Busca pela identidade nacional: musical Viva o Povo Brasileiro traz clássico de João Ubaldo Ribeiro a Salvador

Peça é dirigido por André Paes Leme e e conta com 30 músicas originais de Chico César, com direção musical de João Milet Meirelles.

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 28 de junho de 2024 às 09:20

Musical Viva o Povo Brasileiro estreia hoje em Salvador
Musical Viva o Povo Brasileiro estreia hoje em Salvador Crédito: Annelize Tozetto

Viva o Povo Brasileiro é um encontro com a identidade nacional e as bases da nossa história. O romance de 1984, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), impacta até hoje por sua reflexão de quem são os brasileiros e quais as vozes que compõem essa trajetória fortemente marcada pelas mazelas sociais herdadas do sistema colonial e pela pluralidade cultural que muitas vezes é negada. O livro de Ubaldo percorre 400 anos de história numa trama centrada em Itaparica, terra natal do escritor, e fala de uma alma que quer ser brasileira encarnada em diferentes personagens ao longo da narrativa.

Inspirado no livro que há 40 anos é referência da literatura nacional, o musical Viva o Povo Brasileiro estreia hoje em Salvador, no Teatro Sesc Casa do Comércio, com apresentações também no sábado e domingo, com ingressos esgotados. A peça é dirigida por André Paes Leme e conta com 30 músicas originais compostas por Chico César, com direção musical e trilha original de João Milet Meirelles.

Na sua trajetória como diretor, uma das coisas que fascina André Paes Leme é a transposição da narrativa literária para o teatro. Ele já trabalhou em projetos como Engraçadinha, de Nelson Rodrigues (2001), A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa (2007), e A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa (2020). Desde 2010, o autor vem estudando a obra de João Ubaldo e viu em Viva o Povo Brasileiro um objeto de interesse, principalmente pelo seu contexto histórico. “Eu pensava: se eu fizesse teatro com esse livro, sei que seria um voo muito desafiante, mas vou alimentar esse desejo”, refletia o diretor época.

“Meu objetivo é sempre valorizar a obra, tentando trazer o máximo de fidelidade ao texto original, mas entendendo que no teatro você também tem que abrir mão e equilibrar o literário e o cênico. Então eu busquei criar uma linha narrativa, onde eu pudesse ter a essência dessa história, enfatizando as relações com a ancestralidade, com os povos originários e com o surgimento da personagem Maria da Fé, que é a grande heroína do livro”, pontua Paes Leme.

Desapego

Condensar as 700 páginas do romance em apenas duas horas de espetáculo é um desafio: “Um exercício de desapego", afirma Paes Leme. Há ainda a missão de manter a crítica e a reflexão que Ubaldo faz sobre quem somos: “Esse projeto não poderia jamais ter outro foco. Tocar nessa questão de nos identificarmos e lançarmos ao palco a força e a importância de uma brasilidade que foi isolada e muito reprimida na nossa história”, diz. Ansioso pela estreia em Salvador, ele declara: “Quero entregar o melhor espetáculo para o povo baiano. A Bahia que escreveu esse texto”.

A expectativa para a chegada do espetáculo na Bahia também é partilhada pelo ator de Itabuna e residente em Salvador, Jackson Costa: “É como se me resgatasse também enquanto ator na minha origem”, pontua. Para Jackson, uma das características marcantes na montagem de Viva o Povo Brasileiro é o foco no desenvolvimento do ator e na condução narrativa do espetáculo com o grupo em cena, que interpreta diversos personagens.

“Gosto de fazer um teatro muito calçado assim na minha cultura, no teatro popular e que tem uma reivindicação social trabalhada na palavra poética enquanto discurso. E eu vejo muito isso na obra de João Ubaldo Ribeiro. Ele traz essa irreverência e autocrítica maravilhosa, de se colocar dentro dessa crítica social”, defende Jackson.

Musicalidade

“Esse tripé literatura, teatro e música é muito forte. Preenche a totalidade da cena. Ela dá mais atmosfera, para a narrativa e quebra uma certa frieza que às vezes pode estar presente na literatura”, afirma André Paes Leme.

Para dirigir as sonoridades de Viva o Povo Brasileiro, João Milet Meirelles desenvolveu a musicalidade do espetáculo e conduziu atores e músicos na execução das canções. “A direção musical veio para pensar uma musicalidade que abrangesse todo o Brasil e desenvolver ainda mais esse universo da obra e da direção do André. Na hora de pensar essa trilha sonora, o foco foi na contemporaneidade, se relacionando com o histórico e o ancestral em conjunto com o Chico (César) e também com os atores”, explica Meirelles.

Um trabalho que durou quatro meses de ensaios intensos e de grande responsabilidade, declara João Milet Meirelles: “A preparação foi uma benção porque todo mundo era tão bom! Quase todos os atores têm uma formação muito sólida, seja no canto ou nos instrumentos, isso facilitou muito o processo. Mas o maior desafio sem dúvidas estava em compor e criar para uma obra que tem esse peso histórico, não só no conteúdo do romance, mas também pela sua relevância na literatura”.