Que ovo é esse? Conheça o papel do zoião na ciência, história, religião e na nossa mesa

Qual a importância do ovo na sociedade? Fizemos um raio-x desta proteína oval e chegamos à conclusão: o ovo é tudo e vamos provar

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  • Da Redação

Publicado em 26 de março de 2022 às 07:00

. Crédito: Shutterstock

Saber se nasceu antes ou depois da galinha é o menor dos questionamentos existenciais do ovo. Esta pequena proteína oval que fica na porta da geladeira é muito mais complexo que um simples omelete no café da manhã. O ovo é crucial para a ciência, economia, biologia, religião, saúde e cultura. Com a aproximação da páscoa, até o coelho consegue botar com sabor de chocolate. Ele inclusive tem seu papel no combate ao coronavírus, com a nova vacina brasileira ButanVac. O Zoião pode se encaixar em qualquer roda de conversa e podemos provar. Como diria um provérbio romano: ‘Omne vivum ex ovo’. Toda a vida vem de um ovo. 

No princípio, Deus criou o ovo. Pelo menos para uma boa parte das religiões espalhadas pelo mundo, o universo e deuses nasceram desta proteína divina, muito antes do cristianismo apresentar o gênesis. Na maioria das religiões e mitologias, o que você frita todo dia na frigideira é um símbolo de vida, renascimento e fertilidade. Ou seja: aquele seu amigo que espera todo ano seu aniversário para te dar aquela ovada quer mesmo sua felicidade, afinal. 

Na mitologia chinesa, por exemplo, o universo era um ovo deitado, onde também morava uma entidade chamada Pan-Ku. Ao longo de 18 mil anos, ele cresceu, quebrando o ovo e surgindo o mundo que conhecemos. Lá dentro também existia o equilíbrio perfeito bem conhecido no ocidente: Yin e Yang. Na mitologia do Egito Antigo, o Deus Sol, conhecido como Rá, teria nascido de um ovo. Antes do cristianismo, a Ucrânia cultuava o Deus eslavo Dazhbog, que também vinha da proteína da galinha. Na Pérsia, o início da primavera era celebrada com ovos coloridos representando o renascimento. Mais tarde, essa tradição influenciou em outra: os ovos da páscoa. 

No candomblé, o ovo se torna uma peça chave para a religião.“O ovo acompanha todos os ritos de passagem da religião de matrizes africanas. É um segredo e o ensinamento que poucas pessoas possuem. Não entraremos em detalhes, mas você entra no mundo do candomblé com o ovo e sai com o ovo também. Dando nomes aos bois, o ovo está no ritual de iniciação do candomblé e no ritual para entrada no mundo dos mortos também. O ovo significa a vida e o nascimento”, explica Vilson Caetano, babalorixá, professor da Ufba e doutor em antropologia.Esta proteína é utilizada em diversos rituais, como purificação, iniciação, Borí e ebós. 

Curiosamente, o Eyin, como é chamado em Yorubá, é pouco utilizado como comida para santo, apesar de ter uma relação bem próxima com Oxum e o Deus supremo, Olorum. Na religião de matriz africana, o ovo não enche barriga, mas protege. “Estou reparando isso agora, de fato. Pensando na alimentação de ritual, não tem prato com ovo na preparação, apenas como enfeite, como o Omolocum, comida de Oxum. O uso simbólico dele é maior do que como um ingrediente”, conta Vilson. “Onde está o ovo? Nos rituais de limpeza, mas o ovo cru, passado no corpo da pessoa e quebrado. No terreiro, você encontra ovo dentro de água ou azeite para proteger a casa”, completa Vilson, que reforça o laço entre o ovo, a galinha e Oxum, a senhora de todas as aves.   Em imagens africanas, Oxum segura uma ave. Ela é também guardiã do ovo, que representa vida e nascimento (Foto: Acervo do Ile Obaloke) Mesmo com tanta importância sagrada, os orixás terão que dividir o ritual do ovo com a fome do brasileiro. Com o aumento da carne bovina, a principal proteína consumida no país vem da galinha. Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), cada habitante do país consumiu, em média, 255 ovos em 2021, um aumento de 1,5% em comparação ao ano anterior. São 20 ovos a mais que a média mundial. Para se ter uma ideia, ainda segundo dados da ABPA, há 10 anos, em 2012, o consumo era de 161, por habitante. A projeção é que este número cresça mais de 2,5% em 2022.

Segundo dados do IBGE, a produção de ovos em 2021 no Brasil chegou a 3,98 bilhões de dúzias, uma variação de 0,2% em relação a 2020. Não é novidade que o consumo de ovo aumentou na mesma projeção do preço elevado da carne bovina. O IBGE estima que a média do preço da carne ficou 9,98% mais caro em 2021, em comparação com o ano anterior. Alguns cortes, como o filé, chegaram a 23%. O mais curioso é que o ovo, apesar do aumento no consumo, também ficou mais caro, acima da própria inflação. No mês passado, teve um aumento de 2,79%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A inflação de fevereiro deste ano foi de 1,01%, segundo o IBGE.  O Butantan utiliza o ovo na produção da vacina contra a covid-19 (Foto: Butantan / divulgação) Empresários e consumidores sentem a diferença. Dono do Mercado Tempero Verde, em Jauá, Litoral Norte de Camaçari, o empresário Ivair Oliveira diz que o ovo aumentou cerca de 40% nos últimos 30 dias.“Eu estava comprando [cartela com 30 ovos] a R$ 9,50 mês passado. Este mês comprei por R$ 14. E vai aumentar mais. Segundo os produtores que me vendem, o preço aumentou por conta  da chuva no Sul, preço dos grãos, combustível e até guerra. Está aumentando tudo, né?”, disse.Acaba sendo uma bola de neve e o valor final atinge o bolso do consumidor. “Já vendi a placa por R$ 10,99. Agora estou vendendo a R$ 17,99. Inclusive nem sei se manterei este preço”, completa. 

Se para quem come aquele Zoião apenas no café da manhã ou em cima do feijão já está complicado, imagina para quem consome mais de 12 ovos por dia? Ou melhor, 40 por dia, como é o caso da musa fitness, Gracyanne Barbosa. Não está escrito errado. Segundo a própria empresária, a média de consumo, por mês, chega a 1.200. Vamos imaginar que Gracyanne compre suas cartelas no mercado de Ivair Oliveira. Só de ovo, a esposa do cantor Bello gastaria R$ 719,60 todo mês. São 59% de um salário mínimo. Contudo, Gracyanne não sofre com estes gastos. Desde o ano passado é patrocinada por uma granja. 

“Graças a eles [a granja] posso comer meus ovos sem me preocupar tanto, inclusive coloquei a casa toda pra comer também! Tem patrocínio melhor que esse?”, disse Gracyanne, ao jornal Extra. O psicólogo Pedro Andrade das Virgens não come a mesma quantidade da musa, mas sua média pode ser considerada alta, chegando a 14 ovos diários. “Uso cerca de quatro ovos completos e o restante só as claras. Normalmente faço uma crepioca ou omelete. Já é um hábito que criei há alguns anos para conseguir consumir 2 gramas de proteína por quilo. Sem contar que o ovo ainda é uma proteína acessível, visto o preço do frango e carne”, disse Pedro, que faz exames regularmente e garante que está com níveis calóricos “excelentes”. 

O ovo está longe de ser o alimento com mais proteína no mundo. Um ovo tem cerca de 6g de proteína, enquanto um pedaço de frango (85g) tem 28g. Um prato com 100 gramas de camarão tem 24g. Porém, ele tem uma vantagem: “É uma questão de praticidade, uma fonte de proteína prática. Mas é a principal fonte de proteína? Não. É mais prático de consumir. O ovo também é um alimento rico em vários nutrientes, inclusive boa parte presente na gema, como vitamina E, D, colina”, diz a nutricionista Daniela Brige, que sugere um consumo diário de dois ovos. Porém, este número pode aumentar conforme seus hábitos, principalmente nas atividades físicas. Para isto, é preciso antes consultar seu nutricionista e médico. O consumo exagerado pode causar problemas de saúde, já que o ovo também possui colesterol e gordura. 

Afinal, qual o melhor ovo para ser consumido? Consumimos ovo de galinha graças ao poder que esta ave tem de produzir. Para se ter uma ideia, uma galinha de granja pode produzir até 300 ovos, todo ano. Mas os valores nutricionais não variam de outras aves, que também são comestíveis. O que diferencia é, além da produção em larga escala, o tamanho dele. 

O de avestruz, por exemplo, é tão nutritivo quanto o de galinha, mas em maior quantidade. Pesando mais de um quilo, dá para fazer 20 omeletes. Já o gosto pode variar, graças à alimentação da espécie. Uma ave aquática, por exemplo, pode ter um ovo com gosto de peixe. Contudo, o aconselhável é manter a alimentação com ovos de aves que possuam controle sanitário. Nada de sair pegando ovo de pombo por aí.  

O ovo também salva vidas. Segundo a Fiocruz, existem algumas vacinas que possuem proteínas do ovo na sua composição, como a Tríplice Viral (sarampo, caxumba e rubéola), a Tetra Viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), da Gripe (Influenza) e a de Febre Amarela. Também é uma arma na luta contra a covid-19. A ButanVac, futura vacina 100% brasileira contra o coronavírus, é produzida com ovos embrionados de galinha, o que faz com que seu custo de produção seja mais baixo. 

“O vírus usa as células do embrião do ovo para essa replicação. Deixamos o ovo na temperatura ideal, entre 35° e 40° Celsius, para o vírus crescer exponencialmente lá dentro. Depois de 72 horas, ele passa por um processo de purificação”, explica o gerente de produção da fábrica do Butantan, Douglas Gonçalves de Macedo, à BBC News.  

Neste mundo, que é um ovo, parece que esta fonte oval de conhecimento só não conseguiu responder um dos maiores questionamentos na história do pagode baiano, cantada pelo Pagordart: ‘Que ovo é esse, Hambúrguer? Parece ovo de carote, ovo de jegue, ovo de bode, e quando anda se sacode: corrote, corrote, corrote…’. Neste caso, parece que o instrumento é outro. Quebra (o ovo), ordinária!

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Qual a relação entre ovo, coelho e páscoa? O baiano sabe que a páscoa está perto quando as lojas e mercados começam a montar aquele corredor de ovos de chocolate pendurados, com preços mais salgados que o bacalhau da Sexta-feira Santa. Não dá nem tempo de reparar uma coisa: já parou para analisar qual a relação entre ovo de chocolate, coelho e páscoa cristã? Existem muitas teorias, mas duas palavras podem explicar este elo: ressurreição e sincretismo. 

Na época que o cristianismo se expandia, muitos povos europeus cultuavam deuses considerados pagãos. Estas entidades tiveram um papel fundamental nesta páscoa que conhecemos hoje. Ovo, coelho e páscoa significam renascimento, reconstrução e esperança em diversas religiões. Historiadores acreditam que o coelho foi inserido graças a Eostre, Deusa anglo-saxã responsável pela fertilidade e renascimento. Curiosamente, ela está sempre segurando um coelho. Quando o cristianismo entrou no povo saxão e germânico, adotou o bichinho. 

E o ovo? Mesmo esquema. “Na Antiguidade, o ovo era visto como símbolo de fertilidade em diferentes culturas, e muitos decoravam ovos e os usavam como presentes. Um ciclo e renovação da vida. Com isso, os ovos de galinha, por exemplo, tornaram-se um item para presentear”, explica o professor de história, Daniel Neves, em artigo sobre a páscoa publicado no portal Uol. Na época, ovos de galinha eram pintados, mas também tinham joias no mesmo formato, principalmente na Rússia, chiquérrimos. Representava o fim do inverno e o início da primavera. Ou seja, um recomeço. Mais tarde os ortodoxos adotaram estes presentes no período da páscoa. 

“Os ortodoxos tinham o costume de tingir ovos de vermelho para associá-los com o sangue de Jesus. A prática de decorar ovos foi se espalhando pela Europa a partir da Idade Média. A pintura a mão logo deu espaço para outras formas de decoração, e ovos de porcelana começaram a ser produzidos e enfeitados, por exemplo”, conta Daniel.

Estas representatividades acabaram se misturando com uma das datas mais importantes do cristianismo, que é justamente a páscoa e ressurreição de Cristo. Pegou a referência? Para expandir a mensagem cristã, a Igreja Católica acabou inserindo tudo no mesmo contexto. Misturou tudo. O ovo de chocolate surgiu apenas no século XVIII, na França. Na época, era um artigo de luxo e nem todo mundo podia comprar, se popularizando algumas décadas depois, quando começou a ser fabricado em escala industrial. Com os preços atuais, pelo visto voltamos ao século 18.  

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Diferenças entre os ovos

Cor   No caso das galinhas, tudo depende da raça e cor. Espécies de penugem branca, colocam branca, por exemplo. Entre as aves, existem até ovos azuis. Entre diversos fatores, uma é a camuflagem para evitar predadores. 

Granja ou caipira?    Tudo está na forma de criação da galinha. As caipiras, criadas soltas, possuem uma alimentação 100% orgânica, o que também influencia na cor mais escura da gema. Diferente das criadas em granjas, as caipiras estão livres de agrotóxicos, uso de antibióticos e suplementos químicos para aumentar a produção. No aspecto nutricional, elas não possuem grandes diferenças. 

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Curiosidades do ovoCorrida do ovo - Na Corrida do Ouro na Califórnia, milhares de pessoas foram buscar fortuna. Acontece que a alimentação ficou escassa e algumas pessoas começaram a vender ovos de uma espécie de ave marinha da Ilha do Medo. O ovo fez mais fortuna que o ouro, o que ocasionou muita morte e briga entre gangues para comercializar o ovo.  Outros ovos comestíveis - Os índios costumam comer ovos de tartaruga. Na Índia e Tailândia, é comum comer ova de formiga. Um dos pratos mais caros do mundo, o caviar, são ovas de peixe e pode custar mais de R$ 6 mil (50g), a depender da espécie.  Maior e menor - O avestruz ganha fácil. Seu ovo tem 20 centímetros de altura e pesa mais de 1 quilo. O menor é de uma espécie de beija-flor, com 10 milímetros. A máquina de fazer ovo -  Apesar de colocar cerca de 300 ovos por ano, a galinha não é a melhor botadora. O peixe-lua é o campeão. Ele consegue colocar 300 milhões de ovos numa ‘sentada’.