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Maysa Polcri
Publicado em 6 de outubro de 2024 às 15:43
Durante todo o trajeto de casa até o local de votação, Kauane Bispo, de 18 anos, não deixou a mãe em paz. Com a emoção de quem votou pela primeira vez neste domingo (6), ela tentou convencer de todo jeito Cristiane, 41, a escolher o mesmo candidato a prefeito que ela. Como em uma brincadeira de cabo de guerra, o desejo de continuidade puxava de um lado, enquanto o pedido de renovação resistia de outro. Por toda Salvador, famílias se dividem entre ideologias e partidos, com direito a pirraça e provocações. Ainda assim, o clima de paz prevaleceu entre os diferentes, em um contexto de tímida polarização política.
As baianas Cristiane e Kauane dividem muito mais do que a sonoridade do nome e o laço de sangue. Vivem na mesma casa, na localidade do Calabar, e são ambas garçonetes. Mas as experiências de vida e os 33 anos que as separam são suficientes para colocá-las em espectros políticos diferentes, mesmo vivendo sob o mesmo teto. O voto da mãe foi mais alinhado à direita, já o da filha, à esquerda. No dia das eleições, elas não compartilharam o voto e as provocações seguiram até a hora da urna.
“Se eu tentei convencer? Durante o caminho todo”, disse a mais nova, Kauane, aos risos. A mãe e a filha votaram na Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), no Vale do Canela, às 9 horas. “É verdade, viu? Ela veio falando sem parar, mas se o prefeito tá trabalhando bem, não sou eu que vou mudar”, respondeu Cristiane, com o mesmo bom humor da filha. “Só não vai reclamar da fila da regulação depois, viu”, emendou Kauane, com o pensamento rápido. Além das duas, foram votar uma sobrinha e uma amiga da família, todas moradoras do Calabar.
À primeira vista, não é tão fácil encontrá-las. A sensação era que grande parte das famílias soteropolitanas saiu de casa com o consenso do voto para prefeito no primeiro turno das eleições municipais. Porém, o olhar mais apurado e ouvidos atentos às conversas na porta dos colégios eleitorais revelam as controvérsias familiares. Nas proximidades da Associação Atlética da Bahia, na Barra, as irmãs Elisângela, 51, e Rosilene de Souza, 55, só tinham em comum a reclamação. “A gente vem só porque é obrigatório mesmo”, disseram, quase em coro.
Enquanto Rosilene já sabia em quem votar, Elisângela até parecia que não iria ficar cara a cara com a urna eletrônica em poucos minutos. “Rapaz, eu não sei em quem vou votar ainda. Você vai votar em quem mesmo?”, perguntou Elisângela para a irmã, enquanto as duas, bem humoradas, conversavam com a reportagem. Depois de ouvir o número do candidato escolhido pela irmã, ela pareceu estar convencida. “Ele já vai ganhar mesmo, vou nele então”, concluiu.
Do outro lado da cidade, no Colégio Estadual Raphael Serravalle, na Pituba, um grupo de familiares apertou o botão verde com mais convicção neste domingo (6). A cozinheira Vânia Silva, 53, contou que é alinhada ao espectro da esquerda desde os primeiros anos da juventude. Foi assim que criou os cinco filhos, que repetiram o voto da mãe. “Lá em casa a gente conversa muito sobre política”, comentou. Os diálogos, no entanto, não convenceram todos os integrantes da família, especialmente os agregados. Caso de uma cunhada de Vânia que se pronunciou. “Eu não votei nesse número, não”, disse tímida.
A diversidade de votos entre integrantes de uma mesma família é mais visível quando se repara em um detalhe: a diferença entre as gerações. Gildete Santos Silva, de 61 anos, mora na Federação e levou a neta, Yasmin, para votar pela primeira vez. A mais velha repetiu o candidato escolhido na última eleição municipal, convicta de que foi a escolha certa. “Eu sou fã. O trabalho dele é bom, tá fazendo o que ninguém nunca fez”, celebrou. A neta, por outro lado, decidiu votar em um candidato diferente.
É inevitável que as desavenças políticas ganhem evidência no dia das eleições. A atmosfera da cidade contribui para isso. As ruas estão tomadas de santinhos, os rostos de candidatos a prefeito e vereador se acumulam nos muros e o clima é de ansiedade para a apuração dos votos. Mesmo diante dos ânimos aquecidos, as divisões políticas das eleições municipais são tímidas e parecem provocar pouco racha entre os familiares. Em boa parte das vezes, as piadas superam as discussões que causam mal estar.
“A gente brinca, mas o importante é o respeito, no final das contas. Cada um vota em quem quer e o respeito prevalece acima de tudo”, confirmou Cristiane, a garçonete que mora no Calabar e não deixou a vontade da filha prevalecer sobre a sua. Em uma fala despretensiosa enquanto olhava com carinho para Yasmin, que votou pela primeira vez, Cristiane resumiu o que é a democracia.