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Estadão
Publicado em 3 de janeiro de 2024 às 07:21
No final da tarde do aniversário de 88 anos de Alaíde Costa, uma sexta-feira chuvosa de dezembro, o Estadão pergunta como a cantora e compositora se sente naquela data especial. "Esse dia vai começar só daqui a pouco", diz uma das maiores vozes da música brasileira. >
A carioca se referia à apresentação noturna Turmalina Negra, na casa de shows Bona, zona oeste, onde cantou com Claudete Soares, Zé Renato e Ayrton Montarroyos.>
É uma vida que se realiza nos palcos em quase sete décadas de carreira. Principalmente agora, quando Alaíde Costa alcança o reconhecimento que sempre buscou. "Estou feliz. Chegar a essa idade me apresentando, tendo o reconhecimento que não tive antes, é muito gratificante.">
Seu primeiro álbum foi lançado dois anos antes de Chega de Saudade (1958), música que marca o início da bossa nova, mas só recentemente ela passou a ser reconhecida entre os grandes nomes do gênero - assim como Johnny Alf, precursor do estilo e também negro. Mas vamos deixar o racismo para mais tarde.>
Nos últimos anos, parcerias revigoraram a carreira histórica. Pode parecer um paradoxo, mas ela conta que está sendo descoberta depois dos 80 anos. Em 2022, lançou O Que Meus Calos Dizem sobre Mim, produzido por Emicida, Pupillo (Nação Zumbi) e Marcus Preto, álbum eleito o melhor lançamento fonográfico de MPB no 30º Prêmio da Música Brasileira. A cantora foi aplaudida de pé no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.>
Em maio deste ano, Alaíde se apresentou em Portugal com a Orquestra de Jazz do Algarve e no Carnegie Hall, em Nova York, em outubro, no show em comemoração aos 60 anos da bossa nova. Novamente foi ovacionada.>
Rumo>
Alaíde é uma das poucas artistas vivas que passou por todos os formatos de mídia, desde o 78 RPM, LP, K7, CD e, agora, o streaming. Ela nunca parou de cantar e gravou mais de 20 discos. Teve grandes parceiros musicais, como o próprio Johnny Alf, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Milton Nascimento, Oscar Castro Neves, entre outros.>
Alaíde credita exatamente aos jovens, principalmente a Emicida, o novo rumo de sua carreira. "É o meu melhor momento. Os jovens me descobriram depois dos 80 anos. Não sei o motivo disso. Essa resposta eu não tenho", diz a cantora.>
Nos anos 1950, quando já era profissional, ela foi convidada por João Gilberto à casa do pianista Bené Nunes, onde ocorreram algumas reuniões com os artistas que ajudaram a fundar a bossa nova, mas o nome dela nunca foi reconhecido por eles. "Eu comecei a cantar a música deles. Fui bem aceita. Mas havia um pouquinho de racismo. Um pouquinho, não. Bastante. Sem que eu percebesse.">
Não há mágoa. A cantora acredita que um dos segredos de sua vitalidade é exatamente esse: deixar pra lá, não se estressar. "Quando a bossa nova se estabeleceu, eles se esqueceram de mim. Para mim, está tudo bem. Eu estou aqui. Não fiquei com mágoa. Isso não faz bem para ninguém.">
Na conversa de meia hora, antes do ensaio final para o show histórico, fica claro que Alaíde não se importa em apresentar respostas fechadas. Mas ela tem algumas certezas. Uma delas foi a coerência artística, o que não foi fácil. "Paguei caro por isso, porque não ganhei dinheiro, que é muito importante. Ganhei para sobreviver, não fiquei rica. Isso nasceu comigo. Não querer outra coisa além do que eu quero.">
A quase nonagenária fala de temas espinhentos com uma voz doce, que quase suaviza as dores. Ela está certa de que os aplausos demoraram a vir por causa do racismo velado. Nos períodos sem gravar, ela se apresentou em shows, bares e boates. Só parou de cantar durante o período para uma cirurgia no ouvido.>
"No começo, eu não percebia isso (racismo). As gravadoras e produtores diziam que eu tinha de cantar uma coisa mais animada, um sambinha. Para essas pessoas, o negro só tem de tocar samba ou coisinhas mais animadas. Mas não era isso que eu queria para mim", diz.>
Atualmente, Alaíde Costa grava o segundo disco de uma trilogia e já lançou dois singles do novo trabalho: Moço (Marisa Monte e Carlinhos Brown) e Ata-me (Junio Barreto). Está em turnê por todo o Brasil com três shows, um deles ao lado das amigas Eliana Pittman e Zezé Motta, cantando um repertório apenas de compositores negros.>
Hoje, a vida de Alaíde é simples, sem carne vermelha e com muita água na casa onde vive com o caçula (ao todo, são três filhos, quatro netos, dois bisnetos). Ela gosta de ouvir música popular brasileira e o grande mestre do tango, Astor Piazzolla, uma de suas paixões. Outro hábito é a caminhada, que ela manteve mesmo durante o isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus "Eu sempre arrumava uma desculpa para sair, nem que fosse para ir ao mercado.">
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>