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Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Para um serial killer, matar alguém é tão natural quanto você passar um domingo na praia comendo queijinho coalho assado. O tema é indigesto e assustador pelo grau de crueldade, sadismo e frieza. Em Brasília e Goiás, o baiano Lázaro Barbosa, 32 anos, leva terror ao cerrado e acabou ganhando o apelido de Serial Killer de Brasília. Moradores da região abandonaram suas casas e estão apavorados, com razão. Contudo, o fato de Lázaro ter matado quatro pessoas da mesma família não o faz um assassino em série. Diversos fatores são importantes para definir o padrão de um SK e Lázaro não se enquadra em diversos deles. Para definir este padrão, não é apenas suas atitudes que contam. É preciso entrar na mente do criminoso. Antes disso, é preciso pegá-lo.
O primeiro passo é relacionar o comportamento criminoso com o diagnóstico psiquiátrico. Por isso não é possível determinar nada antes de Lázaro ser preso e interrogado. Existe apenas um laudo conhecido sobre sua saúde mental, feito em 2013, depois de ter sido preso por roubo e estupro. No documento, apesar de mostrar um criminoso perigoso, em nenhum momento o baiano é diagnosticado com algum distúrbio. “Percebe-se que todos os crimes cometidos estão diretamente relacionados à dependência química, fato do qual o periciando não tem autocontrole, haja vista uso abusivo de bebida alcoólica antes de sua reclusão e vício no crack após a prisão”, alega o laudo, assinado por três psiquiatras.
Uma das mais renomadas estudiosas sobre o assunto, a criminóloga e escritora Ilana Casoy assegura que é muito cedo para traçar o perfil criminoso de Lázaro. O único indício para se pensar em algo é justamente o laudo feito há oito anos. “Em nenhum momento os psiquiatras que examinaram Lázaro falam que os crimes dele estão relacionados à condição mental. Temos que prestar atenção nisso. Agora, um cara perigoso, em fuga como ele, é capaz de matar quem estiver no seu caminho, sendo ou não serial. Ele não está de brincadeira e precisa ser preso. Primeiro, a polícia tática precisa agir. Depois, nos aprofundamos no lado técnico”, disse Ilana, ao CORREIO. Ela é autora de diversos livros sobre serial killers e auxilia a polícia em alguns crimes que podem ter a presença deste perfil criminoso.
Psiquiatra forense e professora da FTC, Denise Stefan concorda com Ilana sobre a precipitação do quadro psíquico do criminoso baiano, mas acredita que o último laudo é antigo e algumas evidências dos crimes atuais podem indicar uma evolução no seu quadro psicótico. Mesmo assim, não determina se Lázaro é ou não um assassino em série. Vale a premissa que todo serial é psicopata, mas nem todo psicopata é serial. “Tudo indica que ele tem um grau de psicopatia, mas é preciso associar isto a um possível transtorno delirante e esquizofrênico que pode indicar seu grau de inimputabilidade, que significa saber ou não se é responsável pelos seus atos. O que vejo até agora não me convence se tratar de um serial killer, embora acho que seja um assassino com fortes traços de psicopatia”, diz.
Número de mortes O assunto parece ficar cada vez mais confuso. Ora, se o cara tem traços de psicopatia, matou quatro pessoas de uma mesma família, carrega outros homicídios na ficha criminal e tem comportamento insano, por que diabos Lázaro não é serial killer? As próprias vítimas podem responder este questionamento. Vivas ou não. Primeiramente, número de mortes não determina se Lázaro vai se enquadrar no perfil. Um exemplo é o serial brasileiro Chico Picadinho. Ele é um dos assassinos em série que mais chocaram o país, mesmo tendo “apenas” dois homicídios. Contudo, todo seu ciclo entre escolher a vítima e o modo de matá-la se encaixou no perfil serial. Nos anos 60, ele matou a bailarina austríaca Margareth Suida, asfixiada. Depois, esquartejou a vítima. Foi preso e cumpriu oito anos. Depois de solto, casou, teve filhos, separou, vendeu livros até que, dez anos após seu primeiro crime, matou outra mulher, esquartejou e guardou os restos mortais numa mala. Está preso até hoje. Chico Picadinho matou menos que Lázaro Barbosa, mas se encaixa no perfil de um serial (Carlos Namba/Dedoc) “Número de mortes não determina se a pessoa é ou não serial killer. Não se pode ir contando mortos e dizendo que ele é assassino em série. A motivação de um serial killer está dentro da cabeça dele. Ele despersonaliza a vítima, criando um padrão que não necessariamente condiz com ela. A vítima não provoca este assassino em série”, garante Ilana. Ou seja: você não precisa dar motivos para ser uma vítima em potencial. Caso se enquadre no perfil sádico do assassino e passe por ele na hora e no lugar errados, dificilmente você sobrevive para contar história. Mais um motivo para duvidar da relação de Lázaro com o perfil de um SK. Em 2007, quando matou dois homens na cidade baiana de Barra do Mendes, as vítimas impediram uma tentativa de estupro do criminoso, foram atrás dele e acabaram mortos. Eles provocaram uma atitude homicida de Lázaro, que matou porque estavam no caminho dele. Pode acontecer o mesmo com os policiais que estão à sua procura em Goiás.
Aí o leitor questiona: Ah, caro CORREIO, mas Lázaro arrancou a orelha de uma das vítimas, fez ‘rituais satânicos’ na casa delas e ainda deixou todos despidos sendo obrigados a fazer comida para ele e fumar maconha. Também não diz nada, jovens. São casos isolados e não mostram um padrão bem definido. Segundo o pesquisador forense Joel Norris, existem seis etapas que podem determinar se o criminoso pode se enquadrar como um serial. São as fases áurea, pesca, galanteadora, captura, assassinato e depressão. Ela começa com a perda de noção de realidade, escolha da vítima, captura, morte e pós-morte, este último quando o assassino leva um tempo até recomeçar o ciclo. É justamente a forma com que este criminoso realiza estas fases que pode ajudar na solução do caso, pois se cria uma identidade deste serial. Não é o caso de Lázaro.
Ilana ainda acrescenta. “Falaram que ele tem um ritual macabro e por isso se encaixa no perfil serial. Oi? Desculpa, mas eu mandar tirar a roupa de uma vítima para ele não fugir não é ritual, mas uma forma de evitar sua fuga. Tenho um pouco de medo destas definições precipitadas que levam ao engano. Quem não sabe o que procura, não acha. Lázaro é uma pessoa com muita experiência em sobrevivência na mata, é perigoso e pode matar para escapar do cerco. É isto que precisamos saber agora”, explica Ilana. Neste caso, podemos descartar a possibilidade de Lázaro ser um serial killer? Também é prematuro dizer. “Ele pode ser um abusador em série que evoluiu para matar. Como aconteceu com o Maníaco do Parque, que era um estuprador em série que passou a matar em série. Pode acontecer, mas não sabemos”.
Ritual de um serial Deixemos Lázaro um pouco de lado e vamos entender a cabeça de um assassino em série. Primeiro, ele não sai matando todo mundo que vê no caminho. A definição para isto é um spree killer, que mata várias pessoas num determinado momento. Fora em casos raros, o SK só mata um determinado tipo de vítima que se enquadra na sua fantasia sádica. Serial Killer tem uma identidade padrão, ritual e perfil de vítima. Jeffrey Dahmer matava garotos nos Estados Unidos “Eu fiz a minha fantasia de vida mais poderosa do que a minha vida real”. Quem disse isso foi um americano aparentemente gentil, chamado Jeffrey Dahmer. Seu apartamento era limpo, com peixinhos no aquário e tudo. Contudo, dentro da cozinha foram encontrados cabeças humanas na geladeira, ossos guardados em recipientes com ácido e genitálias masculinas espalhadas pelo restante da casa. Ele matou 17 pessoas, todos garotos com o mesmo perfil. Ele atraía suas vítimas para relações sexuais, estuprava, matava e, muitas vezes, praticava canibalismo. Ele não matou ninguém fora deste padrão.
Por isso é tão difícil se prevenir contra um serial killer. Apesar de serem raros, eles podem estar em qualquer lugar, comprando o CORREIO na banca ou tomando um cafezinho ao seu lado. Não se encaixando ao seu perfil de vítima, nunca vai saber que esteve bem próximo de um assassino em série. Para ele, você nem existe. Contudo, se pertencer à sua preferência sádica, ele pode estar te observando enquanto você lê inocentemente esta reportagem pelo celular. Neste caso, os conselhos da mãe ainda são os melhores remédios contra um serial killer: não fale nem aceite nada de estranhos.
‘Entrevistei um serial killer aí em Salvador’
Ilana Casoy é criminóloga e escritora. Dedicou-se a estudar perfis psicológicos de criminosos, especialmente de serial killers. Ela publicou livros como Arquivos Serial Killers: Made in Brazil e Arquivos Serial Killers: Louco ou Cruel? Colaborou na série escrita por Gloria Perez e dirigida por Mauro Mendonça Filho, Dupla Identidade (2014), exibida pela Rede Globo. Já foi chamada para auxiliar em alguns crimes que envolveram assassinos em série e atualmente é consultora de uma série documental sobre Elize Matsunaga: ‘Era uma vez um crime`, que estreia no dia 8 de julho na Netflix. Falta no Brasil uma polícia especializada na captura de um serial killer?O assassinato em série é um crime muito raro. Não dá para investir dinheiro no Brasil, que já é tão carente, numa polícia especializada em serial killers. Porém, é possível investir em conhecimento e força-tarefa pontual que saiba sobre o assunto. Eu já trabalhei diversas vezes com a polícia. Eu, psicólogos, médicos legistas e peritos, todos em busca da solução. Para nós, estudiosos do tema, é importante viver esta prática policial, mas para a polícia também é importante conhecer a mente de um serial killer.
No Brasil, o índice de casos de homicídios solucionados é baixíssimo. Isso torna um paraíso para um serial killer permanecer no anonimato? Creio que apenas 30% de assassinatos são solucionados no país. Na Inglaterra, por exemplo, é 90%. Porém, o que mais me chama atenção é um outro problema que não consigo entender. Não temos banco de dados nacional de criminosos. Olha como foi difícil e demorado encontrar o passado de Lázaro, por exemplo. Um país em que o RG não é nacional, é um problemaço! Temos falta de comunicação absurda entre as partes. Se o cara foge de um estado para o outro, as polícias não se comunicam, as promotorias não se comunicam, os peritos não se comunicam, não tem um banco de dados comum, nacional. A ficha criminal de um criminoso como Lázaro deveria estar num banco nacional.
Como você auxilia a polícia quando aparece um serial killer?Eu não estou sozinha. Tem outras pessoas que também são uma mão da polícia nestes casos, quase uma força-tarefa. Uma vez ajudei um caso em Belém do Pará que eu precisava de um especialista em insetos, pois era preciso saber a hora da morte do menino para buscar o assassino, por meio do crescimento dos insetos que estavam no corpo. Todas as vítimas daquele caso tinham sido mortas na hora do almoço e acabou encaixando graças ao inseto. Este mesmo serial que matou o garoto fazia nós em cordas para enforcar suas vítimas. O exército me cedeu uma pessoa especialista em nó. O objetivo era saber o quanto o assassino era especialista nisto. Ninguém prende um serial killer sozinho. É preciso a ajuda de todos.
É possível ressocializar um serial killer? Pedrinho Matador, por exemplo, ganhou liberdade recentemente.Eu mesma já falei, quando jovem, que destino de assassino é preso ou morto. Com os anos, aprendemos que não dá para fechar uma questão assim. Pedrinho cumpriu a pena dele. Ele é uma das observações que fazemos para analisarmos esta possibilidade de retorno da sociedade. Nos Estados Unidos é impossível observar, pois serial killer só tem dois destinos: perpétua ou pena de morte. É impossível estudar este retorno à sociedade. Muito difícil convencer o Pedrinho que matar é ruim, é mal. Morte é quase cultural. Ele mesmo fala que a mãe matou, pai matou, vó matou... qual o problema de matar? Mesmo assim ele está procurando outro caminho. Virou escritor.
Já conheceu algum serial killer baiano?Entrevistei um serial killer aí em Salvador, na [Penitenciária] Lemos de Brito. O Monstro da Plataforma. Um bairro daí, né? Era lá que ele matava. Ele abusava e matava meninas de até 6 anos. Ele contou que abusou de mais de 200 garotas e nem sabe quantas matou nos anos 80. Ele tatuava na perna o nome delas. Não sei se está solto, creio que já deve estar. Inclusive uma das meninas que ele matou, a mãe acabou condenada injustamente e foi presa, coitada. Só depois ele confessou. O cara também assumiu outro crime de um casal de filhos em que a mãe teria matado. Mas este ele jura que foi pago para assumir o duplo assassinato.
A ARTE IMITANDO A VIDA: Filmes e séries que imortalizaram os serial killers
Psicose, O Silêncio dos Inocentes e O Massacre da Serra Elétrica
Estes sucessos do cinema possuem um nome em comum e bem real: Ed Gein. Sua história inspirou todos estes filmes, não pelo número de vítimas confirmadas (duas mulheres), mas pelo que guardava na sua casa. Quando a polícia invadiu sua residência, uma das suas vítimas estava pendurada em vigas. Sua cabeça tinha sido removida, sua genitália retirada e o coração estava dentro de uma panela no fogão. Não era só isto. Seu quarto tinha alguns souvenirs: tigelas feitas com crânio humano, roupas com couro de mulheres e um cinto feito com mamilos femininos. Ele olhava a seção de óbitos para violar túmulos de mulheres. Depois, levava seus corpos para sua casa. Não se sabe se ele matou mais mulheres. Ed Gein foi um serial killer americano que inspirou sucessos do cinema como Silêncio dos Inocentes e Psicose Monster — Desejo Assassino
Baseado em fatos reais, conta a história de Aileen Wuernos, considerada a primeira serial killer americana. Ela foi acusada de matar sete homens, todos com tiros de uma arma calibre 22. Sua vida é marcada por uma infância sofrida, prostituição, drogas, incesto e uma paixão: Tyria Moore, que acabou sendo a delatora. Charlize Theron ganhou um Oscar de melhor atriz no papel de Wuernos. Ela foi condenada a morte e executada em 2002.
Zodíaco
Desculpem pelo spoiler, mas o filme é inspirado na história real de um serial killer que nunca foi pego. O caso serviu de base para que os Estados Unidos começassem a levar a sério assassinos em série. Na época, mais de duas mil pessoas foram suspeitas de serem o Zodíaco, mas a identidade dele nunca foi revelada. O serial zombava da polícia, mandava pistas e descrevia seus crimes para os jornais locais. Um belo dia, ele parou de matar, mandar mensagens e sumiu.
Dexter (série)
Aparentemente não é inspirado em nenhum caso real. Conta a história de um cara chamado Dexter Morgan, que trabalha no departamento de polícia e, olha só, é serial killer nas suas folgas. Seu perfil de vítima são outros assassinos em série que ele investiga, mata e guarda um pouco de sangue delas. Pior: em alguns momentos, você se pega torcendo por ele. Sinistro!
Bates Hotel (série)
Olha Ed Gein aí de novo. A série é um prólogo do filme Psicose, que por sua vez é uma trama inspirada no livro de Robert Bloch chamado Psycho, que se inspira na história de um serial killer de sua cidade natal chamado Ed Gein. Agora volte algumas casas e leia novamente sobre Psicose, O Silêncio dos Inocentes e O Massacre da Serra Elétrica.
Mindhunter (série)
Uma série bem interessante, pois conta a história dos assassinos em série sob o olhar de dois agentes da década de 70 que resolvem estudar o perfil destes criminosos e, curiosamente, são os primeiros a chama-los de serial killer. Eles entrevistam os principais deles nos Estados Unidos para fazer um trabalho que lança o tema ao mundo.
SERIAL KILLERS QUE MAIS MATARAM NO MUNDO (por mortes confirmadas)
Luis Garavito, o La Bestia Local: ColômbiaMortes confirmadas: 139Mortes possíveis: Mais de 300Perfil das vítimas: Garotos entre 8 de 16 anosPeríodo: Anos 90Situação: Preso
Thug Behram Local: ÍndiaMortes confirmadas: 125Mortes possíveis: 931Perfil das vítimas: Viajantes homensPeríodo: Entre 1790 a 1840Situação: Morto
Pedro López, O Monstro dos Andes Local: Colômbia, Peru e EquadorMortes confirmadas: 110Mortes possíveis: Mais de 300Perfil das vítimas: Garotas entre 9 e 12 anosPeríodo: Entre os anos 70 e 80Situação: Solto desde 1998
Elizabeth Báthory Local: HungriaMortes confirmadas: 80Mortes possíveis: 650Perfil das vítimas: Jovens mulheresPeríodo: Entre 1578 e 1610Situação: Morta
Pedrinho Matador Local: BrasilMortes confirmadas: 71Mortes possíveis: Mais de 100Perfil das vítimas: Na maioria, outros bandidosPeríodo: Anos 60 e 70Situação: Solto desde 2018