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Vendas externas de cravo geraram mais de US$ 17 milhões de dólares e a de pimenta-do-reino rendeu outros US$ 9 milhões
Georgina Maynart
Publicado em 10 de fevereiro de 2019 às 13:00
- Atualizado há 2 anos
Os pés de cravo-da-índia se espalham pela Fazenda Três Barras, na zona rural de Valença. Deles saíram quase 25 toneladas de cravo só na última safra. O cultivo da especiaria é tradição na família Braga Queiroz, que mantém as árvores há três gerações.
“Começou com meu avô materno, ainda na década de 1950, depois passou para meu pai e dele para os filhos. Temos pés com mais de 60 anos. Eu nasci no meio das especiarias, e pretendo passar para meus filhos”, conta o produtor rural Marcelo Antônio Braga Queiroz.
E não fica cravo no pé, toda a produção é comercializada.
A plantação no Baixo Sul da Bahia, é apenas uma amostra do potencial econômico do mercado de especiarias. Segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior, as exportações de cravo-da-índia e pimenta-do-reino renderam mais de US$ 25 milhões para a Bahia em 2018.
As exportações de cravo-da-índia geraram um acréscimo de US$ 17,6 milhões na balança comercial baiana, enquanto as remessas de pimenta-do-reino em grão para outros países representaram US$ 8,89 milhões, cerca de 9,1% acima do valor obtido em 2017. Não por acaso, a pimenta-do-reino é conhecida como o “ouro negro” da agricultura.Valença, no Baixo Sul da Bahia é o principal produtor de cravo-da-índia do país. (Foto: Marcelo Braga Queiroz) Na Bahia, as maiores produções, em escala comercial, se concentram nos municípios de Valença, Presidente Tancredo Neves, Taperoá, Santo Amaro, Prado, Porto Seguro, Belmonte, Itamaraju, Itabela, Itaji, Canavieiras e Guarantiga. São municípios localizados no Sul e Baixo Sul da Bahia, regiões que possuem vários fatores climáticos que favorecem o cultivo de especiarias, a exemplo do clima quente e úmido.
De acordo com o IBGE, os agricultores baianos produziram 5.8 mil toneladas de pimenta-do-reino em 2017, e o estado continua sendo o maior produtor de cravo-da-índia do país.
“Aqui em Valença o cravo é o carro chefe da economia. Depois de oito anos do plantio ele começa a produzir e não para mais. Quem tem um pé, tem aposentadoria garantida”, acrescenta Marcelo Braga, que nos últimos quatro anos passou a cultivar também pimenta-do-reino, e já vem colhendo cerca de 8 toneladas por ano. O comerciante Djalma Miranda mantem um dos principais pontos de distribuição de especiarias da Bahia na Feira de São Joaquim. (Foto: Georgina Maynart) Comércio intenso
Na Bahia, a cadeia produtiva das especiarias envolve milhares de pessoas, desde os produtores aos transportadores, exportadores e revendedores.
Na Feira de São Joaquim, em Salvador, um dos principais entrepostos do estado, o cheiro dos condimentos se espalha pela loja Miranda dos Temperos. Logo que chega, o consumidor tem contato com um colorido especial nas prateleiras. O local comercializa mais de 100 variedades de especiarias, entre elas alecrim, anis, cravo, cominho, gengibre, canela e amburana de cheiro.
Boa parte dos condimentos vêm do interior da Bahia, mas existem temperos de outros lugares, como o curry, comum na culinária indiana, e a páprica doce, indispensável na cozinha húngara.
Há mais de 20 anos o comerciante Djalma Miranda vende no atacado, e fornece para os principais revendedores da capital baiana. “A especiaria que mais sai é o coloral, que é o corante feito com urucum. Mas a venda de açafrão cresceu muito, cerca de 20%. Muita gente está usando em moquecas, no lugar do azeite de dendê”, explica o comerciante.
Já para o comerciante Edimundo Pereira dos Santos, as especiarias significam o principal negócio da família há 45 anos. Ele vende direto para o consumidor, e foi com a renda dos temperos que conseguiu criar e formar os três filhos.“Meu irmão começou o negócio, e eu dei continuidade passando de geração para geração. O condimento é abrangente, vende o ano todo, de domingo a domingo, de sol a chuva, de inverno a verão. O consumidor sempre leva um temperinho. É um motivo de prazer e alegria viver de especiarias”, acrescenta Edimundo. Especiarias geram renda há três gerações para a família do feirante Edimundo Pereira. (Foto: Georgina Maynart) Cotações
Os preços se comportam de forma diferente a depender da especiaria. Os do cravo-da-índia não variam muito ao longo do ano e costumam permanecer estáveis mesmo com a mudança das estações. O quilo está saindo das regiões produtoras por R$ 20 para chegar ao consumidor final por até R$ 35.
Já a pimenta-do-reino costuma registrar oscilações de até 430% ao longo do ano. O quilo da especiaria que já chegou a custar R$ 32 atualmente pode ser encontrado por até R$ 5 no campo. Um dos motivos é o período de colheita da safra nos outros estados, como Espírito Santo, que envia para cá parte da produção.
Para o consumidor final, o quilo do “ouro negro” que já foi vendido até por R$ 45 agora varia de R$ 8 a R$ 15 nos principais mercados de Salvador.
Na feira de São Joaquim, as porções menores, com cerca de 200 gramas, são vendidas em média por R$ 1 ou R$ 2, mesmos valores cobrados pelos saquinhos de outras especiarias como açafrão e canela em pó.
Feira de São Joaquim se consolidou como um dos principais entrepostos de especiarias do Nordeste. (Foto: Georgina Maynart) Comércio secular
O comércio de especiarias sempre marcou a economia mundial e influenciou muitos movimentos da história da humanidade. Com o fim das antigas Cruzadas, ainda no século XIII, os comerciantes venezianos traçaram a Rota das Especiarias ao cruzar o Oriente Médio em direção a Ásia para trazer temperos para a Europa.
Séculos depois, na época das grandes navegações, os europeus começaram uma nova fase da economia ao buscar um caminho alternativo para chegar as Índias das especiarias. O sal, tempero valorizado em várias partes do mundo, chegou a servir de moeda numa época em que era o principal ingrediente usado na conservação dos alimentos.
Propriedades medicinais das especiarias são cada vez mais apreciadas. (Foto: Georgina Maynart) Propriedades Medicinais
Algumas especiarias têm propriedades consideradas medicinais, e são muito usadas no preparo de chás e cosméticos. Confira:
Anis: Geralmente recomendada como estimulante da digestão, para aliviar dores abdominais e regular a menstruação.
Canela: Em canudinhos ou em pó, a canela tem propriedades digestivas, analgésicas e expectorantes, sendo muito usada no tratamento de sinusites e dores de garganta.
Alecrim: Em chás, costuma ser usado para aumentar as defesas do sistema imunológico e circulatório e também para aliviar dores musculares. Cientistas estudam a influência da planta para melhorar a memória.
Gengibre: Indicada como expectorante, estimulante e analgésico, utilizada ainda para combater dores de cabeça, gripes e dores abdominais.
Exaltação do sabor
Há milênios, o uso de especiarias na gastronomia é essencial. Cerca de 6 mil anos antes de Cristo os chineses já usavam condimentos para temperar alimentos.
Na culinária baiana, os temperos se tornaram indispensáveis em quase todos os pratos, salgados ou doces. E é difícil encontrar um especialista que não use estes ingredientes para aromatizar ou acentuar o sabor das receitas, sejam moquecas, doces ou mingaus.
Na tradicional cozinha do Restaurante do SENAC, no Pelourinho, a Chef de Cozinha Jacqueline Bispo, lança mão de diversos temperos para montar o cardápio, composto por 40 tipos de pratos diferentes, e que atrai baianos e turistas.“As especiarias são essenciais, imprescindíveis. Elas complementam a identidade do nosso trabalho, são nossas parceiras no preparo. Ajudam a exaltar o sabor, a deixar os pratos mais apetitosos, coloridos, a alterar a textura, a dar um toque diferenciado na comida, e a colocar memória nos alimentos. As pessoas guardam a experiência do cheiro, por exemplo”, destaca Jacqueline, Chef de Cozinha do restaurante há 11 anos.Abaixo ela dá dicas para aproveitar o que há de melhor nas especiarias disponíveis no mercado (pingue-pongue). Chef Jacqueline Bispo utiliza dezenas de especiarias diariamente na cozinha tradicional do Restaurante Senac, Pelourinho, em Salvador. (Foto: Acervo Pessoal) Qual a principal dica antes de usar uma especiaria no preparo do prato?
É importante saber que cada especiaria tem uma função. No caso do molho branco, o chamado molho bechamel, por exemplo, a única que dá sabor é a noz moscada, que é especifica para este tipo de molho. Nos guisados ou cozidos é a pimenta cominho ou a pimenta preta. Já no feijão, a folha de louro é essencial, tanto para aromatizar quanto para auxiliar na digestão. Se for preparar comida oriental ou tailandesa, não dá para dispensar o curry, que é uma mistura de várias pimentas. No caso da páprica é outra história. A páprica doce não tem tanto ardor, então usamos para carnes e molhos. Já se for preparar uma comida mais forte, como a mexicana, com gosto mais marcante, recomendamos usar a páprica picante mesmo".
Na Bahia temos um cardápio com forte presença dos peixes e mariscos. Quais as especiarias recomendadas para acompanhar estes pratos?
Os peixes, por serem mais leves, pegam quase todo tipo de tempero, mas aqui usamos muito a pimenta branca. Por ser menos ardente, ela não interfere tanto no sabor quanto a pimenta preta. Usamos ela em quase todos os pratos, seja no preparo das proteínas brancas, como peixe e carne de frango, seja na carne vermelha, como o filé mignon. Juntando com o alho e a salsinha, o sabor fica maravilhoso, além de aumentar a beleza do prato.Quais as quantidades ideais?
É necessário ter equilíbrio e não exagerar. E isso vale para o gengibre que usamos no vatapá, para a canela que colocamos no mingau, ou para o cravo que incluímos nos doces. Essencial lembrar também que as especiarias são ótimas para substituir o sal, principalmente para aquelas pessoas que são hipertensas.
Com pequenas porções variadas de especiarias, monte seu kit básico para facilitar a rotina na cozinha. (Foto: Georgina Maynart) Receita: Dica de Tempero base da Chef Jacqueline Bispo
Prepare kits básicos de especiarias para facilitar no dia-a-dia da cozinha.Ingredientes: *1 quilo de sal *300 gramas de alho processado *5 gramas de pimenta do reino branca
Modo de fazer: Pegue o alho processado (batido no liquidificador ou picado em pedacinhos bem pequenos) e misture com a pimenta branca. Depois acrescente esta mistura ao sal. Este “kit básico” pode durar de três a quatro meses. Na hora do preparo dos alimentos, a depender do prato, basta acrescentar as outras especiarias à receita base, pode ser páprica, pimenta calabresa ou algum outro tempero.