico capaz de trabalhar com as mais diversas gerações de artistas brasileiros. Começou como um dos precursores da bossa e teve João Gilberto e Tom Jobim como parceiros. Antes, quando ainda tinha 15 anos, já havia gravado profissionalmente com o flautista Altamiro Carrilho, tocando acordeon nas duas faixas de um 78 RPM.

Tropicalistas

Depois da bossa, passou pela geração tropicalista, tendo composições com Caetano Veloso, Gilberto Gil e dirigindo um álbum e um show de Gal Costa. E não parou aí: depois, foi a vez de gravar com Marisa Monte. E mais tarde, veio a nova MPB, com cantoras como Céu e Tulipa Ruiz, que agora estão na faixa dos 40 anos de idade. João morreu aos 88 anos, praticamente o dobro da idade dessas duas últimas.

A Bad Donato, de 1970
A Bad Donato, de 1970, é hoje um álbum cultuado Crédito: reprodução

O cantor, compositor e instrumentista estava internado com pneumonia na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, e foi intubado no dia 6 de julho. Um mês antes, já havia dado sinais da fragilidade de sua saúde, quando teve que cancelar uma apresentação que faria com Joyce Moreno em Los Angeles.

Mas há pouco menos de um ano, Donato parecia não sentir o peso da idade. Ou, se sentia, disfarçava muito bem. Estava animadíssimo com o lançamento de seu álbum Serotonina e cantava em quase todas as faixas. O disco tinha suas principais marcas, que eram a alegria e a leveza das canções. Antes de batizar o álbum, ele já havia dito ao jornal O Globo que uns amigos colombianos diziam que a música dele ajudava a produzir serotonina, hormônio que traz a sensação de bem-estar.

“A finalidade do meu trabalho é alegrar os corações, acalmar a raiva dos animais e fazer com que as pessoas pensem melhor. Vejo que tem uma turma mais nova ouvindo o que faço. Minha música tem atravessado os tempos com facilidade porque ela exalta uma lógica natural das coisas. Não são canções fabricadas, sabe?”, disse.

Na época do lançamento de Serotonina, em agosto do ano passado, conversou com o CORREIO. Exaltou a proximidade com compositores e músicos muito mais jovens que ele e que eram seus parceiros nas composições, como Rodrigo Amarante, Mauricio Pereira, Felipe Cordeiro e Ronaldo Evangelista.

“Toda nova amizade é muito boa, porque um mundo novo se apresenta. Cada um de nós é um mundo, né? Esses jovens fazem versos muito gostosos de cantar. Como acabou sobrando pra mim [a tarefa de cantar], tem que ter palavras fáceis. Se não, eu teria problemas em cantar versos com os quais tivesse dificuldade de pronunciar”, disse Donato. Já fazia 20 anos que ele não gravava sua voz: a última vez havia sido no disco Managarroba.

Prodígio

João Donato de Oliveira Neto nasceu em 17 de agosto de 1934 em Rio Branco, Acre. Aos cinco anos de idade, começou a tocar acordeon. Aos oito, já se arriscava como compositor. Aos 12, quando estava morando no Rio - por ocasião da transferência do pai, que era militar -, tomou coragem e resolver encarar Ary Barroso, num tradicional programa de calouros no rádio.

Gil e Donato compuseram A Paz
Gil e Donato compuseram A Paz Crédito: @heliorodriguesrj/Facebook João DOnato

Mas saiu de lá frustrado: Seu Ary não gostava de crianças que se apresentavam como adultos. Decepção para o menino que havia escolhido traje especial: paletó vincado, gravatinha e sapato de verniz. Voltou para casa sem se apresentar, mas não deu espaço para traumas. No Rio de Janeiro, tocou em boates e passou a ser chamado para gravar e fazer arranjos na Companhia Brasileira de Discos (CBD). Nos anos iniciais da bossa nova, costumava reunir-se com os amigos e parceiros Tom Jobim, João Gilberto e Johnny Alf.

Nos anos 1960, foi para os Estados Unidos, para conhecer de perto o jazz, gênero que sempre admirou. Lá, teve contato com as orquestras latinas que tocavam em Los Angeles e Nova York. Essa influência marcaria sua música e tudo o que passou a produzir em seguida.

Ainda nos EUA, Donato gravou um dos álbuns mais cultuados de sua carreira, A Bad Donato. Nesse trabalho, estão faixas como The Frog e Cadê Jodel, que acompanhariam a carreira de Donato. No álbum, veio à tona uma espécie de DNA da música verdadeiramente moderna feita por ele, mistura de bossa, jazz, música latina, funk americano e eletrônica, esta última por meio dos sintetizadores.

Voltou ao Brasil em 1973 e, a partir daí, passou a ser gravado por cantoras como Nana Caymmi e Gal Costa (A Rã, com letra de Caetano Veloso). No mesmo disco, Gal gravou Até Quem Sabe e Flor de Maracujá, de Donato e seu irmão, Lysias Ênio.

Outro parceiro constante na década de 1970 foi Gilberto Gil. Juntos, fizeram Lugar Comum, Bananeira e Emoriô. Emoriô, inclusive, é frequentemente redescoberta e remixada por DJs, principalmente na Europa. Com Gil, Donato compôs a canção A Paz, lançada por Zizi Possi em 1987.

A história da composição foi contada por Gil no disco Acústico MTV e Donato, em conversa com o CORREIO, contou sua versão: “Eu fui na casa de Gil [no Rio, cheguei lá às 14h, mais ou menos. Cheguei com a música e pedi para ele botar a letra”, lembra. Mas Gil tinha um compromisso e acreditava que, em menos de duas horas, com alguma pressa, não seria possível compor algo com a devida qualidade. “Eu insisti e pedi a ele pra fazer. Aí, sentei e fiquei esperando”, completou.

É aí que surge a divergência: “Gil diz que eu estava dormindo enquanto eu escrevia. Mas eu não estava”, garante Donato, em tom bem-humorado. Mas, o fato é que, em menos de duas horas, o baiano escreveu alguns dos versos mais poéticos de sua autoria, que resultou em uma de suas mais belas canções.