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Da Redação
Publicado em 24 de abril de 2022 às 07:00
Estamos em ano de Copa do Mundo. Imagine que o Brasil ganhe o hexa no Catar, após enfrentar os vizinhos argentinos na final. Com acesso de raiva, a Argentina resolve invadir nosso país, alegando ter direitos sob a taça de campeão. Nesta situação hipotética (e absurda), estaríamos prontos para um possível conflito armado ou invasão no nosso território? Prepare-se, pois vamos mostrar que é preciso muito mais que viagras e próteses penianas para proteger um país.
Com a invasão russa na Ucrânia, o assunto passou a ser frequente. Se compararmos com o atual conflito que deixa o mundo em alerta máximo, podemos dizer que o Brasil é um país privilegiado. A última invasão em território brasileiro foi em 1864, quando o ditador paraguaio Solano López invadiu o Centro-Oeste, dando início a Guerra do Paraguai, no período imperial. Depois, tivemos participações nas duas grandes guerras, algumas missões de paz, mas nada que ameaçasse o país de forma direta. São 157 anos de relativa paz. A título de comparação, o último conflito bélico da Argentina foi bem mais recente, em 1982, contra o Reino Unido, pelo domínio das Ilhas Maldivas. Foram 649 argentinos e 255 britânicos mortos em combate.
Atualmente, se o Brasil precisasse se defender ou atacar outra nação, contaríamos com 214.604 mil Oficiais e Praças (sargentos, cabos e soldados) do Exército na ativa, segundo o Decreto Federal 10.898, publicado no fim do ano passado. É o maior contingente entre as Forças. Se juntarmos Marinha e Aeronáutica, chegamos a pouco mais de 362 mil militares ativos. No ano passado, segundo o Ministério da Defesa, cerca de 1,6 milhão de jovens se alistaram nas Forças Armadas, com 77 mil ingressando no Serviço Militar. Este ano serão 78 mil incorporados à Marinha, ao Exército e à Aeronáutica.
Acha muito? Nem tanto se compararmos com o tamanho do Brasil. Fazemos fronteira com 10 países da América do Sul, sendo mais de 16 mil quilômetros de divisas, além dos 17 mil km de litoral. No geral, são 8,5 milhões km² de terra para “defender a honra, a integridade e a soberania da Pátria contra agressões externas”, como está na redação da lei que rege as Forças Armadas.
Treinamento Apesar do contingente insuficiente para tanta terra, o Brasil tem o 13ª maior número de combatentes entre 142 países, segundo o site especializado Global Fire Power, que reúne diversas informações bélicas pelo mundo. Na América Latina, o Brasil é a nação com mais soldados na ativa. O segundo sul-americano é a Argentina, com 83 mil ativos, ocupando o 37º lugar do ranking mundial. Com tanta gente na ativa, como prepará-los para um eventual conflito? Não é tarefa fácil para um país pacífico como o nosso.
“Achava que pegaria em armas, sairia um perito, pronto para ser um combatente, mas não estou preparado para nenhuma guerra que o Brasil participe. O que mais fiz foi montar guarda no quartel e fazer trabalhos internos. Essas piadas de pintar meio-fio é verdade mesmo. Mas foi uma boa experiência e vou querer seguir carreira. Agora é estudar para ser oficial da Marinha, pois soldado só se lasca”, disse um jovem recém-dispensado do serviço militar, que pediu para não ser identificado. Aliás, é bom adiantar que a maioria das fontes pediram anonimato.
É compreensível a frustração do jovem citado, mas também é preciso entender o lado das Forças Armadas, principalmente no aspecto dos Praças, que geralmente são militares com patentes baixas que não seguem carreira. Imagine um jovem de 18 anos que é alistado para servir alguma força. A duração do Serviço Militar temporário será de 12 meses, não podendo ultrapassar os 96 meses, caso o comando deseje manter o militar por mais tempo. Como treinar este soldado durante um ano inteiro (no mínimo) para uma eventual guerra que ninguém sabe quando vai acontecer? Apenas militares engajados recebem treinamentos específicos nas Forças Armadas (Antônio Oliveira / MD) “Todo mundo tem a ideia de que ao entrar no Exército você participará de treinamento o tempo todo. Não passam de três meses de treinamento de combate, com exceção dos Batalhões de Forças Especiais, como paraquedistas, por exemplo. É inviável”, disse um tenente da reserva que foi especialista em treinamento terrestre. “Além disso, todo recruta está aí para ser linha de frente, desde os tempos medievais. Ele tem que saber o básico: atirar. Eles vão ser a massa, vão para o campo e muitos vão morrer. Isso é em qualquer país. Para ser um Rambo, precisa ser das forças especiais. Esses são a nata da tropa, mas são poucos e raros”, acrescenta. O Brasil teve um bom exemplo disso. Na 2ª guerra mundial, o país enviou 20.573 homens, sendo 467 pracinhas (soldados) mortos, contra 13 oficiais.
Um soldado, independentemente se vai seguir carreira ou não, possui um treinamento básico, separado em três programas: instrução individual, adestramento, além da capacitação técnica e tática. Os dois primeiros são pacotes básicos para quando o bicho pegar. Caso o militar se engaje, se torne oficial ou entre em alguma tropa especializada, recebe o treinamento especial.
O adestramento é a parte mais divertida, dolorosa e prática dos jovens empolgados com a roupa camuflada. É nele que o soldado bebe sangue de galinha na selva, simula batalhas e exercícios práticos de combate e estratégias. A instrução individual é a parte teórica, com conceitos e orientações sobre como o soldado deve se comportar. Após isso, o soldado raso está teoricamente pronto caso o país precise dele numa guerra.
Voltemos ao hipotético conflito com a Argentina. Não são apenas os militares na ativa que serão convocados. Qualquer cidadão a partir dos 18 anos, mesmo que nunca tenha pegado numa arma, pode ser chamado. Tudo depende da necessidade do país, seguindo uma ordem de convocação: militares da ativa, os que estão na reserva, seguido de forças auxiliares, como policiais militares, por exemplo. Na reserva, o Brasil tem a disponibilidade de 1,3 milhão de pessoas.
Depois deles, caso o Brasil precise de mais pessoas para o combate, chega a vez dos civis. Em tempos de paz, um cidadão pode ser convocado até 45 anos. Porém, em tempos de guerra declarada, não existe uma idade específica, tampouco sexo. Mulheres civis, por exemplo, podem trabalhar em hospitais e na logística, assim como homens mais velhos ou portadores de necessidades especiais. Tudo vai depender das circunstâncias.
Mulheres O contingente feminino, inclusive, ganhou grande importância no quadro militar das Forças Armadas. Para a Constituição Federal, apenas homens possuem alistamento obrigatório, o que não impede as mulheres de ingressarem nas forças por meio de concurso público. O primeiro concurso que abriu vagas para o quadro feminino aconteceu em 1980, na Marinha. A Aeronáutica veio em seguida, dois anos depois. Somente em 1992, em Salvador, o primeiro contingente de oficiais femininas se formou no Exército. Atualmente são quase 34 mil brasileiras nas Forças Armadas.
Elas passam pelo mesmo treinamento de adestramento já citado, mas suas funções são cruciais para o desenvolvimento de tecnologia, como é o caso da baiana Sarah Barbosa Veiga, oficial da Marinha. “Trabalho na área de Energia Nuclear. Sou técnica em química e entrei com essa função dentro da Marinha, inicialmente não tinha muita noção do que faria, mas foi um processo muito bom para meu crescimento profissional, não imaginava mesmo que seria tão bom”, disse Sarah, que também trabalha na área de construção do primeiro submarino com propulsão nuclear no Brasil, com previsão de entrega para 2029. O Brasil possui um porta-helicóptero (Ministério da Defesa) Além da força dos seus soldados, uma nação também precisa de equipamentos bélicos. No quesito geral, entre tropa e aparato, o Brasil ocupa a 10ª posição no ranking mundial. Parece bom, mas o país trava na manutenção de equipamentos obsoletos para proteger o território nacional. Para se ter uma ideia, as Forças Armadas não possuem porta-aviões. O único, o São Paulo, foi vendido como sucata há dois anos. Segundo o Livro Branco de Defesa Nacional, a maioria dos caças do modelo AF-1B Skyhawk, pertencentes à Marinha, são dos anos 70. A Aeronáutica ainda batalha para adquirir 36 novos caças do modelo F-X2, enquanto o AMX A-1, que deixou de ser fabricado em 1999, defende nosso espaço aéreo. O Mirage 2000 foi aposentado em 2013.
No terreno, boa parte dos tanques de guerra possuem mais de 40 anos de utilização. O número de equipamentos terrestres mal dá para cobrir as fronteiras. No país, ainda segundo o Livro Branco (a última edição foi em 2019), apenas São Paulo tem uma brigada de artilharia antiaérea. Na Bahia, por exemplo, não existe nenhum equipamento blindado, brigadas ou artilharia. Procuramos a 6ª Região do Exército, aqui no estado, mas não obtivemos retorno até o fechamento da edição.
Recentemente, as Forças Armadas começaram a aposentar o fuzil francês FN FAL, a principal arma de alto calibre utilizada pelos soldados desde a década de 60. O novo fuzil é de fabricação brasileira e se chama IA2. E a munição? “Não é de agora que se fala sobre a falta de munição nos quartéis. Não é nenhum absurdo dizer que só temos munição para uma hora de combate em caso de conflito com outra nação. Mal temos munições para treinar os soldados”, revelou um tenente do Exército.
“Ninguém vai dizer para sua nação que o seu Exército é fraco. Vamos vender a ideia que a coisa funciona, mas não é bem assim. Quem se lembra daquele desfile em Brasília com os tanques soltando fumaça? A Ucrânia é outro exemplo. Tinham um Exército fraco e agora o presidente pede para a população pegar em arma contra a Rússia, uma potência bélica. Se a população civil se armar para o combate, vira combatente no conflito. Sem farda, mas vira combatente e deixa de ser civil”, completa o oficial.
Para este ano, o Governo Federal destinou R$ 8,7 bilhões para o Ministério da Defesa gastar com equipamentos e serviços. Maior, inclusive, que os investimentos com saúde (R$ 4,6 bilhões) e educação (R$ 3,4 bilhões). Diante disso, nada melhor que manter a fama de país pacífico e deixar essa zorra quieta. Como diria Sun Tzu, no livro A Arte da Guerra: “O verdadeiro objetivo da guerra é a paz”. A paz já temos.
Como o Brasil pode declarar guerra?Ameaça Não adianta apenas não gostar do país. É preciso que o Brasil receba uma ameaça iminente, como invasão de território, por exemplo. Quem declara guerra? “É competência privativa do Presidente da República declarar guerra. No entanto, ele necessita de autorização do Congresso Nacional para realização deste ato, sob pena de crime de responsabilidade”, disse Igor Correia Peneluc, advogado e professor da UniFTC na área de direito constitucional. O que acontece com a guerra declarada? Se aprovada, a União pode mudar algumas regras do nosso cotidiano e direitos. Inclusive o Brasil pode adotar até pena de morte, mas para casos específicos de crime de guerra.
Raio-x das Forças Armadas
TROPAS Militares na ativa: 362.690 mil (Oficiais, Praças e temporários)
Exército: 214.604 (13.009 mulheres)
Marinha: 77.189 (8.413 mulheres)
Aeronáutica: 70.897 (12.538 mulheres)
Reserva: Cerca de 1,3 milhão
População apta para convocação: 86 milhões (estimativa)
FORÇA TERRESTRE Tanques: 439
Veículos blindados: 1.958
Artilharia autopropulsada: 136
Artilharia rebocada: 546
Lança-foguetes: 78
Armas nucleares: 0
FORÇA AÉREA Total de aeronaves: 679
Caças: 42
Aeronaves de ataques dedicados (Tucanos): 77
Helicópteros: 179
Helicópteros de ataque: 12
FORÇA MARÍTIMA: Porta-aviões: 0
Porta-helicópteros: 1
Submarinos: 7
Submarinos nucleares: 0 (Um está em construção, previsão para 2029)
Fragatas: 6
Corvetas: 2
Navios de patrulha: 22
FORÇA DA MAIOR POTÊNCIA BÉLICA DO MUNDO (ESTADOS UNIDOS): Militares na ativa: 1.390 milhão
Tanques: 6.612
Caças: 1.957
Porta-aviões: 11
Submarinos: 68