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Ronaldo Jacobina
Publicado em 18 de novembro de 2023 às 11:00
Foi em fevereiro de 1999, durante uma visita do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, à capital baiana, que o chef Claude Troisgros, à época responsável pelo cardápio do lendário Trapiche Adelaide, criou para o chefe de estado, a Codorna à FHC, um prato onde a ave se apresentava desossada e servida com recheio de farofa de cebola e passas e coberta com molho agridoce de uva. Ao lado do francês estava o cozinheiro baiano João Silva que acompanhou a criação do chef e preparava a iguaria que virou um clássico da casa com direito até a notinha maldosa na coluna de Joyce Pascowitch na Folha de São Paulo onde a jornalista dizia que FHC não estava em alta em sua família pelo fato da primeira-dama Ruth Cardoso ter preferido comer a carne seca com jerimum e macaxeira.
Passadas mais de duas décadas o chef baiano rodou o mundo e aterrissou há pouco mais de seis anos no Cuco Bistrô, um charmoso restaurante que fica no coração do Centro Histórico, do ladinho do Cruzeiro de São Francisco. E é no belo casarão repleto de obras de arte popular que João Silva revisita a famosa Codorna numa versão autoral, onde faz uma releitura do prato de Toisgros que ganha outro nome: Codorna recheada à moda do chef. No caso, a moda dele, João Silva. Na sua versão - para quem, como eu, conheceu a do Trapiche - o preparo muda, mas o sabor é tão maravilhoso quanto a de Claude. Na versão “Joãosilviana” a ave é desossada com ladear de bacon, recheada com farofa rica (centeio, cebola, manteiga, passas, ervas frescas,) servida com arroz de cogumelos orgânicos e molho de uva. Ou seja, se apresenta com sutis diferenças no preparo, mas mantém a essência e os ingredientes da do Trapiche.
Complicada e perfeitinha, como diz a música. A complicação diz respeito ao processo de desossar a ave. Reza a lenda que quando um chef quer punir um cozinheiro entrega as codornas pra ele desossar. “É um processo difícil e meticuloso, mas o resultado compensa”, diz João Silva, sorrindo e saindo pela tangente quando o pergunto se a história procede. Enfim, lenda ou verdade fato é que a codorna (no caso da do Cuco Bistrô, as codornas< porque o prato vem com duas. Genereso, como aliás, são todos os pratos da casa. Um grande diferencial, eu diria, nos dias de hoje, onde os pratos costumam se apresentar em miniaturas.
Mas justiça seja feita, dedicar quatro parágrafos desta narrativa à codorna é desmerecer o restante do cardápio, diversificado e recheado de criações maravilhosas. Tanto as autorais quanto as releituras de clássicos que compõem o menu do restaurante que o proprietário José Iglesias define como “regional com releitura contemporânea”. E ele tá certo. Tudo lá é feito com muito esmero. Também pudera, o chef tem um currículo impecável e o proprietário, de origem espanhola, traz a gastronomia no seu DNA. “Meu pai tinha um bar e restaurante aqui mesmo no Centro Histórico, então a cozinha sempre me foi muito familiar”, diz Iglesias.
Nesta linha regional vale começar com o furdunço. Uma tábua para compartilhar composta de bolinho de peixe, dadinho de tapioca e pastel do dia (cada dia tem um recheio diferente), e o camarão crocante que, verdade seja dita, eu viveria apenas dele. Empanado e frito, no tempo certinho que resulta numa crocância perfeita. Se você quiser continuar nessa pegada regional, bom dar uma passadinha na cacharia da casa que reúne mais de rótulos da branquinha das mais diversas procedências e algumas preciosidades. Depois é pedir o Arroz Baía de Todos-os-santos que o chef criou para homenagear a Independência da Bahia, cujo cortejo do 2 de Julho passa lá pertinho. O prato, que virou um clássico da casa, é preparado com lagosta, polvo, camarão e outros mariscos. Dos deuses!
Estas são apenas algumas sugestões que podem acabar na Marquise de Tapioca, uma sobremesa divina que é uma releitura do bolinho de estudante, com bastante canela e sorvete de coco verde com calda de gengibre e doce de leite. Mas aconselho a explorar o cardápio da casa que tem tanta coisa boa que a gente acaba querendo voltar já no dia seguinte. E tudo isso nosso belíssimo Centro Histório!
Serviço:
@cucobistrooficial
Largo do Cruzeiro de São Francisco, nº 6, Centro Histórico.
Funcionamento:
Segunda a sábado das 11h às 22h/ Domingo de 11h às 18h
Reservas: 71 3321 8722