A arte de envelhecer na política: caso Biden traz senilidade e etarismo para o debate

Presidente dos Estados Unidos desistiu de disputar a reeleição após fraco desempenho em debate contra Donald Trump

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  • Rodrigo Daniel Silva

Publicado em 28 de julho de 2024 às 05:00

Joe Biden e Lula, presidentes dos EUA e Brasil; ex-presidente
Joe Biden e Lula, atuais presidentes dos EUA e Brasil; ex-presidente Jair Bolsonaro e Donald Trump Crédito: Divulgação

As gafes, quedas e falas atrapalhadas minaram a tentativa de reeleição de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos. A candidatura do democrata durou apenas 24 dias após um debate com o republicano Donald Trump que evidenciou o declínio cognitivo e físico de Biden. A situação dele trouxe para o centro do palco da política os temas da senilidade e do etarismo.

Com o envelhecimento da população mundial por causa da redução tanto das taxas de fecundidade como das de mortalidade, a avaliação de especialistas é de que cada vez mais teremos lideranças políticas 60+. No Brasil, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) completará 79 anos em outubro e, se for candidato e reeleito em 2026, poderá concluir o segundo mandato com 85 anos. Ele já é o chefe do Executivo brasileiro mais velho a comandar o país. O título pertencia ao emedebista Michel Temer, que deixou o posto em janeiro de 2019, com 78 anos, 3 meses e 9 dias.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no ano passado, apontam que já há mais de 22 milhões de brasileiros com 65 anos ou mais, o que representa 10,9% do total de habitantes no país. Na história do Brasil, além de Lula, que foi eleito para o terceiro mandato com 77 anos de idade, mais cinco políticos venceram pleitos com mais de 65 anos: Tancredo Neves, Rodrigues Alves, Getúlio Vargas, Costa Silva e Ernesto Geisel. Levando em conta que o Brasil teve 39 presidentes desde Deodoro da Fonseca, sem contar as reeleições, isso equivale a 15% do total.

Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, iria assumir a presidência aos 75 anos, se não tivesse falecido. Antes de sua morte, ele frequentemente se referia à sua condição de saúde com um tom de desdém, chamando-a de "saúde irritante". O seu biógrafo, Plínio Fraga, relata que Tancredo Neves citava uma frase para falar do valor da experiência. “O chanceler Konrad Adenauer construiu a Alemanha com mais de 70 anos, e o jovem Nero, aos 27, tocou fogo em Roma”, dizia o mineiro.

"O problema não é a velhice no sentido biológico. O problema é vigor e demonstração de habilidade"

Antonio Lavareda
Cientista político 

O nosso primeiro presidente Deodoro da Fonseca tinha 62 anos quando chegou ao poder nacional. A única mulher a presidir o Brasil, Dilma Rousseff (PT), foi eleita com a mesma idade e deixou o cargo com 68. Para o cientista político Antonio Lavareda, o envelhecimento não é obstáculo para os atores políticos desde que mostrem ter vigor. “O problema não é a velhice no sentido biológico. O Trump tem quase a idade de Biden. O problema é vigor e demonstração de habilidade, de preparo físico para o exercício do cargo, que é sabidamente exaustivo. E, sobretudo, habilidade, destreza cognitiva para encarar e se posicionar sobre os desafios colocados”, analisa.

O especialista ainda ressalta que os políticos com 60+ têm tido desvantagem na era digital que presenciamos. “Os jovens passaram boa parte da vida neste universo digital ao passo que os políticos mais velhos passaram a maior parte da vida no universo analógico. Isso é um diferencial vantajoso”, avalia.

Os governadores

Na Bahia pós-redemocratização, nunca ninguém chegou ao poder do estado com mais de 65 anos. Na eleição de 2022, o senador petista Jaques Wagner até ensaiou entrar na disputa pelo Palácio de Ondina, mas desistiu. Ele abdicou da candidatura com 71 anos, defendeu o discurso da renovação política e atuou para eleger o atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT), que venceu aos 57. De 1985 para cá, os cinquentões são maioria dos eleitos ao governo baiano. Só Antonio Carlos Magalhães e Waldir Pires conquistaram o poder sendo sessentões, 63 e 60, respectivamente. Aliás, este último só saiu da vida pública aos 90 anos, quando encerrou o mandato de vereador de Salvador em 2016.

O ex-presidente da República José Sarney, que completou 94 anos de idade, já não concorre a cargos eletivos há quase uma década. Entretanto, vira e mexe tem encontros com aliados políticos. Em 2022, teve uma reunião de 1h30 com Lula. No aniversário deste ano, reuniu diversas autoridades do governo e da oposição no festejo que ocorreu em Brasília. "A política só tem uma porta, a porta da entrada, não tem a porta da saída”, declarou em 2011, quando ainda era presidente do Senado.

Prestes a completar 90 anos de vida, a deputada federal petista Luiza Erundina também não pensa em passar pela porta de saída da política. Tem dito que se sente bem para continuar realizando seus projetos e que, quando chegar a hora de se afastar, avisará seus colegas. Foi o que fez o ex-governador da Bahia Nilo Coelho (União Brasil), em novembro de 2023. Na época prefeito de Guanambi, ele renunciou ao cargo aos 80 anos por causa da saúde debilitada. “Tudo na vida tem um começo e um fim. Esta não é uma decisão repentina, mas fruto de uma profunda reflexão sobre o que é melhor para mim e para continuar a servir da melhor maneira à minha Guanambi que tanto amo”, disse na época.

Os cabeças brancas nas urnas

Só após o fim das convenções partidárias saberemos quantos candidatos a prefeito e a vereador com mais de 60 anos estarão na corrida eleitoral deste ano. Há quatro anos, na Bahia, 289 tentaram o posto de prefeito e 3.775 de vereador, um aumento de 25% e 22%, respectivamente, na comparação com o pleito de 2016.

Eleições na Bahia
Eleições na Bahia Crédito: Arte Correio

Nas principais cidades do estado, já existem lideranças políticas com mais de 60 anos confirmadas como candidatas. Entre elas estão os ex-prefeitos de Feira de Santana José Ronaldo de Carvalho (União Brasil), 73; de Alagoinhas Paulo Cezar (União Brasil), 67; o ex-gestor de Camaçari Luiz Caetano (PT), 69; e o deputado federal Waldenor Pereira (PT), 70, que tentará a prefeitura de Vitória da Conquista.

É a mais de 450 quilômetros da capital baiana que hoje mora o prefeito mais velho da Bahia. Hoje com 86 anos de idade, Luiz de Deus (PSD) não poderá concorrer nas eleições deste ano em Paulo Afonso, no norte baiano, por já estar no segundo mandato consecutivo.

Aliado político dele, o ex-deputado federal José Carlos Aleluia conta que o ex-prefeito não renunciou ao cargo, mas está afastado das funções devido a problemas de saúde, como dificuldades de locomoção. “Ele é meu amigo e irmão. O vice-prefeito Marcondes (Francisco) é quem está à frente hoje e vai disputar a reeleição. O Luiz de Deus não pode concorrer e, se pudesse, não iria por causa da idade. A família achava que ele não devia”, contou o correligionário.

Driblando o etarismo

No imaginário coletivo, os atores políticos permanecem nos postos, mesmo com a idade avançada, porque “não querem largar o osso”. Afinal, dizia Rei Lear, que “até um vira-lata é obedecido quando ocupa um cargo”. O personagem shakespeariano, que decidiu se aposentar na velhice e partilhar o seu reinado entre as filhas, se deu mal após abdicar o poder.

Para tentar superar os preconceitos relacionados à idade, os políticos frequentemente recorrem ao humor. Às vezes, para projetar uma imagem de vigor, eles também enfatizam aspectos de sua virilidade. No dia 5 de julho, foi exatamente isso que fez Lula. Durante um evento em São Paulo, o petista declarou que estava com "tesão de 20" anos e acrescentou que a primeira-dama Janja é "testemunha ocular" de que não estava cansado. “Quando eu falo que eu tenho 70 anos de idade, energia de 30 e tesão de 20, eu estou falando com conhecimento de causa", afirmou.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) dizia (e permanece afirmando) que é “imbrochável". “Podemos enxergar isso como um fenômeno social porque atravessa a política. Essa ideia do poder masculino associado à virilidade. Eles utilizam do imaginário social machista de que para ter capacidade política precisa ter uma virilidade. É um recurso usado pela sociedade machista que estamos inseridos”, diz o psicólogo especialista em gerontologia Mateus Vieira Soares.

No caso de Lula, os adversários tentam associar o petista à senilidade, ao lembrar quando o brasileiro quase trocou o nome do atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, pelo ex-governador fluminense Sérgio Cabral em fevereiro deste ano. E também quando confundiu o nome do presidente da França, Emmanuel Macron, pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, em março deste ano. Provocador, o senador Ciro Nogueira (PP) chegou a chamar o presidente da República de “Biden da Silva”.