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Fernanda Santana
Publicado em 24 de abril de 2021 às 11:00
- Atualizado há um ano
Enquanto deixava para trás um apartamento no bairro de Vilas do Atlântico, onde passou dez horas trabalhando, Elineide Constantino, 39 anos, pensava: “preciso ser remunerada melhor”. Diarista, tinha limpado o imóvel por boa parte do dia e ido embora com R$ 75 no bolso - metade do que costuma cobrar para faxinas pesadas como aquela. “Fiz porque precisava pagar as contas. É humilhante, eles sabem que a gente precisa”, conta.
Demitidas dos seus empregos formais, e com a escassez de diárias oferecidas, mulheres como Elineide pendem à vulnerabilidade. Um número ainda incalculável delas se tornou diarista durante a pandemia, prestando serviços domésticos semanais, sem vínculo trabalhista. Trabalham em, ao menos, três residências para ter um salário-mínimo mensal - R$ 1,1 mil.
Na Bahia, mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 106 mil pessoas empregadas em trabalhos domésticos ficaram desocupadas em 2020. Nos últimos três meses de 2020, 53 mil pessoas entraram no setor informalmente. Como 93% desse tipo de trabalho é feito por mulheres, pode haver uma conexão com a crescente de diaristas.
Depois de 17 anos como empregada doméstica numa casa em Salvador, Elineide foi demitida em novembro do ano passado. Os patrões queriam que ela dormisse na casa deles.“Tinham medo do coronavírus. Eram pessoas boas, mas eu não tive como”, lembra.Mãe de duas crianças, não podia ficar tão longe. O marido dela, pedreiro, está desempregado. Na semana seguinte à demissão dela, Elineide fez a primeira diária. Recorda que teve medo de estar na casa de um desconhecido durante a pandemia. Cinco meses depois, chega a trabalhar em quatro casas diferentes. No expediente, troca a máscara duas vezes.
Até março de 2020, havia 92 mil diaristas na Bahia, o sexto maior número do país, mas o IBGE não atualizou a contagem. Agora, quando aceitam faxinas, essas mulheres estão dispostas a ganhar menos. O custo de uma diária varia de R$ 120 a R$ 150. Mas, as propostas que oferecem de R$ 50 a R$ 80 estão mais frequentes, por um serviço que dura de oito a dez horas.
No mês passado, a proprietária de uma mansão em Interlagos, no Litoral Norte, pediu que Elineide limpasse o imóvel, com nove banheiros, por R$ 50. As diaristas afirmam que há patrões que usam a crise econômica da pandemia como justificativa para acordos abusivos.
Nem sempre as diaristas fecham o mês com um salário-mínimo. No antigo trabalho, Elineide ganhava R$ 1,3 mil. Agora, já terminou alguns meses com R$ 700 na conta - uma cesta básica custa R$ 429,14, calcula o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
A Federação Nacional de Empregadas Domésticas alerta que, durante a pandemia, além das tentativas de corte da remuneração das diaristas, há o desvio de função. “Existem mensalistas que viraram diaristas, às vezes na casa dos ex-patrões, que têm que fazer uma coisa, que precisariam de uma semana, em oito horas”, critica uma das diretoras, Milca Martins.
A informalidade do cotidiano das diaristas, no entanto, impede um mapeamento digno à realidade, frisa Milca.
Mulheres formam até fila para conseguir vagas como diaristas
Há três meses, Tassila Soares, 36, não é contratada para fazer faxina, pela qual costuma cobrar R$ 120. Desde então, diz mais “não” do que “sim” à filha de sete anos. É algo que dói a qualquer mãe. “Eu, particularmente, choro”, revela. Desde os 11 anos, em Vera Cruz, Tassila trabalha com serviços domésticos. Há dois anos, ela não tem a carteira assinada. “Meu marido vai ficar desempregado, porque a empresa que ele trabalha fechou e não sabemos como será”, compartilha ela, que não tem a carteira assinada como empregada doméstica há dois anos.Sobram mulheres como Tassila. Querem trabalhar a qualquer custo, mas não encontram saída. Tassila é religiosa e apela a Deus. Ela tem negado as faxinas, muitas vezes, pelo pagamento oferecido. “Já ganhei R$ 80 para limpar por dez horas uma casa de três andares”.
As diaristas até formam fila para tentar uma ocupação. Entre fevereiro e março, Clarissa Dantas, proprietária da Maria Brasileira, empresa de prestação de serviços domésticos de Salvador, se assustou com a quantidade de currículos de diaristas que recebeu. Foram 148. “Acredito que a pandemia tem impacto direto”, afirma Clarissa.
De forma geral, há uma recomendação de que os proprietários da casa não estejam presentes durante a faxina ou fiquem distantes e sempre de máscara. Mas, nem sempre há um cuidado recíproco. “Isso acontece muito: a pessoa não se proteger e mandar a diarista tirar a máscara: ‘pode tirar, não tenho essa besteira”, conta Clarissa.O regime das companhias que intermediam a contratação de contratam diaristas funcionada seguinte forma: 60% do pagamento fica com a diarista e 40% com a empresa.“O público que atendemos é A e B, um público que não vai botar a mão na massa empregadas”, detalha Jéssica Santana, ao afirmar que a demanda por diaristas não sofreu abalos na empresa.Mesmo pessoas contaminadas pelo coronavírus já tentaram contratar serviço de diaristas. Jéssica conta que dez pessoas com esse perfil já ligaram para a empresa, mas foram informadas que não seriam atendidos. Numa ocasião, a diarista só percebeu que a pessoa estava com covid-19 depois de chegar. Foi embora.
As empresas que prestam serviços domésticos de diaristas começaram a avançar em 2015, depois da aprovação da PEC das domésticas, que concedeu ao trabalhador doméstico os mesmos direitos trabalhistas que o de qualquer outro. Diante dos custos com os novos encargos, foi uma resposta do mercado.
Naquele ano, 795 empresas se cadastraram na Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb) para oferecer serviços domésticos. Ano passado, foram 1.478, 47% a mais. O número também contempla empreendedores individuais.
Um holofote em casa para pensarmos nós mesmos A contratação de diaristas tem acompanhado as taxas da covid-19. Caiu em março de 2020, subiu em outubro e voltou a cair no último mês. Os últimos quatro meses de 2020 fecharam com uma baixa histórica nos postos de trabalho para diaristas. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNDADC) mostra que 29,7% dos trabalhadores domésticos sem carteira assinada ficaram sem ocupação.
A queda de contratação ocorre, agora, por medo de alguns dos contratantes de se contaminarem e pela redução da renda deles, num momento de grande procura de mulheres sem outra opção trabalhista. “Mulheres que perderam seus empregos, até em outras ocupações, que vão tentar conseguir diárias, enfrentam dificuldades. Muitas não conseguirão”, explica Laura Myrrha, demógrafa, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.A realidade descrita por Laura é justificável. Quando o mercado de trabalho paralisa, os trabalhos informais ganham força. E, para as mulheres, a quem historicamente são relegados os serviços domésticos, faz sentido que ser diarista seja uma opção.
Geralmente, vagas de diaristas são buscadas ou por pessoas que não encontram um vínculo de trabalho fixo ou por aquelas que querem ter mais autonomia.
“Conforme cresce a escolaridade, e as mulheres começam a estudar e vão menos para o trabalho doméstico”, explica Jurema Brites, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que estuda o trabalho doméstico no Brasil desde os anos 90. “Mas chega o momento que se você é mulher e pobre, e as chances econômicas pequenas, esse tipo de trabalho informal volta a ser opção”. Até ano passado, a Bahia tinha 1,27 milhão de desempregados, segundo o PNDADC, a maior taxa do Brasil, onde 13,2 milhões estão sem emprego.
A pandemia coloca um holofote sobre nossas casas, acredita Brites, e esse tipo de trabalho informal.“Sempre houve um preconceito com o trabalho manual, como algo menos digno. Homens e mulheres não dividem esses serviços e a divisão sexual do trabalho fica ainda mais clara”.Agora, esse “preconceito com o trabalho manual” pode levar à contratação de serviços domésticos temporários mesmo em momentos de mais risco. Uma política pública que pense esse tipo de serviço poderia, acredita Brites, faria a diferença nesse sentido.
Há vertentes do feminismo, sobretudo da segunda onda, da década de 60, que aprofundam esse debate sobre o serviço doméstico. O que ele representa? Mas, o feminismo, pontua Jurema, “sempre foi uma política das elites” . “Enquanto não olharmos para o serviço doméstico, existirá um falso discurso feminista”.
O que isso ensina é que só ligando os holofotes das nossas casas, enxergaremos mais sobre nós mesmos.
Dicas para uma contratação saudávelEntenda a diária - Antes de contratar e cobrar pelos serviços feitos, entenda o que está incluído na diária, pois, a depender do acordo, a diarista faz apenas alguns dos serviços domésticos. Dispensa remunerada - Se for uma possibilidade para você, cogite dispensar a diarista e manter sua remuneração em um momento de alta da taxa de contaminados pela covid-19. Não deixe acumular - O serviço da diarista dura, geralmente, oito horas. Se os afazeres estiverem acumulados, é possível que uma só uma diária não dê conta do trabalho. Se necessário, chame de novo - Esteja consciente do tempo em que a diarista está prestando o serviço e pague outra diária caso o trabalho não tenha sido concluído. Atente aos valores - Cada tipo de serviço tem seu preço, procure não fazer propostas muito abaixo do praticado. Passos para uma faxina seguraSempre use máscara - Seja você patrão ou diarista, usem sempre máscara. para as diaristas, é recomendado fazer a troca durante o expediente. Evite contato - Se for chamar a diarista enquanto você estiver em casa, evitem ficar no mesmo cômodo ou fazendo tarefas juntos. Em caso de qualquer suspeita de contaminação, cancele a diária. Distância - Se possível, contrate a diarista quando você estiver fora - trabalhando, por exemplo. Transporte particular - Sempre que possível, ofereça transporte particular para buscar a diarista e levá-la em casa. Não deixe material contaminado - Não deixe máscaras usadas espalhadas pela casa ou outro tipo de material que possa ser potencialmente contaminante.