Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Luiza Gonçalves
Publicado em 22 de janeiro de 2024 às 12:25
O cacau é fruto, comércio e tradição cultural do sul da Bahia há gerações e foi obrigado a se reinventar enquanto plantio e lutar pela permanência de sua herança na Bahia. Trinta anos após a estreia original de Renascer, a obra tenta refletir essa história de adaptação, mudança e as negociações entre passado, presente e o futuro do cacau na região. O choque das gerações cacaueiras ficará exposto da primeira fase a partir do conflito desse novo agricultor, José Inocêncio e de antigos coronéis, como é o caso de Belarmino, interpretado por Antonio Calloni.
“É essa transição, porque ele é de uma época onde o cacau comandava em Ilhéus e sustentava a Bahia toda praticamente. Só que na década de 90, onde a novela começa, a vassoura de bruxa já está presente, a crise econômica é muito pesada e aliado a isso, a crise que o Belarmino passa nas terras dele, ainda tem a chega de um concorrente. Ele fica completamente desarvorado e com medo porque é um homem que ama profundamente a terra dele”, explica o ator.
Parte do elenco de Renascer passou um tempo de imersão e gravações em Ilhéus, o que permitiu um contato com a população local, nas fazendas de cacau e a apreensão do contexto do cacau na atualidade. Cacau fino, museus, grãos especiais, preparação técnica e científica, novos subprodutos. “Mesmo que hoje em dia não seja como antigamente o cacau ainda está muito presente em Ilhéus e se renovou”, declara Calloni.
Para o ator, outro ponto fundamental da passagem no sul da Bahia foi na construção de seu personagem, respeitando a cultura e fugindo de caricaturas. Essa perspectiva também foi destacada por Humberto Carrão, que interpreta o fazendeiro José Inocêncio na primeira fase da novela. “Eu fui muito feliz em Ilhéus. A construção desse personagem passa diretamente por figuras que eu conheci lá. Vou falar três: Danilo, Val e Tatá. Que são pessoas dali do cacau e que contaram tudo para a gente, principalmente para mim, pro Danilo e pro Macarrão de como é o trabalho deles no cacau. E foi essencial”
Na trama o sistema de plantio de Cacau Cabruca utilizado na região sul da Bahia, que consiste em plantar pés de cacau dentro da floresta da Mata Atlântica em consórcio com outros cultivos, será evidenciado ao trazer para o horário nobre a discussão ambiental. “A gente está vivendo num momento de não retorno. Isso é muito complicado e eu espero que essa novela traga um pouco esse olhar da proximidade de um renascimento, de devolver para a natureza tudo que a gente tirou”, declarou o ator Marcos Palmeira. Para ele, recontar a história de Renascer destacando o bioma da região e a agrofloresta é um dos elementos que torna a obra de extrema relevância num cenário de agravamento das mudanças climáticas, que se agrava a cada ano.
“Eu acho que os baianos vão gostar da maneira que estão sendo retratados. Fizemos com muita honestidade e simplicidade. A maneira como está sendo trazido essa questão do cacau, dessa vassoura de bruxa, quais são as opções hoje, a valorização desse homem do cacau, esse produtor, da Cabruca e o do chocolate, a qualidade dessa produção aqui na Bahia, que hoje é altíssima e o saber dos pequenos produtores. O Zé Inocêncio é um ele é um grande produtor com espírito de pequeno produtor, isso é muito interessante. Acho que vocês vão se surpreender ", declarou Marcos Palmeira, que será o intérprete de José Inocêncio na segunda fase.
“A gente quer falar da nossa história e ser protagonista dela. A gente quer falar na novela, de um corpo não estereotipado, de uma Bahia não estereotipada”, defende Evaldo Macarrão. Interpretando o produtor de cacau Jupará, Macarrão ressalta que para contar a história dessa Bahia que ajudou na manutenção do país era imprescindível a convocação de um elenco baiano e representativo das mãos que cultivaram esse cacau. Evaldo Macarrão, Fábio Lago, Edvana Carvalho, Ana Cecília Costa, Samantha Jones e Vladmir Brichta são alguns dos atores baianos presentes no remake.
Além disso, ele destaca a importância da construção de negritude nos personagens, mostrando uma Ilhéus preta, que por vezes foi esquecida. Avalia positivamente a formação de seu personagem Jupará, que foi adaptado a partir de um contexto ancestral. “Ele vem do povo de Angola, é da capoeira e do candomblé Bantu, que a gente pouco vê na TV. Com Jupará eu pude falar dessa cultura, da língua quimbundo e também do contexto do cacau, dentro da mata, que tem total ligação com a religiosidade. Porque quando eu falo do cacau, eu falo da folha, da árvore, do fruto que é ancestral, que é a natureza e que é que o povo de candomblé e de matriz africana acredita. É o orixá, o inquice e a natureza”.
Original de Ilhéus, Fábio Lago revela que boa parte de seu personagem veio de memórias pessoais. “Foi muito importante eu ter me aproximado desse personagem, porque geralmente o ator quer ficar distante. E dessa vez eu fiz coisas que geralmente não faço. Levei o personagem para casa e senti nas minhas referências, das minhas lembranças, as dores que aquele personagem e aquela família sofre”, partilhou. Em Renascer, ele interpreta Venâncio, capataz do Coronel Belarmino.
Para Fábio, a conexão com a cultura nordestina baiana também é ponto fundamental da personalidade de Venâncio, expressada pelo seu envolvimento com o Bumba Meu Boi. “Bumba é o artesanato, é a comunidade, é a música, é a dança e nesse personagem tão soturno, tão denso e sombrio, é a luz. Ninguém é só mal, triste ou alegre, né? Somos um complexo. E eu acho que a cultura do Bumba Meu Boi, que é uma cultura quase esquecida pelo Brasil afora, traz essa alegria por Venâncio, traz a iluminação para aquele homem tão atormentado”
Edvana Carvalho, atriz baiana que vive Inácia, declara que o diferencial na representação da Bahia em Renascer está na diversidade. “Por mais problemas que tenhamos na Bahia, acho que está na nossa construção esse respeito de abraçar a todos, aceitar todos e não podemos perder isso. Isso faz parte da nossa ancestralidade pretíndia e esse discurso precisava aparecer na novela. Porque assim como tem a Inácia, que vai ser de religião de matriz africana, vai ter o padre, vai ter o pastor e todos são amigos, conversam a mesma língua que é o amor. Além do texto ser lindo, poético, ele mostra as coisas lindas que a Bahia tem a oferecer e nós abraça, abraça essa diversidade.”