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Da Redação
Publicado em 2 de abril de 2022 às 07:00
Os problemas vieram após uma mudança de cabelo. No final de 2017, a estudante de Direito Maria Antônia Desidério, 21 anos, fez o 'big chop' - um corte que retira toda a parte alisada do cabelo ou com vestígios de química. Na época, era aluna do Colégio Militar de Salvador (CMS), onde entrou em 2013 depois de ser selecionada por concurso público.
Até então, ela alisava os cabelos. Ao longo dos cinco primeiros anos, Maria Antônia nunca levou reprimendas quanto à aparência - a apresentação é um dos itens de cuidado obrigatório em instituições militares ou militarizadas. Mas, dali em diante, a coisa mudou de figura. "Em 2018, quando meu cabelo começou a crescer, comecei a tomar advertência porque ele estava fora do padrão. Só que é uma coisa estranha, na verdade, uma coisa racista mesmo, porque o manual tinha modelos de meninas. Mas todas as meninas eram brancas", lembra, referindo-se à cartilha com as orientações quanto ao dress code da escola. "O tipo de cabelo curto previsto era chanel. Meu cabelo curto nunca vai ficar chanel", acrescenta. A discussão sobre cabelos crespos em colégios militares cresceu nos últimos dias depois do caso da adolescente Eloah Monique, 13, na Escola Municipal Dr. João Paim, em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador. No dia 21 de março, ela foi mandada para casa ao chegar à instituição - uma escola militarizada, com convênio com a Polícia Militar - com o que foi considerado um penteado ‘inadequado’.
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A mãe da jovem, a vigilante Jaciara Tavares, 31, denunciou que a situação foi motivada pelo fato de Eloah ter cabelos crespos - o funcionário, um PM da reforma, teria dito que o cabelo da menina estava ‘inchado’. Tanto a diretoria da escola quanto a Secretaria Municipal de Educação de São Sebastião do Passé e a PM negam. Segundo eles, a medida - após advertências verbais em dois dias da semana anterior - foi motivada pela forma como a estudante arrumou o cabelo, não pelo tipo do fio.
Mas, para jovens como Maria Antônia, que viveram situações assim em suas respectivas escolas, a situação de Eloah foi um gatilho para trazer as memórias de volta. No CMS, ela diz que a postura de professores e oficiais era de que a questão do cabelo não era um problema, ainda que estudantes pensassem diferente.
"Eu achava que era um problema com Maria Antônia, mas é um problema com todas as meninas negras e com os meninos negros também, porque eles levam mais advertência com corte de cabelo do que os meninos brancos. Eles têm que cortar muito mais vezes o cabelo do que meninos brancos que às vezes ficam com a franja enorme e os caras não punem", diz.
O caso ainda coloca luz sobre uma realidade em crescimento na Bahia: as escolas militarizadas. O estado já despontava como um dos expoentes da educação militar no Brasil, não apenas pelo CMS, mas pelos Colégios da Polícia Militar - vinculados ao governo estadual, só em Salvador são cinco unidades.
Além disso, desde 2018, existem os convênios para a transformação de escolas municipais em escolas militarizadas, numa gestão compartilhada entre a prefeitura e a PM. É numa delas que Eloah estuda. Em menos de quatro anos, quando foi inaugurada a primeira dessas escolas, em Campo Formoso, o convênio deu um salto. Hoje, são 117 instituições do tipo, em cerca de 100 municípios baianos.
Manual O problema é que, segundo alunos e ex-alunos, nem sempre as instituições militarizadas conseguem se adaptar à realidade dos estudantes. Quando percebeu o que provavelmente estaria por trás das advertências que começou a levar no CMS, a estudante Maria Antônia Desidério passou a ter um objetivo: mudar o manual dos alunos.
Tirou fotos dela própria e de outras amigas negras para enviar à diretoria. Para alguns, a mudança seria pequena - trocar fotos para imagens que contemplassem a realidade de uma escola em uma cidade de população majoritariamente negra. Mas não adiantou. Nunca conseguiu levar adiante.
No regulamento, por exemplo, não havia previsão do cabelo black power ou de tranças afro, mesmo que as estudantes usassem um coque. Por alguns anos, ela diz que notava uma certa 'interpretação' do manual em Salvador, por parte de alguns militares. Alguns, considerados por ela mais 'progressistas', não viam problema nas tranças. Outros, porém, sempre as proibiam. Virava rotina, então, entre os alunos, tentar fugir de alguns militares ou mesmo de não cruzar com eles.
Era a mesma coisa com o cabelo black de Maria Antônia. Ela nunca foi impedida de assistir às aulas, mas vivia em estado de alerta. Em 2019, em um ano já difícil pelo calendário dos vestibulares e do Enem, ela chegou a pensar em voltar a alisar o cabelo, para evitar mais repreensões, mas acabou não fazendo. "Na minha época, não tinha muita menina negra estudando lá, ainda que fosse uma quantidade maior do que nos particulares. Todas botavam muito gel, tinham que acordar não sei quantas mil horas mais cedo, esticavam para caramba com a escova ou até alisavam mesmo para poder fazer o coque", diz. As tranças dependiam mesmo dos comandantes do batalhão. "Sempre era uma coisa incerta. Ninguém sabe direito, era uma anomalia. Uns ligavam, outros não estavam preparados e era uma coisa de todo o sistema", lamenta. ‘Abacaxi’ A notícia sobre o caso de São Sebastião do Passé também fez Diana*, 22, lembrar de uma situação que viveu quando estudava na unidade Dendezeiros do Colégio da Polícia Militar (CPM). Naquele dia, anos antes, as estudantes estavam se apresentando para a conferência com o uniforme da Educação Física.
O padrão, nesses dias, era de rabo de cavalo no cabelo para as meninas. Diana passou incólume pela revista, sem nenhuma advertência. Outras duas colegas - ambas de cabelo crespo, porém - levaram a punição. O capitão encarregado da fiscalização anotava os nomes e, segundo ela, debochava das alunas. "Ele dizia 'venha cá, cabelo de abacaxi. venha cá, cabelo de cebolinha', para elas. O padrão do CPM é branco?", questiona.
Diana decidiu intervir. Ao ver que as duas colegas não se sentiam à vontade para reclamar, foi até o major responsável - um homem negro - falar sobre a situação. Pediu que o major a advertisse, já que o capitão não tinha feito o mesmo e ela usava o mesmo penteado, mas tinha o cabelo liso. "Eu disse: 'consta no manual que o cabelo deve estar com rabo de cavalo. O senhor está vendo algo diferente de rabo de cavalo aqui?'. O major chamou a atenção desse capitão e foi uma situação bem desconfortável". A auxiliar administrativa Hanna Ferreira, 22, estudou por 12 anos em colégios da PM - primeiro, a unidade Dendezeiros; depois, foi transferida para a do Lobato. Durante todo o tempo em que esteve na instituição, alisou os cabelos. Até então, nunca tinha pensado em assumir os cachos.
"Lá dentro, era uma raridade ver uma pessoa com o cabelo crespo de black ou só cacheado mesmo. Tinha que estar cheio de gel, sem nenhum fio para trás. O grande problema é que tinha que estar com o cabelo liso para trás, independente de ser liso", diz.
Só que um cabelo crespo não fica igual a um cabelo liso em penteados, como reforça a trancista e cabeleireira Andrezza Miranda, especializada em crespos e cacheados. Ao apertar as madeixas para fazer um rabo de cavalo ou um coque, por exemplo, os fios lisos vão fazer com que o elástico termine escorrendo. Eventualmente, o penteado ficará mais folgado. “No cabelo crespo ou cacheado voltado ao crespo, não tem isso. Se apertou, vai ficar apertado. Não vai escorrer, até por conta do afro puff (penteado que lembra um coque). Isso é muito prejudicial, imagine todos os dias ter que fazer isso estimulando o seu bulbo capilar e a alopecia, ou seja, perder o fio da região e não crescer mais pelo estresse de tracionar todos os dias”, pontua. De acordo com ela, as box braids, que são as tranças feitas desde a raiz do cabelo, foram usadas no início também para simular um cabelo liso trançado. Era uma forma de camuflar o cabelo crespo ou cacheado. “Que bom que isso, hoje em dia, caiu bastante e as tranças são usadas como aceitação. Da mesma forma, estimular o cabelo curto como chanel liso é de tamanha estupidez porque o crescimento do crespo é diferente do liso, que cresce para baixo”, completa.
Trança A adolescente Eloah Monique começou a estudar no Colégio Municipal Dr. João Paim em 2019, justamente quando começou a transição para o modelo militarizado. A situação com a jovem aconteceu durante três dias diferentes, segundo a mãe da adolescente, a vigilante Jaciara Tavares. Primeiro, no dia 16 de março, ela foi à escola usando tranças tipo dread. Estava com o coque obrigatório, com a redinha de cobertura, mas os funcionários disseram que ela não poderia usar as tranças.
Segundo a escola, ela estava com tranças cor de rosa. A mãe diz que Eloah tinha duas ou três tranças com detalhes em rosa. Nos colégios militares, não é permitido usar cores de cabelo diferentes das naturais ou muito chamativas. Assim, naquele mesmo dia, Eloah tirou as tranças em casa. "No outro dia, ela foi com o cabelo normal e disseram que era pra apertar mais o cabelo. E você sabe a dificuldade que é para uma pessoa de cabelo black apertar o cabelo. Precisa de bastante creme, gel, para fazer um coque decente como o que eles pedem. E disseram que o cabelo dela estava inchado", conta a mãe, referindo-se à quinta-feira, dia 17. Na segunda-feira, 21, Eloah não teria nem mesmo conseguido acessar a área da escola. Da entrada mesmo teria ouvido de um dos PMs que ela não estava adequada às regras da escola e deveria pedir à mãe que a matriculasse em outro lugar.
"Ela não tem culpa que o cabelo dela é crespo. Inclusive, no dia do fato, ela xingou o próprio cabelo. Disse 'tudo isso por conta desse diabo desse cabelo'. Imagine a raiva que ela não sentiu do próprio cabelo. Uma pessoa dessa pode se desgostar o resto da vida porque uma pessoa fez isso. A mente dela não é a mente de um adulto, ela ainda está em formação", afirma Jaciara. A cartilha de orientação dos alunos na escola João Paim foi criticada pela mãe da adolescente, por não trazer exemplos de meninas negras (Foto: Reprodução) Jaciara chegou a pedir as imagens das câmeras de segurança da escola, para tentar ver o exato momento em que a filha é mandada para casa, mas ouviu que a câmera que registra o local exato estava com defeito. Ela conversou com o PM e com a diretora da instituição, além de ter registrado o caso na delegacia. "Os policiais militares (da companhia da região) foram lá no outro dia e ele continuou dizendo que minha filha não estava seguindo as regras da escola. Inclusive, ele usou o termo 'se for possível, alisa o cabelo dela". Ela critica, ainda, a filha ter sido mandada para casa sozinha, sem a ciência dos pais. "As pessoas têm que se colocar no lugar do outro. Imagine ela indo embora depois de ter passado a vergonha toda na frente das pessoas. Ela tem o cabelo crespo e aceita, por isso é uma indignação tão grande", completa.
Diálogo Tanto a diretora da escola quanto a Secretaria de Educação de São Sebastião do Passé e a PM negam que o policial instrutor tenha dito para Eloah alisar o cabelo. A secretária de Educação da cidade, Heide Andrade, ponderou que muitos estudantes da instituição têm cabelos crespos.
O problema com a aluna, no primeiro dia, teria sido o cabelo colorido; nos dias seguintes, o coque estaria desarrumado, com fios de cabelo saindo do penteado. "Em momento algum, o diálogo que tivemos foi de estimular situações discriminatórias. A gente vem trazendo a necessidade de se cumprir o que está proposto no manual. Nossa escola tem a maioria de alunos negros ou afrodescendentes e com cabelos crespos, seus coques", cita.
Quanto à ida da aluna para casa, a posição da escola é de autorizar os estudantes que já têm o costume de ir e voltar para casa sem acompanhante - que era o caso de Eloah. O PM envolvido na situação continua trabalhando na escola. "A gente não está descartando a hipótese de diálogo e esclarecimento da situação. O que a gente pode fazer em questões pedagógicas é minimizar qualquer dano que possa ser causado nessa aluna, porque, se ela está trazendo, é porque incomodou. Já colocamos como pauta na escola para intensificar projetos e rodas de conversa sobre questões inclusivas e todo tipo de diferença", enfatiza. Convênio Em São Sebastião do Passé, o município tem sete instituições de Ensino Fundamental II (vão do sexto ao nono ano). Segundo a secretária de educação, há fila para matricular os filhos na Dr. João Paim, a única militarizada entre todas.
Mas ter ao menos duas escolas de Ensino Fundamental II é um dos critérios do chamado Modelo CPM de Gestão Compartilhada. Além de a metodologia só ser implantada nas séries do 6º ao 9º ano, é preciso haver mais instituições na cidade, para que estudantes não se sintam obrigados a estudar na que é militarizada. A ideia é que eles possam fazer a escolha, como explica a major Fabiana Guanaes, coordenadora da iniciativa.
A ideia para o modelo surgiu em 2018, por criação do então comandante-geral da PM, o coronel Anselmo Brandão. Historicamente, os colégios da PM são considerados um sucesso nos municípios onde há unidades, como Feira de Santana, Ilhéus e Teixeira de Freitas. Por isso, era comum que as prefeituras solicitassem a implantação, como conta a major. No entanto, a instalação ainda é um processo complexo, que precisa também de um efetivo grande de policiais. Hoje, são 15 em toda a Bahia.
Assim, em pouco tempo, o novo projeto conseguiu atingir muito mais municípios, chegando a praticamente um quarto do estado."As demandas das prefeituras são espontâneas. O prefeito envia um comunicado ao Comando-Geral e, quando a gente recebe, damos início ao processo observando os critérios da implantação", diz Fabiana. A prefeitura deve informar, ainda, a quantidade de alunos na escola que fará parte do projeto, para que a PM possa calcular quantos policiais da reserva remunerada precisam atuar na disciplina dos alunos. Há, assim, uma divisão de atribuições: a disciplina fica a cargo da PM, enquanto a parte pedagógica continua com a administração municipal. Os policiais passam por uma avaliação psicológica, já que vão atuar com crianças e adolescentes, e são selecionados a partir disso.
O modelo será, então, apresentado às autoridades do município, à comunidade escolar e aos pais dos alunos, para que só depois disso assinem um termo de compromisso. Depois dessas etapas, o comandante-geral da PM vai à cidade para assinar um termo de cooperação técnica e toda a apresentação do modelo é feita novamente. Assim, as prefeituras já saem das reuniões com os manuais de informe e de estrutura física, além da cartilha do aluno. O tempo para a implantação pode variar de município para município, mas dura em torno de duas semanas.
Pela boa avaliação entre as prefeituras, a tendência é que o projeto continue sendo ampliado e levado a mais escolas. Segundo a major, a procura dos pais pelas escolas militarizadas se tornou comum nos municípios onde já há escolas conveniadas. "A minha mesa é repleta de solicitações de diversos municípios. Estão todos entrando em análise de viabilidade", adianta.
A cartilha do aluno é repassada a todos os estudantes. O lema da PM é de que a apresentação pessoal é a comunicação não-verbal de um indivíduo, logo, há um padrão comum para toda a escola. De acordo com a major, o cabelo curto pode ser de todo jeito, desde que fique acima da gola da camisa. Se for maior do que isso, é preciso usar um coque, no caso das meninas. O uniforme das escolas militarizadas também conta com um chapéu (Foto: Divulgação) O uniforme das escolas militarizadas não é o mesmo dos colégios militares, mas segue a mesma lógica. Há, inclusive, um chapéu que lembra a boina usada nos CPMs ou no CMS. Seria esse, portanto, o balizador do penteado das estudantes. "A questão não é a trança. A trança pode. A questão é o volume que se dá para entrar no gorro. Se (o cabelo) entrar e ficar assentado, pode. A gente nunca está se referindo ao tipo do fio do cabelo, mas à forma como se arruma", afirma ela. "A questão que me passaram é que ela foi um dread rosa que fazia volume e não estava adequado ao modelo. A gente fica extremamente triste com essa notícia, porque entende que não é o nosso objetivo. Nosso objetivo é levar disciplina à vida das crianças e adolescentes no intuito de trazer prosperidade no futuro", completa. Ensino Normalmente, o que motiva estudantes e suas famílias a buscarem colégios militares é a qualidade do ensino. De modo geral, todas as ex-estudantes ouvidas pela reportagem destacaram bons professores e os benefícios de terem aprendido a se virar por lá. Alguns gatilhos, porém, permaneceram.
"O CMS me deu uma base estrutural muito boa. Tive acesso a esportes, viagens, bons professores. Mas era como se aquele lugar não pertencesse a mim. À medida que fui crescendo, fui compreendendo que, mesmo que seguisse todas as regras, todos os protocolos, a minha pessoa não era prevista, mesmo que falassem que todo mundo era igual", conta a estudante Maria Antônia Desidério.
Para a jovem Diana*, que estudou no CPM Dendezeiros, os anos em que esteve na instituição foram importantes para aprender sobre horários, responsabilidade e hierarquia.“Eu trago isso até hoje para o meu trabalho. Foi um colégio que me trouxe muita coisa, apesar de eu não gostar do militarismo em si e das regras exacerbadas. Infelizmente, o que tem que ser feito agora é falar e não aceitar esse tipo de coisa (como a situação do cabelo). Eu digo que vi o caso dessa menina dentro da minha escola porque não é um caso isolado. É comum, frequente e a gente tem que contar”, reforça. Segundo a major Fabiana Guanaes, o projeto sempre pode rever e melhorar as práticas. "Claro que vamos rever nossos processos porque nada é fixo. A gente melhora as demandas para as crianças e adolescentes, mas regras existem em qualquer lugar. Nossa disciplina não está baseada apenas na comunidade escolar naquele momento e sim quando o aluno sai e vai para o mundo corporativo. Tem regras, normas e prazos que precisam se adequar para ter uma vida de sucesso lá fora".
São comuns, diz ela, os depoimentos positivos de pais de estudantes que agora estão nas escolas militarizadas. "Os pais falam da diferença do comportamento do aluno que está nessa filosofia, nesse regulamento de ordem, de valores, porque a disciplina não é a obediência de regras e normas por si. É uma perspectiva de vida", acrescenta.
Autorizado Já o Exército Brasileiro, através do Centro de Comunicação Social, informou que, no Sistema Colégio Militar do Brasil, existe uma regulamentação para a apresentação individual dos alunos, sem distinção por tipo de cabelo.
Segundo o Exército, uso de tranças do tipo box braids e cabelo estilo Black Power são autorizados, assim como quaisquer outros tipos de cabelo, desde que sigam a orientação prevista no regulamento interno.
No caso do Colégio Militar de Salvador, o Exército diz que há monitoras - as responsáveis por acompanhar disciplinarmente os alunos - que usam cabelos com tranças tipo box braids e cabelo estilo Black Power.
“Assim, resta claro que não há diferenciação, para fins de advertência disciplinar, para alunas com quaisquer tipo cabelo. Por fim, o Exército Brasileiro não coaduna com qualquer tipo de preconceito de raça, cor, etnia e religião”, completam.
‘Qualquer regra que não respeita a diversidade étnico-racial é racista’, diz pesquisadora
A violência simbólica contra estudantes negras e negros, em muitas situações, não é feita abertamente. Quem diz isso é a professora Kátia Barbosa, mestra em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), integrante do Coletivo Angela Davis e autora do livro 'Cabelo ruim? Que mal ele te fez?'.
Segundo ela, a condução dessas situações, porém, faz com que alunas e alunos internalizem que seus cabelos não são 'adequados'."O cabelo crespo tende a ser volumoso, a crescer para cima e o próprio Black Power mostra isso. Quando questionamos várias meninas e mulheres negras sobre experiências racistas, negativas sobre o cabelo crespo e/ou cacheado, muitas vão relembrar e falar de episódios ocorridos dentro da escola", argumenta. Por vezes, esses episódios revelam situações com palavras pejorativas como 'cabelo ruim', 'inchado', 'armado', 'juba' e 'bucha'. Assim, muitas entendem que, para ser aceitas, precisam alisar o cabelo. O que a pesquisadora chama de 'disciplinamento' capilar seria, portanto, uma recolonização através da estética - e, portanto, fere o pluralismo, a tolerância e a educação pauta no antirracismo. "Qualquer regra, padrão, norma que não respeita a diversidade étnico-racial é excludente e racista. É inadmissível que as ações e os saberes ainda sejam trabalhados numa perspectiva conservadora e eurocêntrica", reforça. Para ela, uma das principais diferenças entre as escolas militares ou militarizadas e as que não são assim é que as primeiras teriam legitimidade para 'excluir', com base nas cartilhas de conduta.
"Esse documento deixa bem claro que é 'vetado o uso de penteado exagerado (cheio ou alto)' e analisando um dos penteados mais utilizados por meninas e mulheres negras que é o Afro Puff, não precisa nem escrever que o corpo e cabelo das pessoas negras não são respeitados e que a metodologia aplicada nessa escola é predominantemente de um referencial branco e europeu de modelo de beleza, civilidade e de conhecimento", completa.
Na última terça-feira (29), a Defensoria Pública da Bahia (DPE) requisitou esclarecimentos ao Colégio Municipal Dr. João Paim quanto às providências adotadas no caso da adolescente.
“A escola é um instrumento de enfrentamento do racismo estrutural, por isso cabe à instituição a promoção da educação antirracista e não perpetuação de discriminação e preconceitos. É responsabilidade da instituição a preparação e a formação do seu corpo docente e de seus funcionários com o fim de prevenir e coibir tais atos, podendo a omissão implicar o manejo de todas as medidas administrativas ou judiciais cabíveis”, afirma a defensora pública Eva Rodrigues, em nota.
*Nome fictício