Ana Mametto estreia na literatura explorando a entidade Pombagira

Cantora soteropolitana lança o livro Pombagira - A Entidade Silenciada e o clipe musical Dama da Noite Gira

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 26 de agosto de 2024 às 14:47

Ana Mametto estreia na literatura explorando a entidade Pombagira
Ana Mametto estreia na literatura explorando a entidade Pombagira Crédito: Divulgação

Conhecida por seus trabalhos como atriz e cantora, Ana Mametto se arrisca agora em mais uma linguagem artística: a literatura. O livro Pombagira – A Entidade Silenciada propõe uma investigação social, religiosa e simbólica da entidade Pombagira.

A obra, já disponível nas livrarias online e com lançamento previsto para setembro, na Bienal de São Paulo, busca conceituar a origem da Pombagira, suas concepções e representações, explorando questões que a cercam, como preconceito, estereótipos e intolerância religiosa. O projeto de Mametto inclui a canção Dona da Noite Roda, que homenageia a entidade e já está disponível nas plataformas de streaming e com videoclipe no YouTube.

“Falar de Pombagira é falar sobre mim, sobre você, é falar sobre mulher. Estamos num momento muito importante, onde podemos colocar questões sobre preconceito, racismo religioso, gênero, e a Pombagira é uma entidade que traz todos esses processos dentro da sua história. Não é fácil falar sobre ela, e é de muita responsabilidade tentar desmistificar esse assunto”, afirma Ana Mametto.

Demonização

Filha de axé e umbandista há mais de 15 anos, a cantora sempre se interessou pela figura da Pombagira: “Eu queria entender por que as pessoas têm tanto incômodo com essa entidade, sendo que, para mim, ela me trazia tanta alegria e era tão importante na minha vida”, diz. A oportunidade de investigar esse questionamento se apresentou em 2020, quando Ana escolheu como tema do seu Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo a demonização da entidade.

Um processo desafiador, principalmente devido à bibliografia acadêmica restrita sobre o tema. Em A Entidade Silenciada, a cantora buscou apresentar uma pluralidade de vozes, através de um apanhado de pesquisas para pensar a Pombagira e conduzir um caminho que leve o leitor a refletir sobre seu processo de demonização: “É uma provocação de verdade: entender a Pombagira a partir dos olhares, da história religiosa e ver que associar a Pombagira a um demônio é uma maneira que muitos doutrinadores encontraram de qualificar suas crenças. A Pombagira é vista como um modelo a não ser seguido: é uma mulher livre, dona de seu corpo, de si, do seu destino, da sua sexualidade. Ela acaba sendo um dos principais alvos na demonização, como esse estereótipo de ‘ser mulher do diabo’”, diz.

Ana Mametto destaca ainda a presença de um capítulo do livro centrado na umbanda, religião na qual a Pombagira é mais cultuada, e outro centrado nas representações da entidade: quem ela é, o que ela gosta que lhe seja ofertado, como se referir a ela e os significados do seu nome, como, por exemplo, na sua dimensão simbólica: “Pomba, que é um símbolo cristão que representa o espírito, amor, paz, desejo. Muitas pessoas não sabem, mas a representação simbólica do nome 'pomba' também abarca o desejo, ou seja, a sexualidade, e o 'gira', que representa o movimento, a roda da Fortuna, a roda da vida e da morte. Aí você junta Pombagira: amor, sexualidade, desejo e movimento”, explica.

Mulher de Exu

Uma das primeiras definições encontradas quando se buscam informações sobre Pombagira é que ela seria a mulher de Exu ou o feminino de Exu. Para Ana Mametto, isso não foi diferente durante sua escrita, entretanto, isso também lhe provocava: “Me chamava muita atenção ela ser tão comparada com essa costela de Exu, sabe? Ela estar sempre à sua sombra. Isso me incomodava muito durante a minha pesquisa. É uma das associações mais feitas pela grande maioria dos autores, dos pesquisadores da Pombagira, que ela é Exu-mulher”, relembra.

Entretanto, Mametto explica que essa afirmação não é verdadeira: “A Pombagira sempre foi confundida com essa mulher que está ao lado de Exu por ela trabalhar na mesma vibração de Exu. Na umbanda, onde se vivencia muito a Pombagira, se trabalha muito nas matrizes de dualidade: bem e mal, macho e fêmea, direita e esquerda. Nisso, temos os Orixás de um lado e do outro os Exus e as Pombagiras, porque a vibração de trabalho é muito próxima ao humano, eles estão ligados às nossas emoções. Eu sempre tive receio de dizer que ela não era o Exu-mulher, mas agora Claudia Alexandre vem pontuando que realmente existe uma Exu-mulher”.

Citada por Mametto, a pesquisadora Claudia Alexandre é responsável pelo livro Exu-Mulher e o Matriarcado Nagô (2024), vencedor do Prêmio Jabuti 2024 na categoria Ciências da Religião e Teologia, que aborda a demonização do orixá Exu e o apagamento de sua representação feminina. “Ela conseguiu comprovar a existência de Exu-mulher - inclusive em representações -, que foi excluída, por questões patriarcais, e pontua que Pombagira é uma outra entidade cultuada nas religiões de matriz africana”, declara.

Dama da Noite Roda 

Ana Mametto apresenta como complemento da pesquisa apresentada em A Entidade Silenciada, o videoclipe da canção Dona da Noite Gira. O single autoral, com arranjos e direção de Yacoce Simões, une percussão, eletrônico e samba carioca para prestar uma homenagem às rainhas da noite.

“A música é uma oferenda para todas as Pombagiras. Dama da Noite é a minha senhora e, através do clipe, eu consigo ofertar a todas as outras: Dama das Almas, Maria Navalha, Maria Farrapo, Maria Preta e muitas outras”, declara a cantora. Uma obra integralmente dedicada às Pombagiras e que, para Mametto, representa uma ferramenta contra a intolerância religiosa e o silenciamento feminino na atualidade.

Veja o clipe: 

Livro Pombagira: A Entidade Silenciada. Autora: Ana Mametto. Preço médio: R$ 40. Editora Madras