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Intelectual baiano adapta texto literário escrito há mais de quatro mil anos. Lançamento será nesta quarta (25)
Roberto Midlej
Publicado em 24 de setembro de 2024 às 10:44
Estima-se que a epopeia de Gilgamesh tenha sido escrita há aproximadamente quatro mil anos e, por isso, é a mais antiga obra desse gênero, à frente de outros clássicos, como Ilíada e Odisseia. O texto é de autoria desconhecida, mas o que se sabe é que foi escrito pelo povo sumério, que vivia na Mesopotâmia, área hoje correspondente a parte do Iraque e do Kuwait. O poema, que conta a história de um rei semideus que luta contra a morte, foi escrito originalmente em língua acadiana.
Encantado com o texto, que classifica como “uma meditação sobre a morte”, o professor Ordep Serra decidiu adaptá-lo para a estrutura de um roteiro teatral, batizado como A Travessia de Gilgamesh (Alba/228 págs/ distribuição gratuita), que será lançado nesta quarta-feira, às 18h, na sede da Academia de Letras da Bahia (ALB). Ordep também estará lançando Heiddeger na Caverna (Odysseus/346 págs/R$ 84), em que analisa parte da obra do filósofo alemão.
Mesmo considerando que são obras bastante densas e de escrita nada simples, Ordep diz que gostou da experiência de escrevê-las praticamente ao mesmo tempo: “Nunca escrevo um livro exclusivamente, porque me cansa. Agora mesmo, estou escrevendo um livro de poemas e um romance ao mesmo tempo. Quando passo de um para outro, minha cabeça descansa”, diz o intelectual, que é também presidente da Academia de Letras da Bahia.
Gilgamesh
A epopeia é um gênero literário que reporta a atos heroicos e, segundo Ordep, Gilgamesh é um herói no sentido antigo do termo. “Ele é semidivino: dois terços, um deus; um terço, humano. E ele descobre que é mortal quando perde um amigo querido, Enkidu, que inicialmente era seu rival”, observa o professor. É o contato com a morte que apavora o herói.
Inconformado, ele procura Atrahásis, um sábio supremo que sobreviveu a um grande dilúvio e é conhecido por ter se livrado da morte. O sábio conta a Gilgamesh um segredo: existe uma planta que faz rejuvenescer. O herói então vai atrás da tal planta e até consegue alcançá-la. Mas uma serpente devora a planta e quem rejuvenesce é o animal.
A paixão de Ordep por Gilgamesh é antiga: em 1985, o professor já havia lançado outra adaptação da epopeia, como lembra no prefácio do novo livro: “Tentava dar um ideia do grande poema, sem esconder a fragmentação do texto a duras penas recuperado. De lá para cá, novas descobertas e ricos estudos apontaram esclarecimentos, preencheram lacunas e permitiram uma leitura mais completa dessa obra, cuja composição teve uma longa história”.
Explica-se a expressão “a duras penas recuperado”, que Ordep usa: a obra original, além de ter sido redigido na língua acadiana, hoje em desuso, estava registrada em tábuas de barro e em escrita cuneiforme, o que dificulta muito a compreensão por parte dos tradutores. “As tábuas estavam mutiladas e isso torna a leitura muito difícil. Muitos assiriólogos se debruçam no mundo sobre as tábuas para resgatar a epopeia. Então, com o passar dos anos, a epopeia de Gilgamesh muda, porque se descobrem fragmentos dela de tempos em tempos”, argumenta Ordep. Com essas mudanças, o livro lançado há 40 anos por ele ficou “caduco”, como diz o próprio professor.
Daí, a necessidade de atualizá-lo. “Além disso, o livro que lancei em 1985 só comunicava bem a pessoas eruditas. Só eruditos se interessam por fragmentos. Então, fiquei com isso na cabeça. Queria transmitir a beleza da história e senti que, como epopeia, ficaria limitado. Por isso, escolhi a linguagem do teatro”, argumenta Ordep.
Heidegger
No outro livro que será lançado amanhã, Heidegger na Caverna, Ordep propõe uma discussão a respeito do conceito de “verdade”, a partir do olhar do filósofo alemão sobre o tema. “Eu me concentro nas últimas obras dele, públicas após sua morte. Eu discuto a tese dele sobre a verdade, discordo e tomo minha posição”, afirma o professor.
Ordep ressalta que, ainda que Heidegger seja assumidamente antissemita, não se pode ignorar sua obra. Mas faz ressalvas: “Ele se mostrou genial e estúpido: era um antissemita, o que mostra a estupidez dele. Mas era genial como pensador e está entre os cinco maiores filósofos do século passado. Eu sou antifascista e às vezes a obra de Heidegger me causa raiva. Mas não possa jogar fora o que ele escreveu. Preciso criticá-lo com seriedade, mas levo em conta o valor dela. Richard Wagner era antissemita. Mas vamos deixar de ouvir suas composições por isso? Aí, quem perde somos nós”, define Ordep.
SERVIÇO
Lançamento dos livros Heidegger na Caverna e A Travessia de Gilgamesh, de Ordep Serra. Quarta-feira (25), às 18h. Academia de Letras da Bahia (Av. Joana Angélica). Aberto ao público