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Nilson Marinho
Publicado em 18 de novembro de 2024 às 06:00
A vida de Jailton Barbosa não podia ser diferente. Nascido em uma casa de músicos, músico se tornaria pelo próprio dom e pela influência do pai, que tocava sanfona, mas também pela dedicação da mãe para fazer com que o filho, ainda pequeno, reproduzisse as notas em instrumentos musicais enquanto ela entoava cânticos.
Imerso nesse universo, o garoto cresceu, criou senso de liderança e convocou os irmãos para dar início a uma banda. O grupo musical surgiu, a princípio, para animar comícios durante campanhas políticas em São Francisco do Conde, na Região Metropolitana de Salvador, onde Jailton nasceu, mas logo se tornou uma banda de axé.
Em 1986, quando o grupo musical foi fundado, no começo com o nome de Pérola Negra, depois Califórnia e, por último e de forma definitiva, Asas Livres, o gênero musical baiano ganhava corpo, com grupos e artistas solo começando a ganhar holofotes e a chegar aos topos das paradas nas rádios.
O jovem de São Francisco do Conde acreditava que competir com outros músicos, como Luiz Caldas, Banda Reflexus e Sarajane, mesmo tendo talento, era arriscar-se a ser engolido por um mercado fonográfico que se agigantava e que tinha suas preferências.
Em busca da batida
Jailton, que assumia os vocais da banda familiar, também sonhava em alcançar o topo, mas, diante da concorrência, decidiu migrar para outro gênero musical. Àquela altura, o axé, segundo ele, causava grande excitação no público, que passava do tom de brincadeira para a violência, sobretudo no Carnaval.
“Carnaval, você sabe como é: muita agitação, aquele negócio todo, com brigas e tudo mais. Eu disse: ‘Bom, se o axé está assim, então a melhor opção é conquistar o público pelo coração’. Foi aí que tive a ideia de ir pelo romantismo”, conta ele. O grupo musical se desfez, cada irmão seguiu seu caminho, mas Jailton continuou, agora na seresta. Nesse gênero, ele não tinha grandes concorrentes, o que era uma oportunidade de se destacar.
Além disso, o romantismo começava a conquistar as noites das cidades da RMS, onde corpos se encontravam num vai e vem cadenciado e melódico, embalados pelas letras românticas e batidas suaves da seresta, que seguiam noite adentro em bares e espaços públicos.
O jovem cantor, para suprir o desfalque dos irmãos, chamou outros músicos para se juntarem a ele, mas a estrutura lhe custava muito. Logo, os novos integrantes foram dispensados, e o palco passou a ser ocupado apenas por ele, um outro vocalista, o Lauro Brasil, já falecido, e um teclado, que lhe permitia programar ritmos diferentes.
Ao observar os entre-coxas delirantes dos casais durante seus shows, Jailton viu naquele balanço uma sonoridade e transformou aquilo em notas musicais. Se a seresta era marcada por um ritmo mais suave, sua criação era algo mais marcado e dançante.
“Em São Francisco do Conde, a galera dançava bem agarrada, tinha uma sensualidade ali, um gingado. Aproveitei e comecei a criar um ritmo, eu mesmo em casa, dançando”, conta.
Já morando em Candeias, também na RMS, e tocando no Mercado Cultural da cidade, se revezando entre o vocal e o teclado, o cantor decidiu testar se sua criação, ainda sem nome, e e ver se causaria impacto no público, Ele pediu que um amigo reparasse na reação das pessoas ao lançar a mudança das batidas.
“Eu disse a ele: ‘Olha, eu criei um ritmo, mas não sei se vai dar certo. Já que você está aqui comigo, será a prova viva de que estou criando isso. Observe qual vai ser a reação do pessoal na dança’”, lembra.
Jailton começava sua apresentação com a seresta, mas, durante o show, mudava para as novas batidas. A análise do amigo foi de que o público continuava dançando no mesmo ritmo. Não havia impacto algum.
“Então cheguei à conclusão de que tinha que impactar de alguma forma. Fui para casa e voltei a mexer nos ritmos; precisava chegar a um denominador”, lembra. Com os novos ajustes rítmicos feitos, o artista decidiu montar o Gatinhas Livres, um grupo composto por mulheres que ensinavam passos de dança ao público. “As pessoas imitavam os passos, aprendiam, e eu comecei a acreditar que aquilo pegaria”, diz.
Aos poucos, a performance foi caindo no gosto de quem assistia aos shows do Asas Livres e o das Gatinhas Livres. O novo ritmo foi batizado de arrocha, mas a virada de chave veio com a gravação de um disco no final de 2000. Nele, estão canções que se tornaram clássicos da música baiana, como as melódicas e marcantes Tudo Azul e Doce Tentação, cantadas a partir daí por um rapaz franzino que atendia por Agenor Apolinário dos Santos Neto, que assumiu o vocal do grupo.
pablo
Agenor Neto é o Pablo do Arrocha. De voz aguda e aveludada, ele foi responsável por interpretar as canções escritas por Jailton. A chegada de Pablo na vida do criador do Asas Livres aconteceu de forma inesperada. Durante um evento em que Jailton se apresentava antes de duas grandes atrações, um imprevisto aconteceu: devido ao atraso de uma delas, ele precisou estender o show, mas o seu vocalista se recusou a continuar.
Em meio ao imprevisto, o integrante anunciou a saída da banda. Naquele mesmo dia, um amigo do artista, que era empresário, o havia apresentado a Agenor Neto, então com 14 anos. “Ele chegou com uma criança e disse: 'Vou embora para o Rio de Janeiro e estou com esse menino aqui, que canta muito. Eu trouxe ele até você porque sei que não o deixará sozinho. Ele tem um talento muito grande.’ Eu só concordei”, relembra.
Sem o vocalista para dar continuidade à apresentação, Jailton foi até o camarim e puxou Agenor Neto pelo braço, o levando até o palco. Juntos, mesmo sem nenhum ensaio, os dois continuaram a apresentação. O garoto cantou músicas de Zezé Di Camargo e Luciano e ganhou a aprovação do público. O Asas Livres deixou o palco sob aplausos.
O encontro dos dois em meio à confusão parece não ter sido por acaso. A dupla firmou parceria e chegou às paradas de sucesso, sobretudo após o lançamento do primeiro álbum. “Eram shows de segunda a segunda, chegava até 20 apresentações. Inventavam festas só para a gente tocar”, conta.
Pablo deixou o Asas Livres em 2004 para seguir carreira solo. Foi ele o principal responsável por consolidar ainda mais o gênero em todo o Brasil. Se Jailton é o criador do arrocha, a Pablo foi atribuído o título de “Rei”. O grupo seguiu e até hoje permanece realizando apresentações. Os tempos, no entanto, são outros e a agenda não é tão cheia como antes. Jailton promete mudanças: no ano que vem, por exemplo, além de cantor será produtor musical. “Continuarei me dedicando à música, 100% a ela”, finaliza.