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Atriz cria peça de teatro para ouvir no Whatsapp

Saiba como escutar formato único, e emocionante, do espetáculo

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 4 de janeiro de 2025 às 02:00

Carolina Lira Crédito: Taylla de Paula

Existe, na parte anterior do tórax, um osso em formato de "T" chamado esterno. Visto por uma imagem anatômica, ele é a couraça do peito – e uma das bases de sustentação do coração. Ninguém lembra que ele existe, exceto aqueles que conseguem estralá-lo. Era o caso da jovem bailarina Maria Júlia, uma mulher que, com esse movimento, tentava ajustar seu desarranjo interior.

É a atriz Carolina Lira quem apresenta a história dessa moça na busca de um lugar seguro entre a vida e a brincadeira. Ela pode ser você, eu ou nós. “Acho que escrevi esse texto a minha vida inteira, porque estão dentro dele a maternidade, o envelhecimento, a pressão de ser mulher", explica a artista, que escolheu apresentar essa trama (sem pieguice) em um “teatro de ouvido".

O script da peça, roteirizada e narrada por Lira, é: Maria Júlia tem uma vida estável, casada com um homem que todos julgam perfeito, menos ela, que o vê como humano. Um dia, ela dá uma cambalhota na cama de casa e vive uma catarse – como aquela do livro A Paixão segundo GH, de Clarice Lispector, quando a protagonista, cansada da mesmice, toma a morte de uma barata como uma metáfora para grandes reflexões. Para Maria Júlia, ficar de ponta-cabeça reacende o tino pela aventura no cotidiano, e ela decide se separar, para revolta da mãe.

Em 25 minutos, Maria Júlia narra os capítulos da sua vida com foco naqueles que refletem sobre perguntas relacionadas ao envelhecimento, as vidas que se vivem em uma só e os conflitos entre ficar ou partir. Mas o monólogo dela é apenas uma versão da trama criada e apresentada por Carolina.

A peça é apresentada em duas partes. Primeiro, Carolina envia para o WhatsApp do espectador um texto que apresenta as angústias de Maria Júlia, uma mulher de meia-idade que critica os arroubos da filha e da nova geração de mulheres. “Porque tudo para ela tinha que ser assim, nos extremos. Ela não considera o meio-termo de nada. É a cabana ou o castelo. Não pode ser uma casa. Cabana. Castelo”, observa a mãe, em um dos trechos do texto.

O espectador deve avisar sobre o fim da leitura. Carolina inicia a ligação já na pele de Maria Júlia. A peça lembra um relato de autoficção, gênero que retomou o fôlego nos últimos anos com o sucesso literário dos franceses Annie Ernaux e Édouard Louis. “Não coloco na caixa da autoficção, porque acho que sempre existe um rastro de personalidade quando alguém escreve", diz Carol, que também é mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos.

A apresentação de experiências banais com um quê de extraordinário, no entanto, provoca sentimentos imediatos de identificação. “Essa temporada está me surpreendendo muito. Às vezes termina e a pessoa quer dar (de presente o convite) para outra pessoa. Teve uma menina que me agradeceu e disse: 'obrigada por me fazer sonhar'."

É possível agendar sessões online com Carolina Lira, via Instagram (@quememariajulia) e WhatsApp (71 99944-3100). O ingresso custa R$ 35. “As pessoas sempre me perguntam como é, como funciona. Tenho que sempre explicar, porque o formato é novo”.

Como surgiu o 'teatro de ouvido'?

A ideia de criar peças de “teatro de ouvido” surgiu em 2020, o primeiro ano da pandemia. A atriz, como boa parte das pessoas, estava com muita dificuldade de se concentrar. “Nenhum trabalho me capturava", lembra. Foi nessa época em que ela participou de um experimento cênico de um grupo de dramaturgos de Recife, que unia teatro, música e áudio. Texto vai, texto vem, veio o insight.

“Escrevi o texto de Maria Júlia e estreei em 2020 mesmo". A primeira peça se chamou Águas que rolam e quenturas, com Maria Júlia mais jovem, em um momento mais intenso. Em novembro deste ano, estreou a nova temporada: Mar Doce, que já completou 100 apresentações e apresenta uma protagonista mais madura.

Apresentar uma peça em voz tocava em uma ferida de Carolina. “A voz era um desafio desde a minha formação", conta. No Teatro Vila Velha, onde estudou na universidade livre, as partes de canto eram “uma grande questão". “Não achava minha voz bonita", explica. Ainda assim, ela decidiu arrancar o band-aid de uma vez só. O resultado é que, na peça, Carolina apresenta uma voz segura, capaz de criar imagens.

No ano seguinte à ideia de criar a peça, Carolina iniciou aulas de canto. “Ela sempre trazia uma coisa de não ter medo da voz", conta. Hoje, em alguns momentos da peça, Maria Júlia cantarola.

Os primeiros espectadores de Carolina foram pessoas próximas, que ficaram sabendo da peça por mensagens da própria atriz ou publicações dela no Instagram. Não demorou para ela perceber que o trabalho tinha furado a bolha. “As pessoas começaram a querer dar de presente, e eu fiquei muito feliz, porque furei essa bolha artística. Tinham nutricionistas, arquitetos, funcionários públicos. Começou a vir um público muito diversificado."

Apesar de ter pensado o formato da peça em um momento de distanciamento social e teatros fechados, Carol percebeu que a crescente expansão do público refletia a aceitação do formato. Não só na pandemia.

A peça serve até como uma reflexão de ano novo: você termina se perguntando, por exemplo, se as lágrimas de tristeza e alegria podem ser parecidas e quantas coisas você exige demais da sua mãe.