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Luiza Gonçalves
Publicado em 9 de janeiro de 2025 às 12:47
Em cena, quatro atores vestidos de preto, em cenário sóbrios, com maquiagens expressivas para um recital poético. Pouco a pouco, letras de canções populares, conhecidas demais pelos baianos, são recitadas e corporificadas. O espetáculo oscila entre o exagero e a introspecção, quebrando a seriedade do ambiente com as gargalhadas da plateia. Com uma fórmula de sucesso que provoca risos e reflexões no público soteropolitano há mais de três décadas, o grupo Los Catedrásticos retoma suas atividades hoje (9), com uma pré-estreia do espetáculo Macetando Apocalipse — uma reformulação do célebre recital que explora o cancioneiro popular baiano — às 20h, no Teatro Módulo, na Pituba. A peça estreia oficialmente no dia 16 de janeiro, com apresentações regulares que acontecerão todas às quintas e sextas-feiras, até 21 de fevereiro.
Tudo começou com o espetáculo Recital da Novíssima Poesia Baiana, nascido em 1989, em Salvador, juntamente com a criação do grupo de teatro Los Catedrásticos, formado pelos atores Cyria Coentro, Jackson Costa, Ricardo Bittencourt e Maria Menezes, sob a direção de Paulo Dourado. O espetáculo trazia uma interpretação satírica das músicas populares baianas da época, buscando provocar reflexões sobre a cultura e a indústria musical. Foi um sucesso imediato, rendendo quatro anos de bilheteria, uma nova temporada no final dos anos 1990 e a última reformulação em 2012, com o espetáculo Nova Mente Los Catedrásticos.
“De lá para cá, o identitarismo, o militantismo, os estereótipos, clichês, a distorção da agenda da contracultura, tudo isso virou uma parafernália e a música popular reflete isso. A música é um retrato do mundo, que é o que nós dizemos em Los Catedrásticos”, afirma o diretor Paulo Dourado sobre o retorno. Sob o nome de Macetando o Apocalipse, o novo espetáculo conserva parte do repertório original, homenageia os 40 anos da axé music e incorpora ritmos como pagode e funk, expandindo sua matriz para sucessos em nível nacional.
“Nessa nova aventura incluiremos artistas de todo o Brasil, gêneros musicais diferentes e uma coisa em comum: ‘o absurdo’ de letras cada vez mais surreais. Acho completo o novo espetáculo, democrático e com foco nas ‘pérolas’ que, vestidas por melodias incríveis, passam despercebidas. Só que não. Nós revelamos e nos esbaldamos, é nossa obrigação (risos). As pessoas vão se identificar”, pontua o ator e músico Zéu Britto, que integra a produção no lugar de Ricardo Bittencourt.
Música popular
Paulo Dourado também chama atenção para as letras populares na atualidade e certas tendências, como o conteúdo sexual cada vez mais explícito. Contudo, ele defende que o objetivo do espetáculo está longe de ser uma censura às letras: “As músicas populares só existem porque existe um mundo que consome elas, que gosta e que estimula. Fazemos uma espécie de caricatura, um espelho desses movimentos atuais, que têm grande carga cultural e importância. É por isso que nós estamos dialogando com eles. Não é porque a gente quer falar mal, esculhambar. A gente tá fazendo com que o público veja tudo isso de uma outra maneira, trazendo a polêmica do teatro, a atitude questionadora, debatedora e essa música para dentro desse contexto”.
Ele afirma ainda que, nas montagens do espetáculo, os próprios cantores e músicos gostam de dialogar com o grupo, fazendo com que o recital seja uma crítica “com bom humor e com afeto”.
Além da ânsia pelo debate contemporâneo, o espetáculo ocupa um lugar de carinho e realização na trajetória pessoal e profissional do diretor e também dos atores. A atriz Maria Menezes, presente desde a primeira montagem, destaca que, a cada encontro dos Los Catedrásticos, o elenco fortalece seus laços de amizade, admiração e criatividade artística. Ela também pontua a importância da retomada do produto artístico que é o Los Catedrásticos para a comunidade baiana.
“Tem um valor muito grande a reunião desses artistas de experiências tão diversas, nessa meta de revelar o que é que a Bahia tem, o que é que esse dia a dia aqui em Salvador tem. É uma troca importante com a comunidade. A arte tem essa função de polemizar, de questionar, de futucar. E a gente futuca nesse lugar que é tão nosso e não estamos nos colocando fora dele. A gente está no meio do povo, somos isso”, garante.
*Com orientação da editora Doris Miranda