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Gabriela Cruz
Publicado em 22 de fevereiro de 2025 às 17:02
“O primeiro livro que comecei a ler foi A Vegetariana, da escritora sul-coreana Han Kang, para conhecer uma obra traduzida do coreano, que eu nunca tinha lido – e me apaixonei. A Vegetariana foi um divisor de águas na minha vida. A partir daí, fui descobrindo mais e me encantando ainda mais por essa literatura.” O relato é de Luara França, que há 12 anos trabalha no mercado editorial, é formada em História e completou mestrado em Teoria da História e da Literatura. Ela também traduziu do inglês para o português o livro Beyond the Story, que conta a trajetória dos 10 primeiros anos do grupo BTS.>
Luara faz parte de um público responsável pelo crescimento do interesse e da leitura de autores e autoras sul-coreanos no Brasil. E ela não se contentou em ler solitariamente, mas desde 2021, quando em paralelo aumentava a audiência dos doramas nos streamings, fundou o Clube da Literatura Coreana. >
“Eu estava muito interessada em literatura coreana desde 2018; estava lendo bastante e queria dividir com as pessoas, por isso criei o clube. No início, era 100% online e deu muito certo. Muita gente queria conversar e começamos a descobrir várias coisas juntos. Há um grupo que participa desde o princípio”, conta.>
Quem quiser participar pode acessar o site e entrar no grupo do WhatsApp, onde são organizadas as discussões e compartilhados os links das videochamadas. Para quem está em São Paulo, há encontros presenciais no Centro Cultural Coreano, na Avenida Paulista – que, aliás, tem uma biblioteca que merece ser visitada. Em 2024, o projeto recebeu apoio do LTI Coreia, órgão do governo responsável por incentivar traduções literárias, e passou a ter edições presenciais em cinco cidades brasileiras: já aconteceu no Rio de Janeiro e ainda chegará a Porto Alegre, Brasília, Recife e Manaus.>
Para quem quer se aprofundar na literatura da Coreia do Sul, Luara sugere explorar diferentes gêneros: >
Luara França,
mestra em Teoria da História e da LiteraturaViviane Duarte, 46 anos, integra o Clube da Literatura Coreana, mas seu interesse pelo segmento começou em 2020. Inclusive, foram os livros que a levaram aos doramas. “Um dia resolvi pesquisar ‘book’ na Netflix e me deparei com Romance Is a Bonus Book. Foi paixão à primeira vista. Esse K-drama, que retrata o dia a dia em uma editora, só intensificou meu amor pelos livros”, conta.>
No início, ela não tinha com quem conversar sobre o que lia e acompanhava YouTubers que resenhavam leituras e lançamentos. Hoje, gosta de trocar ideias com outras pessoas e ampliar a percepção sobre cada obra. Uma das suas maiores descobertas foi Grama, um manhwa (quadrinho coreano) da escritora sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim, publicado no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim. Ficou tão encantada que começou a acompanhar todos os lançamentos da autora no país.>
Viviane Duarte,
ao assistir aos K-dramas Porque Esta é Minha Primeira Vida e Encounter, também passou a se interessar por poesia coreanaNo Clube da Literatura, ela conheceu o gênero chamado literatura de cura, que hoje tem grande popularidade entre os leitores, e também chegou à literatura coreana infantil, que considera uma obra-prima. “Entrar para o grupo e me deparar com várias pessoas que têm uma paixão em comum foi maravilhoso”, frisa. >
Para os leitores iniciantes, ela sugere que busquem livros de acordo com seus gêneros preferidos, Sua sugestão como porta de entrada é Kim Jiyoung, Nascida em 1982, de Cho Nam-Joo, que já foi adaptado para o cinema.>
Bruna Giglio e Denise Nobre se conheceram na Coreia do Sul, durante um intercâmbio na Hallym University em 2022, por meio de uma parceria com a Universidade de São Paulo (USP), onde ambas estudaram. A experiência, aliada à graduação em Letras Coreano-Português e ao interesse pela literatura, motivou as duas a criar o SarangBang Podcast, voltado para o tema.>
O formato começou a ser estruturado em 2023, depois que leram o webtoon My Little Bookstore, sobre abrir uma livraria, e passaram a acompanhar o Gyopocast, sobre a comunidade coreana no Brasil, dirigido por Alex Yoo. “O primeiro episódio foi ao ar alguns meses depois, em 9 de agosto de 2023. Queremos difundir a literatura coreana entre os leitores brasileiros e mostrar como essas obras são belíssimas, instigantes e atraentes para o público daqui”, comenta Bruna.>
A dupla de fundadoras e hosts tem o intuito, ainda, de fazer o podcast se tornar uma ponte que aproxima o leitor de todas as nuances presentes nas narrativas dos livros coreanos, que são cada vez mais publicados em português. >
Hoje, o SarangBang atinge um público de 20 a 45 anos, mas há diferenças dependendo da plataforma: no Spotify, 90% dos ouvintes são mulheres; no YouTube, 60% da audiência é masculina, na faixa dos 20 a 35 anos. Embora a maioria esteja no Brasil, os episódios são ouvidos em mais 23 países.>
Denise Nobre,
criadora do SarangBang PodcastO podcast pode ser acompanhado no Spotify, no YouTube e no Instagram @sarangbangbr, onde são compartilhados trechos dos episódios e conteúdos extras.>
Em tempos de vídeos cada vez mais rápidos e curtos, ganhar engajamento nas redes sociais, falando sobre literatura é um desafio, mas no caso em questão, os resultados demonstram que Bruna e Denise tiveram uma ideia assertiva, criaram uma comunidade em torno do seu tema e hoje recebem reconhecimento por parte do público e de parceiros. Além de produzirem bate-papos sobre literatura, em livrarias de São Paulo e no Rio de Janeiro, elas também são convidadas para eventos e mesas importantes. >
Mesmo com o crescente interesse do público pela leitura coreana, este alcance ainda tem potencial para aumentar muito. Vale lembrar que o hábito da leitura no Brasil não é constante e muitas pessoas são mais atraídas pelo audiovisual, prova disso é sucesso e audiência dos K-dramas. >
“Leitores brasileiros enfrentam dificuldades para lidar com barreiras culturais – as quais estão, às vezes, mais aprofundadas em livros. Além disso, o próprio mercado editorial encontra desafios para trazer essas obras para o país, já que a literatura coreana pertence a uma minoria linguística e há uma escassez de tradutores qualificados”, comentam.>
A escritora baiana Stefanie Cabanelas encontrou na literatura uma forma de traduzir sua paixão pela cultura coreana. Seu livro Dia de Primavera não é apenas uma história de amor, mas uma experiência imersiva que transporta o leitor para o universo dos doramas, com direito a ilustrações, trilha sonora personalizada e referências cuidadosas à cultura da Coreia do Sul.>
A trama acompanha Ester, uma jovem brasileira que embarca em um intercâmbio na Coreia e constrói uma forte amizade com Park Jae-son, um trainee de K-pop. O vínculo intenso entre os dois é interrompido por um evento inesperado, e a história se desenrola ao longo de seis anos, deixando a pergunta no ar: eles voltarão a se encontrar? >
O título do livro é uma homenagem direta à música Spring Day, do BTS, banda que inspirou a autora a mergulhar no universo coreano. “Essa música fala sobre saudade, que pode ser de uma pessoa, de um lugar, de uma lembrança… E casava perfeitamente com a história da Ester e do Jae-son”, explica Stefanie.>
O processo criativo do livro começou de forma despretensiosa, com uma conversa entre a autora e sua irmã. “Foi um domingo, eu estava entediada e perguntei: ‘imagine se eu tivesse feito intercâmbio na Coreia lá em 2013 e conhecesse o J-Hope (cantor do BTS) antes dele ser famoso?’ Criamos um enredo e me apaixonei tanto pela história que senti que outras pessoas precisavam conhecê-la”, conta. >
Em uma semana, ela escreveu o rascunho, e um ano depois, finalizou o livro. A inspiração nos doramas também está presente na trilha sonora: a autora montou uma playlist exclusiva no Spotify, com músicas instrumentais de séries coreanas, como 2521, que influenciaram a escrita. “Eu queria que os leitores tivessem a mesma experiência imersiva que eu tive”, revela.>
Dia de Primavera apresenta a cultura coreana sob a perspectiva de uma estrangeira apaixonada por esse universo. Ela acredita que romances interraciais, como o de Ester e Jae-son, deveriam ser mais populares, pois refletem a realidade de um mundo globalizado.>
Stefanie Cabanelas,
escritoraA experiência de morar na Coreia, entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, trouxe ainda mais profundidade à sua escrita. “Foi a realização de um sonho. Eu visitei vários lugares e conheci ainda mais sobre a cultura que já admirava há anos”, conta. Durante a viagem, ela visitou a icônica estação de trem onde Spring Day foi gravada, um momento emocionante que marcou sua trajetória como escritora.>
Dia de Primavera é o primeiro livro publicado de Stefanie, mas não o único que os leitores podem esperar. A escritora já está preparando sua próxima obra, que expandirá o universo da história, desta vez focando em Ho-yoon, o caçula do grupo Windrose, que aparece no primeiro livro. “Está tudo bem encaminhado para o lançamento este ano”, adianta. A obra pode ser adquirida no site diadeprimavera.com por R$ 52,25 ou na versão e-book na Amazon por R$ 19,90.>
A literatura sul-coreana tem ganhado cada vez mais destaque internacional, e três livros exemplificam bem essa força narrativa. Kim Jiyoung, Nascida em 1982, de Cho Nam-Joo, é um retrato contundente da desigualdade de gênero na Coreia do Sul. >
A história acompanha Kim Jiyoung, uma mulher comum que, após o nascimento da filha, começa a manifestar comportamentos estranhos, assumindo personalidades de outras mulheres. >
A obra, que gerou amplo debate sobre o machismo estrutural no país, foi adaptada para o cinema e se tornou um símbolo do feminismo contemporâneo sul-coreano.>
Outro best-seller que conquistou leitores pelo mundo é Amêndoas, de Won-pyung Sohn. O romance conta a história de Yunjae, um adolescente com alexitimia, condição que o impede de identificar e expressar emoções. >
Após uma tragédia familiar, ele precisa encontrar maneiras de se conectar com o mundo ao seu redor. Aclamado pela crítica, o livro venceu os prêmios Changbi de Ficção para Jovens Adultos e Jeju 4.3 Peace Literary. Ganhou ainda mais notoriedade após membros do BTS, RM e Suga, serem vistos lendo-o no reality show In the Soop.>
Por fim, Pachinko, de Min Jin Lee, é um épico familiar que acompanha quatro gerações de uma família coreana vivendo no Japão. A história começa no início do século XX e aborda questões como identidade, discriminação e luta pela sobrevivência. O livro se tornou um fenômeno global e foi adaptado para uma série da Apple TV+, que já está em sua segunda temporada, estrelada por Lee Min-ho no papel de Koh Hansu.>
• A Vegetariana, de Han Kang>
• Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong, de Hwang Bo-Reum>
• A Inconveniente Loja de Conveniência (volumes 1 e 2), de Kim Ho-Yeon>
• Como Tigres na Neve (romance histórico)>
• Grama (graphic novel)>
• Atos Humanos, de Han Kang>
• Noite e Dia Desconhecidos, de Bae Suah>
• O Livro Branco, de Han Kang>
• Céu, Vento, Estrelas e Poesia, de Yun Dong-ju>
• A História de Hong Gildong (um clássico da literatura coreana)>
Nos quadrinhos (manhwas):>
• Más Companhias>
• A Espera>
• Navillera>
• Jun>
• Aigo Livros (@aigolivros) – Uma livraria coreana no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. O local é aconchegante e conta com uma grande variedade de títulos.>
• Sebo Hanbook (@sebo_hanbook / @heypopster) – Loja online na Shopee especializada em literatura coreana criada por Stephanie Kim, em coreano 김은애 (kim eun-ae), influenciadora digital especializada na cultura sul-coreana.>