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Anna Luiza Santos
Publicado em 7 de março de 2025 às 20:29
“Excesso de termos em Iorubá”. Essa foi uma das justificativas usadas por uma jurada dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro para tirar pontos do samba-enredo da Unidos de Padre Miguel, que acabou sendo rebaixada para a Série Ouro do Carnaval carioca na última quarta-feira (05). >
A Unidos de Padre Miguel apresentou um enredo que contou a história do protagonismo de Francisca da Silva, a Iyá Nassô, ialorixá fundadora do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, no século XIX. Sua liderança feminina e potência negra é reconhecida por ter introduzido o modelo do primeiro terreiro de candomblé no Brasil. >
Na justificativa para a retirada de pontos do samba-enredo da escola, a jurada Ana Paula Fernandes declara que “há trechos de difícil entendimento devido ao excesso de termos em iorubá (muitas estrofes)”. Na avaliação, a jurada alega também que o trecho do samba “Vou voltar mainha, eu vou, Vou voltar mainha, chore não, Que lá na Bahia Xangô fez revolução”, deixa dúvidas e não é clara sobre a narrativa. >
Ao anunciar o samba-enredo, a agremiação havia justificado o uso dos termos em Iorubá por sua importância para o resgate da cultura afro-brasileira, herdada de ex-escravizados que lutaram por liberdade. "As palavras em Iorubá do samba e do enredo são fundamentais, primeiro como vivência do Axé da Casa Branca, e, segundo, como forma de resistência do Axé de Iyá Nassô, iorubá de Oyó, contextualizando sua vida e sua trajetória". >
O caso repercutiu nas redes sociais e a Unidos de Padre Miguel declarou sua indignação. Pelo X, antigo Twitter, a escola se manifestou dizendo que “despontuar uma escola por fazer a utilização do dialeto da sua cultura é minimamente uma avaliação despreparada. Esquecer nossa oralidade para atender um acadêmico, não está nos planos da nossa escola.” >
Na tarde desta sexta-feira (07), a agremiação informou, por meio de nota divulgada à imprensa, que entrou com um recurso junto à Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) após o resultado final da apuração. >
“A agremiação reforça que seu objetivo não é prejudicar qualquer outra escola, mas garantir uma avaliação justa e transparente. Durante a revisão das justificativas, foram identificadas inconsistências graves, incluindo penalizações em quesitos específicos devido a uma falha técnica no caminhão de som – um problema alheio à responsabilidade da Unidos de Padre Miguel e que, portanto, não deveria ter resultado em perda de pontos”, diz o comunicado. >
O caso gerou revolta e críticas nas redes sociais. O doutor em História da África e mestre em Educação pela UFRJ, João Raphael, afirmou que a nota da jurada demonstra despreparo com relação aos temas relacionados ao continente africano. "Retirar ponto da Unidos de Padre Miguel por excesso de termos em Iorubá, além de racismo explícito é um excelente exemplo do despreparo dos jurados com relação aos temas relacionados ao continente africano que esse ano, diga-se de passagem, povoaram belamente a Sapucaí. Precisamos de mais jurados especializados no tema África, publicou ele no X.>
As vereadoras do Rio de Janeiro Tainá de Paula e Verônica Lima (PT) se manifestaram apontando racismo religioso e criticando a postura da jurada. "O carnaval do Rio merece jurados aptos a avaliar temas profundos e dedicados em valorizar as raízes históricas do Brasil. Respondam pra gente, jurados, o enredo sobre o candomblé deveria ter termos europeus?", questionou Tainá.>
"A Unidos de Padre Miguel foi punida por usar 'muitos termos iorubá' no samba. Inaceitável! A cultura preta não pode ser censurada. O enredo homenageia Iyá Nassô, matriarca do candomblé Ketu, e merece respeito. O racismo religioso não pode ter espaço na Sapucaí nem em lugar nenhum!", publicou Verônica Lima. >