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Victor Villarpando
Publicado em 27 de março de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Foram 20 anos escrevendo a última página da revista Caras, que vinha com tudo sobre um ingrediente e receitas. Longe de socialites e atrizes, a nutricionista Neide Rigo, 57, continua muito bem acompanhada. Na subversiva vida de pesquisadora de Plantas Alimentícias Não-Convencionais (Pancs), fez amigas famosas, como a masterchef Paola Carosella e a apresentadora Bela Gil. As duas são parceiras de trabalho e admiradoras de Neide. Ela assina uma coluna no Estadão, tem mais de 77 mil seguidores no Instagram (@neiderigo), faz oficinas de reconhecimento de plantas comestíveis nas ruas de São Paulo e de produção de pães com fermentação natural, ajuda a incrementar o trabalho de merendeiras de escolas públicas pelo país e dá aulas de culinária para pessoas trans e de populações em situação de vulnerabilidade social. Com voz mansa, ela faz críticas fortes à indústria alimentícia. Confira nossa conversa com a paulistana para quem, fora da cozinha, não há salvação.
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CORREIO: Como é seu trabalho?
Resposta: Já trabalhei em consultório e hospital. Em 2006, trabalhava para a Caras. Queria falar sobre ingredientes não-convencionais, que não cabiam na revista. Daí nasceu o blog e depois veio o Instagram, que é mais instantâneo: coloco o que faço na hora. Hoje escrevo, faço curadoria, consultoria, dou aula... Tudo com comida.
Por que fazer comida?
Dá autonomia, dá escolha, permite viver mais livre da indústria alimentícia. Você escolhe ingredientes, sabores... No caso do pão, por exemplo, a fermentação natural retoma essa conexão com o trabalho manual, com aprender a esperar. Ele tem o tempo dele, não é uma coisa imediata.Por que as Pancs não são conhecidas pela população?
No mercado tem o que se molda ao que o mercado quer. O que tá lá foi selecionado e trabalhado em tamanho, produtividade, homogeneização do sabor... E as Pancs não têm isso, não têm comportamento padronizado. Algumas são mais amargas, brotam em qualquer lugar, têm maturação irregular...
Como foi o trabalho com as merendeiras da Bahia?
Fui a Euclides da Cunha, Uauá, Curaçá e Sobradinho, contratada pela Coopercuc (Cooperativa de Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá) para mostrar técnicas de preparo de produtos de agricultura familiar na merenda escolar. Os produtos chegavam à escola e não tinham o aproveitamento devido. Davam geleia de umbu para comer de colher. A gente ensinou a fazer molho para salada, bolo, etc. Ano passado foi com as merendeiras de Gandu: treinamento de cozinha profissional, sempre com ingredientes locais.
Neide Rigo na cidade de Uauá, no Norte da Bahia (Foto: Acervo Pessoal)E em Salvador?
Foi com o projeto Cozinha e Voz, em que eu e a Paola fizemos um treinamento de auxiliar de cozinha com jovens da comunidade do Calabar. Este ano a gente vai fazer no Ilê (Aiyê), vai ter reforma na cozinha, assim como no Calabar. Nele, a gente também sempre tenta puxar pelos ingredientes locais.
Do que mais gosta na cidade?
A Bahia é uma segunda casa. Visito há 30 anos. Sempre que vou a Salvador tenho que ir à Feira de São Joaquim, onde aprendo muito, e ao Rio Vermelho pra comer um acarajé e passar na Dona Mariquita.
Você levou esse trabalho para outras partes do país?
Estive num projeto parecido, do Instituto Socioambiental (ISA), Altamira e Vitória do Xingu (Pará), com a Bela Gil. No último dezembro fui para Laranjal do Jari (Amapá) e Lábrea (Amazonas). A intenção é sempre mostrar que há produtos da sociobiodiversidade para a merenda e usar mais produtos in natura. A merenda, hoje, é refém de pozinhos, biscoitos e ultraprocessados ou processados.
Foto: Acervo Pessoal
Como escapar da indústria alimentícia?
Em primeiro lugar, a pessoa tem que começar a cozinhar, a comprar seus próprios ingredientes. Antes de virar ativista, tem que entrar na cozinha e ter contato com o que se come. A partir daí se amplia o conhecimento. Depois disso dá para tentar melhorar a relação com o produtor, saber de onde vem aquilo, qual custo ambiental... Até chegar a plantar tempero em casa, participar de hortas comunitárias...
Tem mais dicas?
Depender da indústria só para comprar processados e não ultraprocessados. Farinha, açúcar, óleo... Não tem como fugir, ainda que dê pra procurar alternativas de vez em quando, tipo usar araruta em vez de amido transgênico, açúcar de rapadura em vez do refinado... Mas sei que isso não é tão simples pra todo mundo. Evitar ultraprocessados já ajuda num caminho do equilíbrio. Não precisamos de uma despensa cheia de supérfluos. Coisas básicas, tudo bem. Mas o resto dá para ter alternativas. Para que comprar bebida industrializada, com açúcar, corante e conservante, se tem água e fruta? É um crime dar suco de caixinha e biscoito recheado pra criança desde cedo.
O que acha dos transgênicos?
Já foi provado que a transgenia afeta o meio ambiente e isso me basta pra ser contra. Afetar a vida dos insetos e o equilíbrio entre as espécies é afetar nossa saúde. Saúde não é só comer castanhas, linhaça e chia. Depende de da água, do ar, da flora... Fora que é preciso pagar royalties pelas sementes, então é algo que serve para todos. O alimento transgênico está nas mãos de poucas empresas. Aí você vai olhar, a empresa que vende a semente é a mesma que vende o Glifosato, um agrotóxico que contamina terra e água, e faz mal à nossa saúde.
Como garantir orgânicos?
Não precisa ficar fissurado no selo, mas saber quem produz. Tem gente que não tem selo de orgânico e cultiva sem usar nada na terra. De repente tem alguém que produz e vende direto. O orgânico ainda é caro porque demanda mais trabalho no cultivo. Mas nas feiras não tem essa diferença toda, a diferença está mais no supermercado. Independente disso, acho que as pessoas têm que procurar comer mais vegetais, mesmo não sendo orgânicos. Já vi gente dizer que não come fruta por causa de agrotóxico. Aí vai e come biscoito, massa... O primeiro passo é começar a cozinhar com hortaliças. Depois se exigem coisas. Siga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração e pets: