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Millena Marques
Publicado em 15 de setembro de 2024 às 05:00
Quando o PRTB lançou o empresário e influenciador digital Pablo Marçal como pré-candidato à prefeitura de São Paulo em maio deste ano, poucas pessoas no país prestaram atenção naquele momento, e quem ouviu não deve ter ‘dado muita bola’ para alguém que parecia sem chances reais na corrida pelo Palácio do Anhangabaú. Quatro meses após o evento e depois de milhares de cortes - vídeos de curta duração que viralizam nas redes sociais, o azarão virou um fenômeno eleitoral.
As pesquisas de opinião confirmam a força eleitoral de Marçal, mas não só elas. As bolsas de apostas também. Na noite da última quarta-feira (11), uma dessas empresas colocava o coach como o segundo com mais chance de vencer a disputa pela capital paulista, atrás apenas do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). E chegava a pagar R$ 220 para cada R$ 100 apostado. Mas o que fez Pablo Marçal conquistar tantas mentes e corações paulistanos? As habilidades de comunicação, dizem os especialistas, sejam elas legalizadas ou não.
As técnicas de marketing digital são conhecidas. Já eram, inclusive, aplicadas por Marçal nas redes digitais e o colocaram como um dos fenômenos do mercado de coaching no Brasil. As estratégias são cortes de vídeos de entrevistas, lançamento de produtos, habilidades discursivas, atos inesperados, mobilização de bases de seguidores, entre tantas outras. O que chama atenção - e o diferencia dos demais candidatos - é o emprego desses procedimentos na esfera política.
“Normalmente (essas estratégias) não são usadas em campanha política, mas são amplamente usadas no mercado, para vender produtos, para vender infoprodutos, para fazer campanhas de publicidade de marcas, entre outros”, explica a Nina Santos, pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e doutora pelo Centro de Análise e Pesquisa Interdisciplinar sobre os Media (CARISM) da Universidade Panthéon-Assas/Paris II.
Para se ter uma ideia da tática de Pablo Marçal nas plataformas digitais, ele chegou a publicar, apenas no Instagram, 29 vídeos três horas após o fim do debate na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), organizado em parceria com o jornal Estado de S. Paulo e o portal Terra, no dia 14 de agosto. Um levantamento feito pelo O Globo aponta que os vídeos tiveram mais de 4,3 milhões de curtidas em um período de seis horas – 38 vezes mais do que os outros candidatos à prefeitura de São Paulo somados. Só nesta mídia digital, o empresário acumulava 12 milhões de seguidores.
Embora não sejam consideradas revolucionárias, as estratégias do coach possuem singularidades. Não se trata apenas de aplicar as táticas de comunicação digital do mercado no campo da política, mas sim de utilizar as redes sociais como espaços de provocações, apelo a confusões e descredibilização de adversários e do próprio sistema político. Especialistas em comunicação política caracterizam Pablo Marçal como um ‘outsider’, isto é, um personagem antissistema.
“Um personagem que condena o sistema político e se coloca como uma alternativa a ele. Então, o sistema político (para os outsider) é aquele lugar que produz sujeitos auto interessados, que não pensam no coletivo, no bem comum, e que, portanto, inclusive, (estão) mergulhados em esquemas de corrupção, etc”, observa Camilo Aggio, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).
Na avaliação de Aggio, as habilidades de Marçal já eram perceptíveis na ascensão política de outras figuras. “(O ex-presidente Jair) Bolsonaro se elege assim (em 2018), outros tanto se elegem do mesmo jeito, a exemplo do Nikolas Ferreira, que é deputado federal de Minas Gerais, que se elege sem definitivamente passar pelas etapas tradicionais de capitalização”, analisa.
Comparado a Bolsonaro, a força eleitoral de Marçal está “em processo de construção”. O empresário ainda usa da relação com o ex-presidente da República (apesar dos atritos das últimas semanas) para fortalecer o próprio eleitorado, composto por 50% de bolsonaristas, segundo levantamento da Quaest divulgado na quarta-feira passada.
Por outro lado, o conhecimento e a apropriação das estratégias de comunicação digital – as legais – ainda é um desafio para outros campos ideológicos. "Fica patente que os campos de direita e de extrema direita, muitas vezes, conseguem se apropriar melhor dessas estratégias digitais do que o campo progressista”, avalia a pesquisa.
Em agosto, a Justiça Eleitoral determinou a suspensão dos perfis do candidato do PRTB nas redes sociais Instagram, Facebook, Discord, Meta, TikTok e X (até então em funcionamento no país), além do site oficial do empresário. A decisão aconteceu após o PSB, partido da postulante Tábata Amaral, pedir uma investigação contra Marçal pela suposta prática de pagar seguidores para distribuir cortes de seus vídeos nas plataformas digitais.
Os cortes são retirados de entrevistas, debates e sabatinas e são propagados pelas redes sociais. A Justiça queria limitar o alcance de Marçal com a suspensão de suas mídias. No entanto, houve um efeito reverso e o coach surfou nas ondas da decisão judicial, em poucas horas viu o novo perfil do Instagram ganhar milhões de seguidores.
O efeito positivo é explicado da seguinte forma: contas novas, com mais de dois milhões de seguidores, têm um alcance superior ao de um antigo perfil – mesmo que este tenha 12 milhões de seguidores, quantitativo da conta de Pablo Marçal derrubada pela Justiça Eleitoral.
O futuro eleitoral de Pablo Marçal ainda é incerto. O fato é que ele surpreendeu não só São Paulo, mas o país. Os mandachuvas do mercado já encomendaram pesquisas de opinião para medir o potencial do empresário em uma possível corrida presidencial. Levantamentos divulgados, durante a semana, apontam que o coach está tecnicamente empatado na briga com Ricardo Nunes (MDB) e Boulos pelo Palácio do Anhangabaú. Mas só as urnas dirão se o coach veio para ficar ou se foi uma empolgação que durou pouco tempo.
*Com orientação do editor Rodrigo Daniel Silva