A trajetória de um candidato em queda: campanha de Geraldo Jr. é marcada por confusões, traições e corpo mole

Com apenas 10% dos votos válidos, vice-governador da Bahia teve desempenho eleitoral muito aquém do esperado

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  • Rodrigo Daniel Silva

Publicado em 7 de outubro de 2024 às 08:51

Geraldo Jr. e Jerônimo Rodrigues
Geraldo Jr. e Jerônimo Rodrigues Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Foi na mesma noite em que a estrela americana Beyoncé apareceu de surpresa em Salvador e se apresentou no Centro de Convenções. Foi na mesma noite em que, sob uma chuva forte, o Rei Roberto Carlos fez uma exibição na Arena Fonte Nova. Naquela noite do dia 21 de dezembro do ano passado, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), anunciou que o seu vice, Geraldo Júnior (MDB), seria o candidato do grupo político a prefeito de Salvador em 2024.

O emedebista estava claramente em êxtase, à beira de realizar o sonho que perseguia e repetia: “Um dia, eu vou governar essa cidade”. Parecia que esse momento finalmente havia chegado. No entanto, na noite deste domingo (6), a quimera de Geraldo Júnior foi enterrada ou, pelo menos, adiada por um tempo indeterminado. Com o desempenho eleitoral muito aquém do esperado, o seu futuro político, dizem os aliados, virou incerto.

O rompimento

Geraldo Júnior desembarcou na base petista em 2022 após romper relações políticas de 10 anos com o grupo liderado pelo atual vice-presidente nacional do União Brasil, ACM Neto. Pressionado por empresários que o apoiavam, o emedebista aceitou o convite do senador Jaques Wagner (PT) para ser o candidato a vice-governador na chapa de Jerônimo Rodrigues.

Em contrapartida, Wagner garantiu a Geraldo Júnior a candidatura à prefeitura de Salvador e pagou a fatura no ano passado ao articular o apoio de todas as siglas aliadas ao governador em torno do vice. Foi a primeira vez, em 18 anos de administrações petistas na Bahia, que a unidade do grupo foi alcançada em Salvador.

Com o apoio de todas as legendas alinhadas à ala petista, o vice-governador alcançou os objetivos traçados. Geraldo Júnior começou a se articular para disputar a prefeitura de Salvador semanas após ser eleito para o cargo que atualmente ocupa e estabeleceu duas metas: contar com o apoio do governador Jerônimo Rodrigues e ser o candidato único da base petista.

Tudo seguia para o emedebista conforme havia planejado. Mas assim como a deputada federal Alice Portugal (PCdoB) nas eleições de 2016, Geraldinho, como é chamado pelos mais íntimos, passou a sofrer enormes resistências de setores do Partido dos Trabalhadores que queriam ter um candidato a prefeito na capital baiana. Uma ala da agremiação partidária - Articulação de Esquerda - chegou a pedir à executiva nacional do PT que suspendesse o apoio ao ainda pré-candidato do MDB.

Ao longo da campanha, a contrariedade a Geraldo Júnior cresceu apesar de ter na vice a petista Fabya Reis, e setores da esquerda se afastaram dele, fato noticiado pela imprensa nacional, como o jornal O Globo. Segmentos do PT e do PSB - partido da deputada federal Lídice da Mata - declararam apoio a Kleber Rosa, candidato do PSOL.

Pelo menos três razões motivaram a oposição da esquerda em relação ao nome do vice-governador: sua trajetória política no campo da centro-direita, a declaração de voto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2018 e sua afirmação de que era uma “perda de tempo” a discussão sobre se o impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff (PT) foi ou não um golpe.

Sem o respaldo da esquerda em Salvador, Geraldo Júnior participou deste ciclo eleitoral sem conseguir, em momento nenhum, fazer sua candidatura deslanchar.

Bastidores da campanha

Aliados definem a campanha de Geraldo Júnior como uma crônica de uma tragédia anunciada. O vice-governador, inclusive, teria sido aconselhado a não ser postulante ao Palácio Thomé de Souza neste ano. A análise era de que seria impossível derrotar o prefeito Bruno Reis (União Brasil), que tem a gestão bem avaliada e, com o controle da máquina municipal, seria imbatível. Mas o emedebista bateu o pé e quis ser candidato.

A performance do emedebista, entretanto, foi muito pior do que os correligionários imaginavam. Assessores apontam que, assim como em um acidente de avião, diversos fatores se somaram para provocar a queda de Geraldo Júnior. O primeiro, e considerado o principal, foi a falta de empenho do próprio vice-governador, que reclamava de estar com a “agenda pesada”. O candidato do MDB colocava empecilhos para estar em eventos eleitorais aos finais de semanas e chegou até a cancelar participações em alguns.

Se Geraldo Júnior não mergulhou de cabeça em sua própria eleição, os aliados muito menos. Embora ele tenha conseguido formar uma aliança significativa, o que se observou foram rupturas, traições e inúmeros conflitos. Dois coordenadores - o vereador licenciado Henrique Carballal e o presidente do PV na Bahia, Ivanilson Gomes - tornaram públicas as brigas dentro do quartel-general do MDB.

Carballal e Ivanilson se desentenderam após o primeiro barrar a entrada da dirigente do PV, Vânia Almeida, no palanque de Geraldo Junior, durante a convenção que oficializou o emedebista como candidato a prefeito da capital baiana. Vânia Almeida é esposa do presidente do partido verdista, que fez duras críticas publicamente ao colega. Em resposta, o vereador licenciado processou o, em tese, aliado político.

Carballal ainda provocaria confusão ao ameaçar deixar o cargo depois do chefe de gabinete de Jerônimo Rodrigues, Adolpho Loyola, intervir na campanha e retirar poderes deles. Geraldo Júnior conseguiu contornar a situação, e o correligionário foi mantido no posto.

A falta de recursos para a campanha também foi uma das pedras no caminho eleitoral do candidato do MDB. Até o sábado (5), véspera do pleito, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que Geraldo Júnior arrecadou R$ 3,8 milhões, sendo R$ 2 milhões oriundos do próprio partido. O restante veio do PT, legenda da candidata a vice-prefeita, Fabya Reis. Embora o Partido dos Trabalhadores tenha contribuído de forma significativa para a eleição do emedebista, a sigla direcionou R$ 30 milhões - um valor 16 vezes maior - para a campanha de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo.

Para efeito de comparação, Geraldo Júnior contou com cinco vezes menos recursos do que seu principal oponente, Bruno Reis, que conseguiu R$ 21 milhões (95% oriundos do União Brasil). Aliados confidenciaram que se recusaram a colaborar na arrecadação de fundos, uma vez que a derrota do vice-governador parecia iminente.

A avaliação interna aponta ainda que a escassez de recursos levou o candidato do MDB a perder o apoio de vereadores e cabos eleitorais na corrida pelo Palácio Thomé de Souza. No entanto, há quem argumente que a ausência de habilidade política de Geraldo foi um fator crucial para essa diminuição no apoio.

Sem Lula e sem discurso

A estratégia eleitoral de Geraldo Júnior era cristalina. Ele buscou replicar a tática empregada por Jerônimo Rodrigues na campanha para o governo da Bahia em 2022. O plano do emedebista era associar sua imagem à do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e apostar que, dessa forma, conseguiria atrair para si os votos dos eleitores lulistas em Salvador, como se fosse um imã.

Só que o chefe do Palácio do Planalto não deu a menor bola para o candidato do MDB. Lula sequer participou da convenção partidária que oficializou Geraldo como candidato a prefeito de Salvador. Ele apenas gravou um vídeo de 15 segundos de apoio, que foi massivamente repetido no horário eleitoral.

Nas entrevistas que concedeu à imprensa baiana, o presidente da República deixou claro que se recusaria a causar uma turbulência política em seu governo para alavancar a candidatura do emedebista na capital baiana.

Trocando em miúdos, o União Brasil - partido de Bruno Reis - faz parte da base aliada do governo Lula, que preferiu evitar atritos com a legenda. “Eu não vou me jogar para criar conflito. Eu tenho que saber que sou presidente. (...) Tenho que fazer um jogo mais ou menos acertado para que eu não traga problema (no Congresso Nacional) depois de terminar as eleições aqui”, afirmou ele, em entrevista à rádio Metrópole, em janeiro deste ano.

Apesar de ignorado por Lula, Geraldo Júnior insistiu em “colar” no petista. Durante o último debate, promovido pela TV Bahia, ele chegou a mencionar o nome do presidente 23 vezes. Sua afirmação de que Lula estava assistindo ao embate eleitoral gerou uma torrente de zombarias nas redes sociais.

Boa parte dos ataques a Geraldo por tentar se aliar a Lula veio de seu adversário Kleber Rosa, que também tentou se aproximar do presidente. “Em 2018, Lula estava preso e o senhor estava votando em Bolsonaro”, disse o socialista ao concorrente do MDB no debate da TV Bandeirantes.

As sucessivas mudanças em seu discurso tiveram um custo político elevado para Geraldo Júnior. Ele passou a criticar a gestão de ACM Neto e Bruno Reis, da qual fez parte, e adotou uma retórica mais alinhada à esquerda, com foco em pautas ambientais. Suas falas deixavam claro que as velhas roupas já não lhe serviam mais. “Ele diz que até as pedras mudam de lugar. Aí não é uma pedra, Geraldo, é uma avalanche o que aconteceu nas suas mudanças políticas”, ironizou Bruno Reis.

Corpo mole

Não foi só Lula que fez corpo mole na campanha do MDB em Salvador. O ex-governador da Bahia e ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), virou as costas também para o postulante emedebista durante as eleições. Embora tenha percorrido diversas cidades do interior do estado no pleito, o petista baiano não marcou presença em nenhum evento eleitoral de Geraldo Júnior.

A explicação é simples. Em desavença com Wagner desde 2022, quando queria ser candidato a senador da República, Rui Costa desejava que o postulante a prefeito de Salvador da base petista neste ano fosse o presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), José Trindade (PSB).

A estratégia era filiar Trindade ao PT para que, com a força do partido, tornasse um nome competitivo na corrida pelo Palácio Thomé de Souza. Todavia, Wagner entrou em campo e fez naufragar o plano de Rui Costa, que almejava mostrar força política com sua articulação. O senador conseguiu convencer os aliados de que Geraldo Júnior deveria ser o representante do grupo político na corrida eleitoral deste ano.

Contrariado, o ministro da Casa Civil disse publicamente que não iria se engajar na campanha do vice-governador. “Não vou conseguir ser tão engajado como fiquei em outras campanhas. Eu pretendo ter uma presença nas campanhas muito com vídeo, com foto, porque não vai dar tempo. Eu não vou conseguir sair de lá para ter presença aqui”, afirmou ele, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

O único ato de Geraldo Júnior que contou com a presença de Rui Costa foi a convenção partidária, realizada ainda durante a pré-campanha.

Coincidentemente, no mesmo dia (4 de agosto), era aniversário da esposa do ministro, Aline Peixoto - conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). Diante disso, os correligionários esperavam que o ex-governador utilizasse essa ocasião como justificativa para não comparecer ao evento.

Além de o ministro não mover uma palha para ajudar o candidato do MDB, seus companheiros — José Trindade e Diogo Medrado, que está licenciado da Superintendência de Fomento ao Turismo (Sufotur) — foram criticados internamente pelo próprio grupo petista por fazerem corpo mole durante toda a campanha eleitoral na capital baiana.

Destino político

Antes mesmo de a disputa pela prefeitura de Salvador começar, já circulavam nos bastidores da política rumores de que Geraldo Júnior usaria a eleição como uma vitrine para alavancar sua candidatura a deputado federal em 2026.

O entendimento, dentro da própria base petista, é de que o emedebista será rifado da chapa majoritária no próximo pleito geral por falta de espaço. Hoje, há quatro vagas (governador, vice e duas de senadores) na composição para seis nomes - Jerônimo Rodrigues, Jaques Wagner, Rui Costa, Geraldo Júnior, Angelo Coronel (PSD) e Ronaldo Carletto (Avante).

Apoiadores do vice-governador demonstraram frustração com o desempenho dele, pois acreditavam que o candidato do MDB poderia alcançar até 35% dos votos na capital baiana - o mesmo percentual obtido por Jerônimo Rodrigues em Salvador no segundo turno.

Mas Geraldo cruzou a linha de chegada, em terceiro lugar, com apenas 10,33% dos votos e sem saber se estará na majoritária de 2026 ou se vai entrar na acirrada disputa por uma cadeira na Câmara dos Deputados.