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Roberto Midlej
Publicado em 14 de agosto de 2024 às 06:00
Não é necessário ser um conhecedor profundo de arquitetura para se impressionar com a casa onde viveu a designer e arquiteta Chu Ming Silveira (1941-1997), em São Paulo. Projetado no início dos anos 1970, o imóvel chama a atenção por suas características um tanto rústicas, como as paredes em concreto aparente. O uso abundante de vidro temperado e fumê também se destacam aos olhos de qualquer leigo.
Localizada no bairro do Real Parque, a casa é um dos espaços escolhidos neste ano para abrigar a terceira edição da exposição Aberto. O evento, que teve início em 2022, reúne obras de artes plásticas e design em imóveis que se destacam por suas características arquitetônicas. Há ainda outra particularidade: as casas que receberam todas as edições da exposição são residenciais. Portanto, não costumam ser abertas a visitação. Trata-se, então, de uma atração extra do evento, além das obras de arte expostas.
Neste ano, além da casa de Chu Ming, a Aberto está também no imóvel onde viveu a artista plástica de origem japonesa Tomie Ohtake (1913-2015). É uma chance rara de conhecer o local, construído em 1968. E o público pode também entrar no ateliê em que a artista trabalhava. Estão ali, intactos, os pinceis e tintas que ela usava para suas criações. Há até uma cor desenvolvida especialmente a pedido da pintora, com uma mensagem no rótulo: “Produção especial para Tomie Ohtake. Proibida a venda”.
As obras estão divididas entre as duas casas: a de Chu Ming recebe uma seleção de artistas que tiveram produção de destaque antes do início deste século. Ali, estão, por exemplo, trabalhos de Wanda Pimentel, Abraham Palatinik, Anna Maria Maiolino e Carmen Herrera. Na casa de Tomie Ohtake, estão criações de nomes contemporâneos, como Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Solange Pessoa, Luiz Zerbini, Laura Lima e Barrão.
Na primeira edição, a Aberto aconteceu no único imóvel residencial remanescente projetado por Oscar Niemeyer em São Paulo. No ano passado, a sede do evento foi uma casa projetada por Villanova Artigas, figura seminal da Escola Paulista de Arquitetura. Uma das curadoras da exposição, Kiki Mazzucchelli, explica a escolha desses imóveis: “Nós já havíamos explorado a escola carioca [representada por Niemeyer] e a paulista, do Artigas. Então, decidimos focar em duas figuras femininas. Tomie se tornou uma figura conhecida, mas Chu Ming faleceu cedo, aos 56 anos. Teria sido um grande nome da arquitetura brutalista”.
Orelhão
Nascida em Xangai, na China, Chu Ming chegou ao Brasil com a família ainda criança, aos nove anos. Formada em arquitetura, acabou migrando para o design e foi trabalhar numa companhia telefônica em São Paulo e ali desenhou um objeto que fez parte da cultura brasileira e marcou gerações: o orelhão, que se diferencia das cabines telefônicas tradicionais de outros países. Para Kiki, a designer merecia mais reconhecimento: “Ela demorou muito para ser reconhecida como a criadora do design do orelhão, porque ela trabalhava numa grande empresa, onde a figura do designer era anônima”.
Cerca de 70% das obras expostas na casa de Tomie Ohtake foram criadas a pedido da exposição e estão à venda. Os artistas foram convidados a conhecer a residência e lá projetaram suas obras. “Muitos lidam com a arquitetura da casa. Fábio Miguez, por exemplo, fez uma pintura que reflete os planos da arquitetura de Ruy [Ruy Ohtake, arquiteto, filho de Tomie, que projetou o imóvel]. Marcius Galan criou um díptico, na escala de umas das paredes da casa”, exemplifica Kiki.
Instagram: @aberto.art
*o repórter viajou a convite da exposição