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Rua Ruy Barbosa possui 14 antiquários, que escondem raridades e antiguidades de dar inveja em museu
Da Redação
Publicado em 13 de novembro de 2022 às 05:10
- Atualizado há um ano
A rua Ruy Barbosa, em pleno Centro Histórico de Salvador, seria facilmente cenário para programas do History Channel, como Trato Feito ou Caçadores de Relíquias. Indiana Jones nem precisaria de tanta presepada, como chicotes, jaquetas de couro ou correr de bolas gigantes para conseguir uma raridade histórica. Nas calçadas de pedras onde o escritor baiano Ruy Barbosa nasceu e passou sua infância, abrigam diversas lojas de antiguidades, onde é possível encontrar um patrimônio perdido com raridades que vão desde figurinhas de copas antigas até bonecas de porcelanas francesas de 1873 que pertenceram à família Seabra. São verdadeiros museus perdidos, mas com uma diferença: você pode comprar e levar para casa.
Assim como alguns museus brasileiros, as lojas históricas e pouco conhecidas entre os baianos também pedem socorro. Apesar de fazer parte do Centro Histórico, a rua que abriga a casa onde morou Ruy ainda não foi contemplada com a revitalização e sofre com abandono e insegurança. A esperança agora é o novo projeto para um museu na Casa da Palavra Ruy Barbosa, que terá um investimento de R$ 7 milhões e promete colocar a rua no circuito turístico da capital, ainda sem data para conclusão.
Até lá, lojistas dos antiquários contam que cerca de 14 lojas de antiguidades funcionam no lugar, mas só encontramos quatro abertas. As outras preferem abrir em horários de maiores movimentos, geralmente pela tarde, aos sábados ou aderiram às redes sociais e só abrem sob encomenda. Uma pena, pois entrar nas lojas é como voltar no tempo com tantas coisas que remetem ao passado, onde nossa tataravó ainda era virgem. Dá para achar de tudo: lustres, brinquedos antigos, porcelanas, quadros, móveis de lei, relógios cucos, moedas antigas… Impossível imaginar algo e não encontrar lá.
Na loja GG Antiguidades, no meio dos brinquedos antigos, uma figurinha lendária chama atenção. Não se tratava daquela dourada do Neymar nesta Copa do Catar, mas do cromo do Mundial de 1978, na Argentina, do jogador Marek Dziuba, da Polônia. Para quem curte mundiais, o precinho também é convidativo: R$ 10. Nem dá tempo de se concentrar em apenas uma raridade. Ao lado do polonês, um autêntico Ferrorama da década de 80, perfeito para a garotada acima dos 40 anos ganhar de Papai Noel. Este pobre repórter resolveu coçar o bolso e comprar este sonho de criança, mas se frustrou:“Vendi tem uma hora. O rapaz vem pegar mais tarde, já fez até o pix. Aqui as coisas chegam e vão na mesma velocidade. Não fica quase nada”, disse Gildo Fortunato, dono da GG. Gildo vende de tudo, mas sua paixão são brinquedos antigos e raros. Ele procura pessoas que querem se desfazer, compra e revende. O Ferrorama ele conseguiu de um senhor que encontrou perdido no guarda-roupa. Ele vendeu por R$ 450. Apesar de vender produtos mais clássicos, seu foco é algo mais vintage, geralmente dos anos 70 e 80. Uma câmera polaroid, daquelas que tira a foto e revela na hora, funcionando, custa R$ 120. Atualmente este tipo de câmera é conhecida como Instax e pode ser encontrado na Amazon por R$ 550, mas sem o glamour de ser dos anos 80.
“Infelizmente, pouca gente de Salvador conhece o lugar. Vendo praticamente para pessoas de fora, além dos que já frequentam mais tempo a rua. Vem gente de todo o mundo bater perna aqui na Rua Ruy Barbosa, menos o soteropolitano. Inclusive alugo peças para aniversários temáticos, casamentos e até novelas e documentários. Já aluguei antiquários para novelas como Segundo sol, Tieta, Velho Chico… Qualquer produção de época vem aqui visitar as lojas. Somos bem conhecidos fora, exportamos para diversos países também”, conta Gildo, há mais de 30 anos no lugar.
Um museu Pouco mais de 30 metros da loja de Gildo, um casarão chama atenção. Uma música clássica, diversos quadros antigos pela parede e um clima de museu imperial. Imagens sacras, relógios cucos, móveis do Século XIX e Ademário Olímpio, dono do antiquário e sempre sorridente, fazendo questão de explicar a história de cada item, oferecendo água ou cafezinho, mostrando cada cômodo do casarão, todos repletos de raridades. É um museu informal.
“Eu digo que esta casa é como um orfanato. Acolhemos a peça e esperamos os pais adotivos chegarem. Tenho paixão por cada peça daqui e, por isso, quero conversar com o interessado até ver se ele, de fato, vai gostar daquilo que ele vai ‘adotar’. Procuro saber os mínimos detalhes de tudo, como, por exemplo, quando querem comprar um móvel, onde vão colocar, estas coisas. É um trabalho que envolve muito amor. É um filho que a pessoa está levando, pois são materiais para a vida toda”, conta Ademário, que também explica a história de quatro bonecas francesas de porcelana que chamam atenção no lugar. “Elas vieram da França em 1870 e pertenceram à família Seabra. Olha como são lindas, cada detalhe é feito de forma única, bem diferente dos materiais de escala industrial”, contempla. As bonecas custam R$ 6.500, o par.
Ademário acredita que a rua Ruy Barbosa, além de sua importância histórica, é também um lugar para preservar a memória através das antiguidades. Ele, inclusive, não gosta do termo centro comercial de antiguidades. Para ele, é muito mais que isso. “Não é comercializar por comercializar, pois não se trata de uma loja de móveis usados. Esta rua com seus antiquários trás um valor histórico imenso. Este casarão que estamos aqui tem 300 anos. É uma questão de arte e cultura, de valorizar o passado, pois o passado insiste em viver nesta rua pouco conhecida entre os soteropolitanos. A história precisa ser conservada e cada peça desta conta uma história”, conta Ademário, emocionado.
Para Ademário, a revitalização, reforço na segurança e reabertura da Casa da Palavra Ruy Barbosa darão uma nova vida ao lugar, mas não é o bastante. É preciso também uma mudança da cultura do soteropolitano. Ele também alega que boa parte de suas relíquias ganham o mundo, indo para países como Portugal e Itália, além de outros estados. Pouco se fica em solo baiano. “Tenho ódio da palavra retrô, pois são compensados feitos sem qualidade para dizer que tem história, que parecem com algo antigo. Por que não vem no antiquário pegar algo verdadeiro? Os novos arquitetos e decoradores confundem modernidade com bom gosto e não frequentam lugares como este”, reclama.“Hoje temos móveis planejados, aglomerados, que precisam mudar de dois em dois anos. Antigamente, a gente tinha mobília, né? Era feita com a casa, pertencia a famílias por gerações. Eram peças únicas, que podiam levar anos para serem feitas, produzidas por artistas. Hoje parece que tudo está descartável”.
Sobre os preços, Ademário garante que sempre dará o preço justo e sempre terá conversa. Existem valores agregados que transformam o investimento um pouco mais alto, mas muitas peças são acessíveis. É preciso, logicamente, visitar o lugar. Possuem pinturas de quadros entre R$ 300 e 4.500, como é o caso de uma arte Cusquenha de São Jorge e o Dragão. Artes sacras também possuem variedades infinitas com preços variados. “Aqui você vai contemplar como um museu, vamos tomar um cafezinho, você vai me dizer o que gosta e sonha e vou te mostrar. É como eu disse: aqui é um local de contemplação, mas que você pode levar aquilo que te cativa”, completa.
Ao lado do antiquário de Ademário, Claudiomiro dos Santos vende suas relíquias, mas sua arte é restaurar peças clássicas de madeira, além de produzir réplicas perfeitas e com o mesmo material, geralmente adquirido em demolições de casarões antigos. A famosa madeira de lei.“Está uma febre no Litoral Norte. Inclusive abri outra loja lá. As pessoas que possuem casa de praia querem este tipo de móveis antigos. Estou fazendo uma reprodução de uma cômoda colonial que um cliente viu numa igreja e queria na casa dele. Madeira pura, boa, para vida toda. Vai custar R$ 35 mil. Sabe quanto custa a original? R$ 150 mil!”, assegura.Claudimiro compra todo tipo de madeira de casarões demolidos para reparações e construções do zero.
Ademário trata as relíquias como filhos que aguardam seus novos pais adotivos (Foto: Marina Silva/CORREIO)
“Hoje tenho uma casa em Porto de Sauípe, pois lá consigo mais frequesia do que aqui. Mas meu xodó é aqui, pois as pessoas do exterior ainda preferem a rua Ruy Barbosa. Estou reformando uma cristaleira que vai para Portugal”, conta Claudiomiro.
Para o historiador Rafael Dantas, é de suma importância restabelecer a relação do baiano com esta rua tão rica de memória e relíquias. Para ele, muitos antiquários da Rua Ruy Barbosa possuem peças que deveriam estar tombados, como peças sacras, mobiliários, entre outras peças raríssimas que a gente não encontra nem em museus.
“Ali é um lugar de muita arte, história e tradição. Os antiquários são verdadeiros embaixadores do tempo em nossas cidades. Os antiquários são testemunhos das mudanças que acontecem na nossa sociedade. Testemunhos silenciosos das mudanças do tempo, das alterações do cotidiano de um povo. São espaços de muita história. Muitos antiquários ali possuem peças que deveriam estar em museus, inclusive”, disse Rafael, que já fez um inventário dos antiquários da rua.
“Hoje no estado, tristemente, não temos mais uma política de aquisição de acervos. No passado, muitas obras de arte eram adquiridas pelo Governo. Não é mais feito isto. É uma lástima. Estes antiquários acabam sendo embaixadores do tempo em nossas cidades. Todas as cidades do mundo possuem uma rua dedicada a antiquários, seja em São Paulo, Paris ou Bruxelas. Aqui em Salvador, esta rua é a rua Ruy Barbosa. É um lugar muito especial que precisa ser preservado”, completa.
Na ficção, Indiana Jones procurava raridades para doar aos órgãos que conservavam tais objetos. Na vida real, andar pela rua Ruy Barbosa é como brincar de Caçadores de Relíquias. Com uma boa fuçada e o preço certo, você pode ter uma verdadeira peça de museu na sua sala. Trato feito?
A esperança de Ruy
Para salvar a rua Ruy Barbosa, somente o próprio Ruy Barbosa, com o perdão da redundância. Além da expectativa da revitalização do lugar onde abriga os melhores antiquários da capital, a reforma da casa onde nasceu e morou o jurista, político, intelectual e jornalista baiano acende a esperança para que o lugar se torne uma rua frequentada e apreciada pelos baianos.
Na última semana, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) revelou o projeto para transformar a morada de Ruy no museu Casa da Palavra, que terá um investimento de R$ 7 milhões e foi desenhado pelo arquiteto Gringo Cardia."Aquela rua histórica clama por atenção. Este museu será um passo importante para a revitalização de um lugar tão histórico, com antiquários incríveis. O baiano precisa sentir o prazer de frequentar a rua Ruy Barbosa”, disse o presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques. O projeto está na fase de captação de recursos e ainda não tem prazo para ser entregue. O museu trará novidades como auditório, espaços interativos e cafeteria. O mesmo local também abriga a casa dos Sete Candeeiros, onde foi morada da família real na chegada ao Brasil, em 1808. O casarão também clama por restauração.