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Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2020 às 21:31
- Atualizado há 2 anos
O roteirista, dramaturgo e diretor Elisio Lopes Jr acredita que nunca se teve uma geração tão potente quando se pensa em narrativas negras. Para ele, os novos profissionais do cinema e da comunicação estão ascendendo com a sua criatividade, o que “impressiona pela potência e o deixa orgulhoso e feliz”. Elisio Lopes Jr foi o convidado, desta sexta-feira (23), do programa Conexões Negras, do CORREIO, no qual debateu o tema 'O papel do artista negro na preservação da cultura e da memória afro-brasileira’.
Dentre as obras potentes, o diretor cita o filme Café com Canela, dirigido por Ary Roda e Glenda Nicácio, que é “100% baiano e absolutamente potente”. Na conversa, ele ressalta que o presente é o que é por toda a construção que veio antes e repassou esses ensinamentos, como o trabalho da cineasta Adélia Sampaio, que foi a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil.
“Se algo é feito hoje, é porque alguém construiu isso para você. Atualmente, os jovens não conhecem o limite. Antes, tudo era o sul, minha geração conhecia esse limite e se deslocava para tentar ser visto. Hoje, isso não ocorre, pois se trabalha com outras vertentes. A TV aberta não é mais a única referência, temos a internet, temos os streamings. Temos na mão uma câmera de fazer sucesso, mudou o jogo de status e isso empoderou ainda mais. Por isso, eu acho que nunca se teve uma geração tão potente quanto a que produz agora”, comentou Elisio, que ainda ressaltou o papel da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Ufrb) em apoiar as produções de qualidade e com diversidade.
Os criadores de conteúdo também integram esse novo espaço de diálogo criado pela nova geração. O roteirista aponta que o trabalho desses comunicadores negros é fundamental. Para ele, é um tempo de diversidade por ser possível escolher uma referência para seguir.
“Existe conteúdo para vários gostos e pautas. Essas pessoas fazem um trabalho de formiga ao postar diariamente elucidando, esclarecendo e escurecendo as questões. Isso faz com que se entenda, todo dia, o que significa ser quem somos e é um luxo poder acompanhar os influenciadores pretos”, disse Elisio.
A falta de debate sobre a consciência social na TV aberta também foi debatida na live. Para o roteirista, a pressão social age em cima das mídias, o que aumentou a presença de negros nas telas, mas não impactou os bastidores, a produção dos programas.
“Existe a pressão para se ver representado, a nossa capacidade de compra é uma realidade. Toda essa força e esses 13 anos de gestão de esquerda trazendo valores e fortalecendo redes fez uma pressão social efetiva. Entretanto, na prática, colocaram mais negros na tela, mas só isso não resolve. Se não tiver uma cadeia produtiva negra, que nos fortaleça e nos entenda, avançamos só até um ponto. Isso aconteceu e estagnamos, apesar da sociedade não ter arrefecido”, avaliou.
Para que seja possível continuar avançando, é preciso que a sociedade continue pressionado as mídias. Elisio acredita que os artistas também têm esse papel de pressionar para conseguir poder e espaços.
“Essa cadeia de profissionais habilitados para ocupar espaços precisa fazer um trabalho de avanço para ocupar. Ao ocupar é preciso trazer outros. Quanto mais se sobe, mais branco fica e isso é uma questão da estrutura racista do Brasil. Ao chegar a um lugar, é preciso batalhar para ter outros parecidos com você neste espaço, inclusive para ter troca”, falou o roteirista, que pontuou que deve haver uma ocupação efetiva dos espaços.
É necessário que as pessoas negras se protejam, como faz a classe hegemônica. Para ele, é preciso “apaziguar os erros dos nossos para que seja possível fazer uma plataforma preta”, afinal, os humanos têm defeitos e é preciso subir em grupo.
Pai de três meninas negras, a educação também foi tema da conversa. Elisio contou que passou a ter uma militância mais aguerrida e um compromisso com a vida mais ampliado do que ele tinha antes. Ele relatou a dificuldade que uma criança negra passa em escolas particulares, onde a grande maioria dos colegas são brancos.
“Quanto se tem um filho e o racismo bate no seu filho, isso é uma dor que eu ainda não conhecia e passei a conhecer. Minha filha passou por um caso de racismo na escola e tivemos que mudá-la de colégio porque a instituição foi omissa. Tenho uma dificuldade com o ambiente escolar, o racismo e a criança. É muito cruel ser a única criança preta da escola”, relatou.
No processo de troca de escolas, o roteirista tem dificuldade em encontrar instituições com professores e muitos alunos pretos. “Nesse cenário, se coloca seu filho na cova dos leões, onde ele é agredido por certos conceitos como de beleza. Como alguns educadores deixam a questão racial passar batido ao invés de encará-la?”, criticou.