ESG está cada vez mais presente nos eventos de música

Cenário baiano é impactado com iniciativas sustentáveis em festivais como FV, Afropunk e FIB

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 20 de outubro de 2024 às 05:00

ESG está cada vez mais presente nos eventos de música, impactando o cenário baiano em festivais como FV, Afropunk e FIB
ESG está cada vez mais presente nos eventos de música, impactando o cenário baiano em festivais como FV, Afropunk e FIB Crédito: Divulgação/Solar Coca-Cola.

O que resta da Cidade do Rock quando ela se apaga? A edição especial de 40 anos do Rock In Rio trouxe, mais uma vez, diversidade de vozes, ritmos e experiências para as cerca de 730 mil pessoas que prestigiaram o evento este ano. Contudo, um dos legados mais importantes construídos na história do festival, passa longe dos palcos: sua trajetória rumo à sustentabilidade, com a inclusão das práticas de ESG em todos os segmentos do antes, durante e depois dos shows, protagonizando uma discussão necessária no universo dos eventos culturais.

Há cerca de 18 anos, o festival é neutro em emissão de carbono, compensando suas emissões com projetos de reflorestamento e adaptação industrial de fábricas poluentes. A gestão de resíduos recicla cerca de 80% do volume produzido, evitando a emissão de 2,3 mil toneladas de carbono na atmosfera. Em 2013, o Rock in Rio recebeu a primeira certificação na América Latina da norma ISO 20121, criada pela International Organization for Standardization, que atesta a gestão sustentável de eventos mediante 15 critérios para garantir a sustentabilidade nos pilares ambiental, social e econômico.

Roberta Medina, vice-presidente do Rock in Rio, conta que o evento começou a prestar mais atenção às questões ambientais em 2006, quando começaram a controlar as emissões de carbono. “Isso passa por transporte público, pela gestão de resíduos - que é um dos nossos focos principais na pegada carbônica - pelos parceiros na realização do festival e em muitos outros agentes. Se não houver uma união de cadeia produtiva, não há solução possível”, acredita. E o evento segue com metas fixas em seu plano de sustentabilidade para 2030, como, por exemplo, zerar a porcentagem de resíduos em aterramento.

Este ano, o Rock in Rio funcionou como uma ponte para discutir os caminhos da união entre entretenimento e sustentabilidade. O painel Parcerias que Transformam: colaboração para uma Jornada ESG em Festivais, realizado pela Coca-Cola na Cidade do Rock, reuniu professores, marcas e líderes para pensar o ESG com foco no futuro da inovação e da sustentabilidade na indústria do entretenimento. Na ocasião, foi lançado o Guia Diretrizes ESG para Festivais de Música, de autoria coletiva da Rock World, Heineken, Braskem, Natura, Coca-Cola e PUC-Rio.

ESG em festivais

O documento foi desenvolvido para apoiar produtores e patrocinadores de festivais e organizadores de eventos na implementação de práticas ESG, a partir de diretrizes alinhadas aos pilares Meio Ambiente, Social e Governança e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS). Abrangendo questões como mudanças climáticas, energia, resiliência climática, água e resíduos, educação, direitos humanos, comunidades e diversidade, estratégia, fornecedores e patrocinadores, as orientações do Guia pretendem abarcar desde pequenos eventos até grandes programações calendarizadas no Brasil.

“É um guia open source, aberto para todos terem acesso ao que significa um evento sustentável, partindo da premissa de que se você tem mais ou menos um mapa de como fazer, isso já é um caminho enorme. E ele traz um ponto absolutamente central, que é unir a indústria para que haja um compromisso e uma declaração pública conjunta de grandes e pequenos promotores de eventos e de música, de que nós nos comprometemos a consumir e a contratar serviços e tecnologia de menor impacto ambiental”, apresentou Katielle Haffner, diretora de Sustentabilidade e Relações Corporativas da Coca-Cola Brasil e Cone Sul.

O evento contou ainda com uma masterclass do professor John E. Fernández, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que destacou um dos maiores desafios da sustentabilidade: frear o aquecimento global e minimizar os eventos climáticos extremos. Ele ressaltou a necessidade de reduzir as emissões de carbono provenientes da ação humana. “Precisamos de uma redução anual de 7% para evitar que a temperatura global atinja um aumento desastroso de 2ºC. Todos nós participamos de um experimento nos anos anteriores, quando boa parte da economia foi desacelerada e as pessoas foram restringidas”, afirmou o professor, referindo-se à pandemia da Covid-19, quando as emissões de carbono foram reduzidas em aproximadamente 5,4%. “Perguntem a si mesmos: como vamos alcançar essa redução de 7%? E ainda por cima voluntariamente?”, indagou.

Para o especialista em sustentabilidade, vivemos tempos que exigem ações drásticas nas esferas individual e coletiva, partindo de uma profunda mudança de mentalidade sobre o planeta e seu funcionamento. Nesse contexto, existem agentes estratégicos: indústria, academia e os artistas. “Munidos de boas bases científicas, são as pessoas mais influentes para nos fazerem mudar nossa mentalidade. Os artistas precisam fazer parte disso, e os festivais são um dos meios de contato com a audiência”, declarou.

 masterclass do professor John E. Fernández, do Massachusetts Institute of Technology (MIT)
masterclass do professor John E. Fernández, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Crédito: Divulgação/Gabriel Suares Coca Cola

Analisando os eventos, o professor salientou que iniciativas como reciclar copos plásticos, gerenciar resíduos e reduzir as emissões de carbono são importantes como um exemplo de pequenos modelos do que pode ser feito em sociedade de maneira mais ampla. “Os participantes de festivais de música podem ver que, se forem bem organizadas e financiadas, as pessoas interessadas em fazer essas mudanças podem ser bem-sucedidas. E, como modelo ou campo de teste para o sucesso em uma sociedade mais ampla, os festivais de música são extremamente importantes”, pontua. No entanto, ele ressalta que as mudanças que terão grandes efeitos envolvem tecnologia, comportamento humano e políticas relacionadas a tecnologias em larga escala.

“Como o hidrogênio verde, uma expansão massiva de sistemas de energia e, em termos de política, a maior mudança que poderíamos fazer seria aplicar um preço para as emissões de carbono, precificar as emissões que atualmente não têm custo. Não custa nada emitir carbono na atmosfera. Quando começarmos a precificar isso e a coletar receita, e depois usar essa receita para devolvê-la à população, de forma que as pessoas vejam isso como algo positivo, isso incentivará a inovação”, defende Fernandes.

Presente no evento, o diretor executivo da Ação da Cidadania Kiko Afonso segue a mesma linha de Fernandes, ao salientar a urgência no reposicionamento e nas ações das empresas no fomento de uma perspectiva cada vez mais abrangente quando se trata de ESG: “Não adianta a empresa achar que fazer uma coisa pequena vai afetar, porque a verdade é que as grandes empresas são as que mais impactam o meio ambiente. Então, uma coisa muito importante é o discurso também. Não é que elas estão contribuindo, elas estão fazendo sua obrigação e ainda não estão fazendo o suficiente, né? Se alguém gera um impacto de 100, tem que reduzir 100”, critica.

Kiko ressalta ainda a importância do comprometimento das empresas para além do local no exercício do ESG: “Esses incêndios que estão acontecendo na Amazônia, por exemplo, a gente procura o apoio das empresas e escuta ‘Infelizmente eu não atuo nessa região, não tenho como direcionar recurso ESG, porque não consigo lançar no meu relatório, precisa atender minha comunidade local’, só que a Amazônia afeta todo mundo, entendeu? É uma miopia desses modelos de avaliação de impacto ESG, que precisam ser atualizados para um olhar mais holístico de tudo que está acontecendo. Tudo está conectado”, conclui.

ESG está presente em festivais baianos

O direcionamento dos eventos culturais na busca por equilíbrio social, ambiental e econômico já atinge os principais eventos de música calendarizados em Salvador. Leide Laje, arquiteta urbanista e mestre em sustentabilidade pela USP, é uma das agentes nesse processo, incorporando soluções em ESG e sustentabilidade no Festival de Verão, Afropunk e também no Festival de Inverno Bahia, em Vitória da Conquista. “Eu parto da linha que o ESG e a sustentabilidade precisam estar em tudo. A cultura não pode ser diferente, é um setor que movimenta a economia e o existir de uma nação, é um patrimônio que a gente tem. Então não tem como dissociar as ações de sustentabilidade de ESG do entretenimento”, defende.

Para Leide, as iniciativas e os produtores de Salvador estão muito conectados com a sustentabilidade, entendendo sua importância, porém encontram dificuldades na parte orçamentária e na participação do público. “Precisamos de marcas que abracem isso, entendendo que a Bahia é um polo de cultura do país e as ações de sustentabilidade e ESG precisam vir casadas nas ativações. Trago também uma provocação para o público, de entender a importância e participarem das ações, de quando forem a algum evento que não tenha ações de gestão de resíduos, de redução de impacto, questionarem e cobrarem”, pontua. Na sua opinião, o ideal seria a criação de uma política de sustentabilidade para todos os festivais, com planos e metas para a conscientização de que qualquer atividade econômica não pode ser dissociada da sustentabilidade.

Uma das medidas mais desenvolvidas com foco em sustentabilidade nos eventos é a descarbonização, seja via compensação ou via mitigação das emissões. A meta é atingir a neutralidade, igualando emissão e compensação. Leide afirma que é possível mitigar de várias formas as emissões dentro de um festival, por exemplo, com uso de geradores com fontes mais limpas, reciclagem de até 90% dos resíduos e embalagens sustentáveis e biodegradáveis nos restaurantes.

A arquiteta cita o Festival de Verão, que em 2023, conseguiu neutralizar suas emissões de carbono através de mitigação e compensação, como o plantio de mil árvores no Parque da Cidade. Neste ano, o evento levou para o Parque de Exposições uma tenda de reciclagem, onde 60 catadores de uma cooperativa parceira realizaram a triagem dos resíduos coletados. A ação teve como objetivo valorizar o trabalho dos catadores e a importância da reciclagem que é o início do caminho dos resíduos.

Tenda Sustentavel FV 2024
Tenda Sustentavel FV 2024 Crédito: Divulgação/ Solar Coca Cola

A repórter viajou para o Rock in Rio a convite da Coca-Cola.

*Com o acompanhamento do editor Donaldson Gomes.