Exposição na Caixa Cultural reúne 12 artistas indígenas de diversas regiões do país

Dentre os destaques está a baiana Glicéria Tupinambá, com o Manto Tupinambá, que foi atração na Bienal de Veneza deste ano

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 27 de maio de 2024 às 09:03

Obra Etnovisão de Edgar Kanaykõ Xakriaba
Obra Etnovisão de Edgar Kanaykõ Xakriaba Crédito: Edgar Kanaykõ Xakriaba

Uma reunião artística para comunicar ideias e emoções, sendo um exercício de escuta e troca entre povos indígenas e o território soteropolitano. Essas são algumas das premissas da exposição Nhe´ ẽ Se - Desejo de Fala, que reúne obras de 12 artistas indígenas e que chega nesta terça (28) à Caixa Cultural de Salvador. A abertura da mostra terá roda de conversa Diálogo é Cura, com as curadoras Sandra Benites e Vera Nunes, às 19h. Na quarta (29), estão programadas visita guiada, às 14h, e a roda de conversa Diálogo é Cura, das 14h30 às 15h30.

Nomeada a partir de uma expressão da língua guarani, a exposição foi inspirada pela tese de doutorado da pesquisadora e diretora de artes visuais da Funarte, Sandra Benites, indígena da etnia Guarani-Nhandeva, que se debruça sobre as relações femininas entre os guaranis. “O Nhe´ ẽ Se pode ser o espírito, uma fala, a voz, como se fosse a chuva do ser pessoa.Nhe´ ẽ Se se traduz em desejo de fala ou também pode ser traduzido como fofoca. A partir das pesquisas, direcionei um olhar mais específico como articulação das mulheres através do Nhe´ ẽ Se, desse desejo de fala, que quando colocado como fofoca vem com uma conotação negativa, mas eu não vejo por esse lado. É uma forma de se articular e se fortalecer na comunidade”, explica Sandra.

Pensando nisso e a convite da produtora Vera Nunes, a pesquisadora se tornou curadora da exposição, em 2023, para exaltar as origens, a força política e ancestral indígena, bem como a urgência na recuperação e preservação física e espiritual dos territórios. Na ocasião, ela se tornou a primeira curadora indígena no Brasil a integrar a equipe de um museu.

“Chegamos com mais uma narrativa que é a ativação da memória. A exposição continua sendo esse desejo de fala, mas nesta edição, buscamos acordar a memória de Salvador como um território indígena que anda de mãos dadas com a comunidade negra e com a comunidade branca, que tem na sua origem esse aquilombamento e essa história, mas que talvez esteja um pouco adormecida quando pensamos a relação indígena com a cidade, com o território”, pondera Vera.

Ilustração de Aua Mendes
Ilustração de Aua Mendes Crédito: Auá Mendes

Artistas da memória

“A maioria dos artistas expressa a memória através da obra, o seu desejo de falar se expressa na arte que está sendo produzida. Por isso, trouxemos artistas de regiões variadas, para garantir e entender os diferentes desejos, os locais de onde eles vêm. Cada um traz suas inquietações e expressões”, garante Sandra.

Nhe´ ẽ Se reúne 12 artistas que empregam múltiplos suportes e linguagens, criando uma imersão no universo indígena. Pinturas, fotografias, instalações, vídeos e textos, realizados com materiais encontrados nos próprios territórios de origem dos artistas e que suscitam reflexões sobre território, representação, espiritualidade e ativismo político. Compõem a exposição: Aislan Pankararu (PE), Ajú Paraguassu (BA), Arissana Pataxó (BA), Auá Mendes (AM), Davi Marworno (AP), Déba Tacana (PE), Edgar Kanaykõ Xakriaba (MG), Glicéria Tupinambá (BA), Paulo Desana (AM), Tamikuã Txihi (BA), Xadalu Tupã Jekupé (RS) e Yacunã Tuxá (BA).

Exposição Nhe´e Se na Caixa Cultural
Exposição Nhe´e Se na Caixa Cultural Crédito: Divulgação

A curadora Vera Nunes explica que a opção de ter mais artistas locais está na valorização do território baiano e também ligada ao conceito de acordar a memória: “A gente desperta para as nossas memórias afetivas tentando chegar na exposição e se encontrar um pouquinho naquelas histórias”. Uma das peças de destaque da exposição vem da baiana Glicéria Tupinambá: o Manto Tupinambá, exibido pela primeira vez em Salvador.

A obra é conhecida por recuperar as técnicas ancestrais de confecção dos mantos tupinambás, símbolos sagrados de poder utilizados em rituais por pajés, majés e caciques do povo, que foram roubados ao longo dos séculos de colonização. Glicéria é, atualmente, a única que domina o método de realização dos mantos e vestiu a peça na abertura do Pavilhão Brasileiro da atual edição da Bienal de Veneza, em abril deste ano.

“É muito importante realizar a exposição e trazer o indígena para ocupar esses espaços, dialogar com outros movimentos e criar conexões. É importante que a gente se escute, o desejo de fala também é concretizado desta maneira. Salvador é um lugar muito forte culturalmente e acredito que, com esse diálogo, fortalecemos ainda mais, principalmente, por trazer essas memórias”, finaliza Sandra.

SERVIÇO - Exposição Nhe´ ẽ SeI Abertura nesta terça (28), às 19h, na Caixa Cultural Salvador I Visitação de terça a domingo, das 9h às 17h30, até 4/8 I Entrada gratuita