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‘Adolescência’, da Netflix: a culpa é mesmo das redes sociais?

Minissérie trata de reflexos da internet entre os jovens, mas escorrega em excessos e vira um dramalhão

  • Foto do(a) author(a) Roberto  Midlej
  • Roberto Midlej

Publicado em 22 de março de 2025 às 10:39

O talentoso Owen Cooper vive Jamie, acusado de matar uma colega. Ao lado dele, o ator Stephen Graham, que interpreta o pai do garoto
O talentoso Owen Cooper vive Jamie, acusado de matar uma colega. Ao lado dele, o ator Stephen Graham, que interpreta o pai do garoto Crédito: divulgação/Netflix

Volta e meia, as redes sociais são invadidas por uma série ou filme que se torna o novo “fenômeno” de audiência de um streaming. Agora, a “melhor série de todos os tempos da última semana”, como diriam os Titãs, é a tão falada Adolescência, da Netflix. Diante de tanto burburinho - ou “buzz”, como gostam de dizer nas redes -, resolvi assistir, até porque sou pai de dois adolescentes e me interessei pelo tema.

Na produção inglesa de quatro episódios, os membros da família Miller são surpreendidos às 6h da manhã, quando policiais arrombam a porta da casa deles. O casal, pai de um menino e uma menina, fica desorientado e se choca ao saber que o garoto Jamie, de 13 anos, é acusado de ter matado a facadas uma colega de escola, Kate. O garoto então é conduzido a uma delegacia, onde é detido à espera de um advogado e de um adulto responsável por acompanhá-lo.

E este primeiro episódio talvez seja o mais interessante da série, em que acompanhamos a angústia da família em “tempo real”: não há cortes e a filmagem acontece em apenas um plano-sequência, o que ocorre nos quatro capítulos. Filmar assim não chega a ser uma novidade - Hitchcock fez isso em Festim Diabólico há quase 80 anos. Muitas vezes, hoje, o audiovisual recorre hoje a isso apenas como um maneirismo ou para um certo exibicionismo do diretor.

Em Adolescência, especialmente no primeiro episódio, o uso de um plano-sequência parece ter um propósito, que é dar um tom mais realista à série e aproximar o espectador daquele choque que os personagens acabaram de levar ao saber da acusação. É quase um convite para que o espectador “penetre” na produção e viva a angústia dos Millers junto com eles. É nesta primeira hora da produção que Jamie será interrogado e nós nos perguntaremos: “Pode um menino de 13 anos cometer um crime tão grave?”.

A série é um importante convite também para refletir sobre os males que o uso excessivo de redes sociais tem provocado nos jovens, a começar pela baixa autoestima, afinal é aquela história: nas redes, todos sempre parecem felizes e bem-resolvidos; menos você, que parece ser a única pessoa com problemas no mundo.

E existe outra situação do mundo digital, que é essencial em Adolescência e com a qual Jamie se depara: há comunidades virtuais obscuras em que jovens são “treinados” para crescerem com ódio de mulheres. Ou, em alguns casos, há influencers que fazem isso às claras, como o abominável Andrew Tate, um ex-lutador profissional britânico-americano que se assume, com muito orgulho, um misógino da pior categoria. Ou seja: o que era para ser motivo de vergonha tornou-se trunfo nestes tempos tão esquisitos.

Como bem pontuou a crítica Isabela Boscov, Adolescência está muito mais para um drama que para um suspense. Talvez o segundo episódio seja o que mais se aproxima de uma produção sobre investigação policial, quando o agente vai a uma escola ouvir depoimentos de colegas de Kate e Jamie. Neste capítulo, a filmagem em plano-sequência já começa a soar como maneirismo e parece dispensável. Nesta segunda parte da série, há um flerte com filmes policiais que tentam confundir o espectador e ensaiam uma reviravolta.

Uma boa edição faz falta também no terceiro episódio, em que Jamie está detido num centro de socio-educação aguardando seu julgamento, enquanto é acompanhado por uma psicóloga. Apesar do diálogo ter ótimos momentos, este depoimento às vezes se estende demais, fica repetitivo e parece não sair do lugar. Mas é preciso fazer justiça: Owen Cooper, o ator de 15 anos, é mesmo talentosíssimo. É daqueles que nos faz ter certeza de que o dom é mesmo privilégio de alguns artistas. E o fato de ele ter que atuar num plano-sequência - portanto, sem chance de errar -, torna a atuação ainda mais impressionante.

Embora provavelmente essa não seja a intenção do roteiro, fica alguma margem para uma interpretação equivocada de espectadores desavisados: a impressão de que as redes sociais são a razão para comportamentos inadequados de adolescentes. Ou, no caso de Jamie, ainda pior: que as redes são capazes de levar um adolescente a cometer um assassinato. Isso parece tão raso quanto associar chacinas em escolas ao acesso a jogos violentos de videogame.

Crimes brutais praticados por adolescentes infelizmente são uma realidade antiga. Na própria Inglaterra, onde se passa Adolescência, ocorreu um dos crimes que mais chamou a atenção na vida deste jornalista: em 1993, James Bulger, um menino de dois anos que passeava num shopping com a mãe, foi raptado por duas crianças de dez anos. James foi espancado até a morte e depois seu corpo foi levado para uma estrada de ferro, para que parecesse acidente. No Brasil, um rapaz que ficou conhecido como Champinha tinha 16 anos em 2004, quando liderava um bando que sequestrou e estuprou seguidamente e coletivamente, por dias, a jovem Liana Friedenbach. Champinha ia à rua com a menina e a apresentava a outros homens como se fosse sua prima. Dias depois, a matou com 15 facadas.

Dizer que o uso excessivo de celulares ou de outros aparelhos, como o videogame, não provoca danos aos jovens seria, claro, bancar o negacionista, afinal especialistas já cansaram de dizer isso. Isso está claro no livro Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada está Causando Uma Epidemia de Transtornos Mentais, do psicólogo Jonathan Haidt, que recomendamos.

No entanto, acusar a internet de ser a maior culpada pela disseminação do machismo, da misoginia ou de qualquer forma de preconceito é simplista demais. Essas doenças estão na sociedade e todos esses males, em vez de se proliferarem nas redes, se espalhavam nas mesas de bar. Aliás, se não fossem as redes sociais, os movimentos sociais feministas e antirracistas, seguramente, não teriam evoluído como evoluíram. (É verdade que talvez a extrema-direita também não tivesse renascido!)

Adolescência, sem dúvida, vai prender sua atenção por quatro horas. E sou capaz garantir que vai deixar você impactado. Mas isso, graças, principalmente, a alguns excessos. Excessos que, daqui a uns poucos anos - ou meses - fará você se perguntar se ela é mesmo tão boa assim.

E a série não escapa de um certo didatismo feminista. Uma cena deixa isso evidente, quando Misha, uma mulher envolvida nas investigações, fala ao colega: “Sabe o que mais me incomoda nisso tudo? O criminoso sempre tem o protagonismo: ‘Homem estupra mulher’. Tentamos entender o que o Jamie estava pensando. A Katie não é importante; o Jamie é. Vão sem lembrar dele e não dela. É isso que me irrita, que me incomoda”. Sim, isso é verdade, sabemos. São os criminosos que ganham destaque na mídia e a histórias das vítimas femininas fica esquecida. E isso é injusto, claro! Mas da forma como o discurso aparece no filme soa artificial e didático, com risco de ser menos eficaz que seria caso aparecesse nas entrelinhas.

Há ainda os momentos piegas clichês, quando o pai de Jamie olha para um ursinho de pelúcia do filho e o acaricia chorando, como se dissesse: “Como pode um menino tão puro, ainda criança que tem um bichinho de brinquedo, ser acusado de fazer algo tão perverso?”. E aí, pra fechar a pieguice, ele diz: “Desculpa, filho. Eu devia ter feito mais”.