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Roberto Midlej
Publicado em 15 de dezembro de 2024 às 18:06
Em 1964, os EUA estavam em luto pelo assassinato do presidente John F. Kennedy (1917-1963) em novembro do ano anterior. Mas a chegada de quatro jovens rapazes ingleses ao território americano deu um certo alento àquele povo. “Talvez a América precisasse de algo como os Beatles para tirá-la do luto e dizer: a vida continua”. A tese é de Paul McCartney, em depoimento ao documentário Beatles ‘64, que chegou ao Disney+ há poucos dias. A frase pode soar pretensiosa, mas é pouco quando lembramos que outro beatle, John Lennon (1940-1980), soltou a pérola “somos mais populares que Jesus”.
Mas assistindo ao documentário, nos perguntamos: é mesmo exagero de Paul afirmar que a banda ajudou a América a superar o luto? O filme mostra a primeira visita de John, Paul, Ringo e George aos EUA, quando fizeram a histórica participação no programa de Ed Sullivan, encararam uma maratona de entrevistas à mídia local e realizaram apresentações em cidades como Nova York e Washington DC.
São imagens raras dos bastidores da turnê, mostrando como os quatro músicos reagiram à euforia que tomou conta do país que visitavam. Mas não se trata de uma mera colagem de arquivo, porque, além do material antigo, há novos depoimentos de Paul e Ringo - os integrantes vivos da banda - e de artistas americanos que falam sobre o impacto que a chegada da beatlemania causou no país.
Um registro breve, mas muito curioso, é do cineasta David Lynch, que tinha 18 anos em 1964 e estava no primeiro show da banda em território americano, em Washington. “As garotas tremendo, chorando, gritando de coração aberto. Música é uma das coisas mais fantásticas, quase como o fogo, a água e o ar”.
Mas os melhores depoimentos são mesmo de fãs da época, que agora têm em torno de 80 anos. Quase todos choram ao se lembrar da importância dos Beatles para suas vidas. Jamie, uma dessas fãs, lembra com detalhes da noite em que os assistiu no Ed Sullivan. Insistiu com os pais para levar a TV para a sala de jantar, porque não podia perder por nada aquele momento. Nem ela, nem outros 70 milhões de americanos que pararam em frente à TV para assistir àquele que se tornaria o maior fenômeno da história da música pop até hoje. Um terço do país estava hipnotizado ao ouvir She Loves You e I Wanna Hold Your Hand.
No doc, há cenas que mostram a histeria do público na época. E quem as via na época seguramente apostava que a paixão pela banda seria uma coisa passageira, como aconteceu com muitas outras. Quem ainda ouve Menudo, Backstreet Boys ou Nsync, com exceção de meia dúzia de saudosistas? Mas a mobilização que a música dos quatro rapazes ainda causa hoje é impressionante. Paul, que, para a felicidade dos fãs brasileiros, se tornou assíduo frequentador do país, se apresentou em estádios de São Paulo e Florianópolis neste ano e os ingressos se esgotaram para os três shows.
Como explicar essa paixão por canções compostas há mais de 50 anos? Por que não é assim com outros artistas? Ninguém jamais será capaz de explicar isso. Mas David Lynch dá uma pista: “Um certo tipo de música pode encher o coração até quase estourar. Lágrimas de felicidade escorrem de seus olhos. Você não acredita na beleza que vem delas. E ela vem dessas notas”.
Se você ainda não entendeu o que Lynch quis dizer, corra para ouvir In My Life, que os Beatles lançaram em 1965. Se você não se emocionar com isso, só pode ter uma pedra no lugar do coração.