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Jairo Costa Jr.
Publicado em 3 de setembro de 2022 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Após vitória de Waldir Pires em 1986, ACM ganha disputa que lhe garantiu o terceiro governo e 16 anos seguidos no topo do poder (Foto: Arquivo CORREIO) O ano era 1990. A Bahia respirava decadência e vácuo administrativo, resultado do fracasso do governo Waldir Pires, eleito em 1986 com quase 70% dos votos. Dois anos após tomar posse, Waldir renunciou em 1989 para assumir a candidatura a vice-presidente na chapa do lendário Ulysses Guimarães. Ao sair, deixou um cenário de terra arrasada para o vice, Nilo Coelho, hoje prefeito de Guanambi. Foi com esse clima que Antônio Carlos Magalhães decidiu concorrer ao cargo de governador, protagonizando uma campanha que entrou para história.>
Tido como um dos maiores sucessos das disputas eleitorais no país, o jingle ACM Meu Amor, criado pelo cantor Gerônimo e pelo compositor Vevé Calazans traduzia o caminho traçado para a campanha, a cargo do marqueteiro Fernando Barros, da Propeg, e de um staff experiente que incluía o jornalista Fernando Vitta e o publicitário Eduardo Saphira. Os primeiros versos - "Você se lembra de mim. Eu nunca vi você tão só. Ó meu amor, ó meu xodó, minha Bahia" - já indicava os principais eixos da estratégia baseada em forte tom emocional.>
Se a emoção foi o tecido, a costura foi feita com duas linhas: o desejo dos eleitores por alguém capaz de recuperar o estado e o resgate da trajetória do político nos seus dois governos anteriores, de 1971 a 1975 e de 1979 a 1983, períodos em que a Bahia experimentou um surto de desenvolvimento sem precedentes. A tarefa não era simples, como lembra o ex-senador ACM Júnior, filho do político e presidente do conselho administrativo da TV Bahia, que participou ativamente da campanha. >
“A gente tinha pela frente uma eleição dificílima. Os adversários estavam todos unidos contra ele”, destaca. Além do popular ex-governador Roberto Santos (PMDB), o páreo contava ainda com o deputado Luiz Pedro Irujo (PRN), apoiado pelo então presidente Fernando Collor; a chapa 100% feminina de Lidice da Mata (PCdoB), cujo desempenho pavimentou sua vitória na batalha pela prefeitura da capital em 1992; e o economista José Sérgio Gabrielli (PT), que se tornou na década seguinte presidente da Petrobras durante o governo Lula.>
Propaganda na TV marcada pelo vale-tudo e ausência de limites Ao contrário de hoje, em que existem limites impostos pela legislação bem mais rigorosos, a campanha em 1990 era terra de ninguém, e o vale-tudo durava 90 dias, em vez dos 45 atuais. Especialmente, na propaganda eleitoral exibida diariamente na TV, palco de toda sorte de ataques, ofensas, acusações, calúnias e zombarias, levadas ao ar de variadas formas, de sátiras musicais a montagens, de paródias a animações. ACM era o alvo da artilharia pesada, ainda que devolvesse, vez ou outra, na mesma medida.“Foi uma campanha na TV, do ponto de vista do nível, muito baixa, suja mesmo. Algo que seria impensável agora. O quadro ficou tão grave que o TSE suspendeu o horário eleitoral gratuito na Bahia dias antes do primeiro turno”, lembra o ex-senador ACM Júnior.Integrante da equipe responsável pelas estratégias de confronto, o jornalista Demóstenes Teixeira, ex-diretor de redação do CORREIO, conta que nenhuma acusação ficava sem resposta. “Era determinação pessoal dele. Todas as denúncias foram rebatidas ponto a ponto”, recorda. >
A ofensiva em massa, entretanto, não teve a aderência desejada pelos concorrentes. “A aposta em uma campanha baseada no amor ao estado, ideia que partiu dele, neutralizava os ataques. Prevaleceu a percepção de que ACM era o único ali que amava a Bahia e reunia as condições para resolver o abandono geral deixado por Waldir. O discurso pegou também porque as pessoas relembraram o desempenho de suas administrações”, afirma Teixeira.>
Passado de ACM derrotou presente deixado por Waldir O legado dos dois governos de ACM foi amplamente explorado pela campanha, em contraponto direto com a gestão anterior. O cardápio apresentado ao eleitor era farto: modernização da infraestrutura no estado; expansão da oferta de energia para regiões distantes, como o Oeste; ampliação da malha rodoviária; diversificação da economia focada na industrialização; gestão fiscal sob controle; valorização da cultura; e o salto de visibilidade obtido pela Bahia. Ao comparar passado e presente, o primeiro ganhava com folga.>
Ao mesmo tempo, ACM chegou à corrida eleitoral com um plano de governo já formatado, no qual se destacavam propostas para todas as regiões da Bahia, com foco na economia, infraestrutura, políticas sociais, ampliação do acesso a recursos hídricos, entre outras áreas. A revitalização do Centro Histórico de Salvador e o resgate do setor cultural tiveram lugar de destaque, pois simbolizavam dois exemplos da decadência do governo Waldir Pires: o abandono do Pelourinho e o fechamento do Teatro Castro Alves, que chegou a ser ameaçado de demolição para dar lugar a um megacentro comercial.>
A estratégia deu mais do que certo, em especial, ao cumprir um dos seus maiores desafios: liquidar a fatura ainda no primeiro turno. Assim ocorreu. Com 1,64 milhão de votos, 50,71%, ACM foi eleito para governar a Bahia pela terceira vez. Roberto Santos ficou em segundo, com 32,1%, seguido por Lidice da Mata (9,54%), Luiz Pedro Irujo (3,5%), Gabrielli (3,47%) e Antonio Mendes, do PMN, com 0,68%.>
Sucesso mudou o marketing político e fez da Bahia celeiro de 'feras' O sucesso de 1990 foi tão grande que virou objeto de inúmeros estudos acadêmicos, a maioria, atribuindo a ele o início da ressurreição do carlismo e sua permanência no topo do poder por 16 anos. Uma reportagem publicada pelo portal da BBC em 21 de janeiro de 2021, com o título “Como a Bahia virou uma potência do marketing político”, dimensiona bem o impacto da campanha de 1990.>
A partir dela, o estado conquistou o domínio desse mercado, formando gerações de profissionais responsáveis por dezenas de vitórias no currículo, incluindo Nizan Guanaes, Duda Mendonça e João Santana, que levaram FHC, Lula e Dilma Rousseff à Presidência. Na reportagem, Fernando Barros explica a herança legada pela campanha de ACM coordenada por ele.“Usamos as tecnologias mais avançadas e trouxemos os melhores profissionais de cada área: diretores de TV, fotógrafos, técnicos de áudio, de maquiagem, de figurino. Foi uma grande novidade”, lembra Fernando Barros, ao destacar o trabalho que alçou o marketing político do país a um novo patamar de qualidade.Se estivesse vivo neste domingo (04), quando faria 95 anos, o personagem central dessa história veria um herdeiro político transportar 1990 para 2022. Candidato a governador pela União Brasil, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto resgatou o célebre jingle que ajudou o avô a vencer 22 anos atrás. >
Apostou também no amor à Bahia para mudar retrocessos enfrentados em áreas sensíveis, como educação, saúde, segurança e desemprego, e entrou no jogo com um plano pronto para o futuro, assim como ACM havia feito.>