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‘É um pesadelo ainda longe de acabar’, diz pesquisadora da Ufba sobre manchas de óleo

Diretora do Instituto de Geociências da Ufba, Olívia Maria Cordeiro de Oliveira ajudou PF a encontrar navio suspeito

  • Foto do(a) author(a) Hilza Cordeiro
  • Hilza Cordeiro

Publicado em 3 de novembro de 2019 às 06:20

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Da suspeita de existência de ouro no quintal dos avós, em Teofilândia, Nordeste da Bahia,  até a descoberta da origem do petróleo que ainda assola a costa nordestina, Olívia Maria Cordeiro de Oliveira, 51 anos, foi sempre motivada pela curiosidade e pelo desejo de entender o mundo além da superfície. Quando veio à tona que o óleo se aproximava da Bahia, ela, atualmente diretora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo-Ufba), logo viu que a sua equipe tinha total capacidade de ajudar a investigar o mistério sobre a origem do material que assustava a todos. Na ocasião, a Marinha do Brasil já havia emitido um laudo feito pela Petrobras atestando que o óleo era similar ao de uma bacia petrolífera venezuelana, mas isto não foi suficiente para dizimar as dúvidas e chegou-se a levantar um problema ético: a Petrobras poderia estar investigando a si própria.

 Isento  Sem ter acesso às investigações e pensando oferecer um estudo isento, pesquisadores do Igeo e da Universidade Federal de Sergipe (UFS) entraram em parceria para coletar amostras do óleo para análise. Utilizando equipamentos chamados de cromatógrafos, eles viram os compostos presentes e a era geológica a qual pertenciam. Resultado: chegaram à mesma conclusão que a Petrobras e o laudo emitido pelo Igeo foi incorporado às investigações da Polícia Federal. Agora, Olívia considera encerrado o trabalho de “geoquímica forense” e relembra o papel da universidade pública no problema, que, este sim, está longe de acabar.  (Foto: Betto Jr./ CORREIO) Quem é  Olívia Maria Cordeiro de Oliveira | Graduada em Geologia pela Universidade Federal da Bahia (1992), Mestrado em Geologia pela mesma instituição, Doutorado em Geoquímica Ambiental pela Universidade Federal Fluminense (2000). Atualmente é diretora do Instituto de Geociências (Igeo) da Ufba e, em 51 anos do Igeo, é a segunda mulher a ocupar este cargo  

O que moveu vocês a participarem desse processo? Nos perguntavam 'Por que vocês vão coletar amostras?'. Existe toda uma história, um preâmbulo sobre a quebra do monopólio das empresas petrolíferas no Brasil. O governo investiu para que outras instituições tivessem instrumentos analíticos e de pessoal para adquirir expertise em petróleo e nós começamos a trabalhar nisso.  Era uma área muito fechada, uma única companhia tinha o conhecimento. A disciplina de Geologia do Petróleo nem existia, eu cheguei em 2006 como professora dela. Então, como gestora, eu me senti na obrigação de fazer algo porque estava chegando até nós. É uma obrigação ética, moral e institucional.  Ao longo de todos esses anos, tivemos investimentos para fazer justamente isso, sermos independentes, e ainda não havia um laudo decisivo.  Meu Deus, tivemos essa coragem de ir na frente de todo mundo falar que era de origem venezuelana, sabendo tudo o que podíamos ouvir. As pessoas se perguntavam: 'Será que é venezuelano mesmo?' Foi um desafio e eu nem pestanejei, estávamos no calor da análise. Eu me mostrei porque é ciência e há muita confiabilidade no laudo que produzimos.

Em que momento vocês passam a colaborar oficialmente? Depois da coletiva que a Ufba promoveu para apresentar o laudo [10 de outubro], eu pensei que nosso trabalho estava encerrado. No outro dia, recebi uma ligação do delegado do caso solicitando o nosso laudo e pedindo colaboração a partir dali. O pessoal de criminalística da Polícia Federal passou uma semana com a gente. Eles trouxeram outras amostras dos estados mais acima da Bahia e nós buscamos identificar o grau de intemperismo [conjunto de processos que podem alterar fisica e quimicamente o petróleo após derrame]de lá de cima até embaixo. Eu assinei um termo de confidencialidade sobre o que estávamos fazendo para não atrapalhar as investigações.  Analisamos também o conteúdo do barril de petróleo [encontrado em Natal, Rio Grande do Norte] e não achamos similaridade com o óleo que vínhamos analisando. Não temos ideia de como ele chegou ali. Ao mesmo tempo, o óleo já chegava aqui na Pituba, em Salvador, e foi um terror.

Agora nós também estamos em parceria com a Bahia Pesca, numa análise que está em andamento sobre a qualidade do pescado. O pessoal está dissecando os peixes para identificar a presença de hidrocarbonetos [compostos tóxicos] neles. Nossa equipe vai produzir um laudo, que será entregue ao órgão e caberá a eles as recomendações necessárias a partir daí.

Quais foram os estresses e as glórias de ter feito parte dessa investigação? A necessidade de velocidade da análise foi muito difícil. O óleo não parava de chegar e precisávamos de resultados o mais rápido possível para mostrar para a sociedade e ajudar a Polícia Federal. Um outro estresse foi que eu não tinha dúvidas do nosso resultado, mas a mídia e mesmo as pessoas questionavam a ciência. Tudo o que fizemos é baseado em ciência de 1º mundo, com seriedade e dedicação, não foi aprendida em um dia, são 19 anos de conhecimento. A glória é que sempre nos agradecem por nossa colaboração e pelo quanto nosso trabalho isento eliminou um grande percentual de suspeitas para a polícia. Fico feliz de saber que temos uma equipe com tamanha competência em ajudar nesse quebra-cabeça. Como mãe acadêmica da equipe, estou orgulhosa de cada um. Todo o Igeo e a Ufba devem ficar lisongeados e com certeza teremos mais desafios.  

Que desafios são esses? As investigações têm que dar conta de que o passivo ambiental seja colocado em prática. E há diversas outras unidades da Ufba que vêm colaborando, como o Instituto de Biologia, Instituto de Química, Medicina, Escola Politécnica e toda a área de Saúde. Eu considero a nossa parte de geoquímica forense encerrada, mas nós temos projetos de bioprocessos de remediação para diminuição do impacto do óleo no ecossistema. Nós encaminhamos para organismos federais as soluções feitas em projetos de pesquisa. Nada vai se resolver por tão cedo, mas temos tecnologias patenteadas para reduzir as consequências como a limpeza com algas, fibras de coco e sisal. (Foto: Betto Jr./ CORREIO) Como é mantido o laboratório atualmente e custo dele? E nos explique  passo a passo o processo de identificação do material. O custo é muito elevado pois todas as técnicas e procedimentos utilizados devem estar inseridos em normas laboratoriais especializadas bem como atender o Protocolo de Paris, com alguns objetivos dos 17 ODS da ONU e também com a economia circular. As amostras recebidas foram devidamente cadastradas e receberam um código específico para seu rastreamento ao longo dos diversos ambientes laboratoriais.  As amostras foram interpretadas comparando-as entre si e entre amostras de petróleo constantes do banco de óleos do Lepetro, obtendo-se extrema similaridade entre as amostras coletadas pela Ufba e PF entre si e entre amostra de óleo produzido em uma bacia petrolífera da Venezuela. 

Nesse momento em que se chega numa segunda etapa do caso, qual é hoje a dimensão da tragédia para você? A Bahia tem uma costa extensa e tem sido muito doloroso ver a quantidade de municípios costeiros atingidos. Cada notícia que recebemos com atualização nos entristece muito. Eu sei que o culpado será encontrado, mas o problema vai permanecer. Sinto-me num filme de terror onde o monstro sai do nosso mar e atinge nossas pessoas, nossa costa, impedindo a gente de se alimentar e de ter nosso prazer junto à beleza da nossa região. É um pesadelo ainda longe de acabar.

Estivemos no Lepetro e notamos que a equipe é quase toda formada por mulheres numa área historicamente dominada por homens. Você se vê como protagonista desse momento da mulher na ciência? Nunca pensei em ser protagonista, eu sou parte. Não faço as coisas pensando que sou mulher e tenho que mostrar que as mulheres podem. É uma luta, mas eu faço porque acredito que sei fazer e me dedico a tudo. Se alguém chega com preconceito, passa direto, eu não percebo. Em 51 anos de existência do Igeo, só duas mulheres foram diretoras. Eu e a professora Yeda Ferreira. Eu me orgulho muito disso.

As universidades públicas passaram por contingenciamentos e a Ufba chegou a ser acusada de fazer ‘balbúrdia’. O fato de as instituições de ensino terem participado dessa investigação pode trazer um olhar mais sensível sobre a produção acadêmica? Como pesquisadora e gestora, sempre pensei que se escolhi essa área como minha profissão, preciso viver ela e sonhar ela, independente do que o entorno possa afetar. Eu vou continuar produzindo ciência independente de qualquer situação. Nós vamos tentar conseguir sempre mais conhecimento e mostrar competência.

O que o Lepetro ganhou nessa história? Ganhamos visibilidade, reconhecimento. Não uma visibilidade interna da universidade, para fora. Para quem está ali trabalhando dia a dia é um oportunidade grande de mostrar que fez parte disso, uma sensação de realização. Todos os alunos ficaram sabendo que estávamos analisando o material. Os pesquisadores ficaram empolgados em saber que o conhecimento deles do dia a dia estava ali colocado na mesa, literalmente em prática. 

E você, como é foi parar nesse mundo do petróleo? Na minha adolescência, começou-se a falar da existência de ouro em Teofilândia e meus avós tinham uma área que estava em prospecção. Eu era adolescente e isso despertou um interesse em conhecer o que há embaixo daquele mundo que eu só via a superfície. Era uma área simples e que tinha tanta riqueza. Por que só os especialistas sabiam aquilo? E, nós, meros mortais não tínhamos ideia. Com 17 anos, fui morar em Salvador para estudar Geologia na Ufba. Graduei, fiz mestrado e doutorado na Universidade Federal Fluminense, onde eu estudei sobre a Baía de Camamu e a problemática da barita, um mineral que as companhias usavam na perfuração de bacias e que hoje é proibido. Estudei o impacto daquilo nos manguezais.  Sempre tive um amor muito grande pela Ufba e me tornei professora. Não é um curso fácil. No início o estudante encontra muita matemática e física. Quando eu cheguei, aquele sonho adolescente, de antes do vestibular, sobre riqueza e minérios caíram um pouco. É um choque chegar e encontrar. Agora, como docente, tento explicar melhor esse universo, que no começo é assim mesmo, para que não haja evasão.