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Empreendedores mostram o poder da periferia de Salvador

Existem oportunidades nas áreas de culinária, moda, esporte, ecoturismo, cinema e música

  • Foto do(a) author(a) Carmen Vasconcelos
  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 9 de março de 2020 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Há cerca de quatro anos, o design gráfico Iago Santos se deu conta como era difícil acionar serviços de entrega em áreas periféricas de Salvador, como São Caetano. “Na época, eu e um primo (que veio a  falecer) decidimos colocar uma petiscaria no bairro como uma forma de minimizar as necessidades locais. Com o tempo, percebi que as possibilidades eram outras e surgia o Disk Favela, que depois se transformou em Traz Favela”, conta. 

A percepção do jovem empresário soteropolitano ilustra os resultados da pesquisa Economia das Favelas (renda e consumo nas favelas brasileiras), desenvolvida pelos institutos DataFavela e Locomotiva, que mostra que o Brasil possui 13,6 milhões de pessoas morando em áreas periféricas e que essa população movimenta cerca de R$ 120 bilhões por ano, valores que superam o número de investimentos em 20 dos 27 estados brasileiros.

Para o publicitário e autor do livro "Oportunidades Invisíveis", Paulo Rogério Nunes, Salvador e sua periferia possuem um perfil criativo imenso, no entanto, os investimentos e a economia ficam restritas a poucos bairros, onde já há um histórico de investimento. “O turismo, por exemplo, é uma dessas áreas com enorme potencial, Contudo, resume-se ao Centro Histórico, Barra e Rio Vermelho, esquecendo de localidades como Pirajá, com suas reservas naturais, o Subúrbio Ferroviário que é lindo e não possui grandes empreendimentos como hostel e restaurantes; até o Curuzu que poderia se tornar uma espécie de Soweto (cidade sul-africana conhecida  durante o regime do Apartheid) brasileiro”, completa. 

Para Nunes, existe ainda inúmeras possibilidades vinculadas a áreas como a culinária, moda, esporte, ecoturismo, cinema e música que são menosprezadas de modo quase irresponsável. “As questões que impossibilitam Salvador de se tornar uma cidade referência para o Brasil são muitas e estão ligadas à uma série de aspectos que vão desde a falta de políticas públicas até uma mentalidade tacanha que impede investimentos mais significativos do setor privado cheguem e façam a diferença”, afirma, reconhecendo que houve um crescimento nos últimos dez anos, mas que muito ainda precisa ser feito. 

Startups  A proposta de criar um serviço de entrega voltado para atender as zonas periféricas de Salvador cresceu e ganhou visibilidade em diversos programas de incubação, a exemplo do Afrofuturismo e do Vale do Dendê. Hoje, o TrazFavela ganhou corpo e consegue reunir um grupo fixo de 10 comerciantes e mais 10 empreendimentos que usam os serviços de entrega mais esporadicamente. Segundo Iago Santos, os clientes vão desde sexshop, lojas que atuam com o seguimento de beleza e roupa. “Trabalhamos com 10 motociclistas que realizam as entregas de ponta a ponta da Cidade, em localidades que se estendem por Mussurunga, Santa Cruz, Fazenda Grande e Engenho Velho da Federação”, diz.

Atundo em parceria com os sócios Ana Luísa Sena (financeiro), Marcos Silva (tecnologia), Carlos Lima(operação), Iago diz que o grande desafio para esse ano será lançar um aplicativo próprio, além de expandir a atuação do TrazFavela para outros estados. Outro empreendedor que viu a aposta na periferia render frutos foi Glebsson Almeida, da GRV Moda. Morador de Ilha Amarela, ele era consumidor da chamada longline, que se caracteriza por camisas mais longas e um estilo mais despojado de streetwear.“Eu usava e encomendava minhas roupas de fora. Um belo dia a ficha caiu e decidi fabricar o que eu consumia”, conta. O negócio começou com 50 peças, mas a qualidade e a exclusividade chamaram atenção do público e Glebsson precisou ampliar o negócio, especialmente no ambiente digital. “No entanto, comecei a perceber que os clientes se sentiam mais seguros se houvesse uma loja física e não pensei muito: abri um espaço na comunidade, contratei duas costureiras, dois serigrafistas que também moravam no bairro e começamos a trabalhar com a mão de obra local”, conta, ressaltando que, tempos depois, também fez uma parceria com um fotógrafo e modelos moradores da Ilha Amarela e o negócio ficou ainda mais voltado para a comunidade. Para ampliar o negócio, Almeida buscou a mentoria de incubadoras e  isso possibilitou uma visão ainda mais ampla sobre seus investimentos. 

Educação qualificada e empreendedora A primeira capital do País, sem dúvidas, possui muitas vocações, no entanto, como garantir que essas vocações se transformem em investimentos e alcancem o impacto econômico desejado? Para responder a essa inquietação, algumas iniciativas foram implantadas na cidade, a exemplo do espaço Colabore(que funciona como um espaço de inovação no Parque da Cidade), o Hub Salvador e o  Vale do Dendê. 

Para Paulo Rogério Nunes, o crescimento só será assegurado com o comprometimento dos diversos setores da sociedade civil e um investimento sólido numa educação que estimule, desde cedo, as ações empreendedoras. Nunes destaca o fato de que, embora Salvador possua o título de Cidade da Música, não existe uma escola voltada para a formação de pessoal para a indústria da música, numa perspectiva que supere o viés mais acadêmico e clássico. "É um mercado que precisa de técnicos e produtores", diz.  

Para justificar sua posição, o idealizador do Vale do Dendê cita os exemplos de Medelín, na Colômbia, a cidade de Atlanta e o estado da Califórnia, ambos nos Estados Unidos, localidades que saíram de um passado desfavorável e se reposicionaram no mundo mostrando que locais aparentemente frágeis podem se transformar em potências econômicas.  “Assim como Medelín, Salvador também tem uma marca de violência e desigualdade sociais, mas é dona de uma cultura pujante e única. É preciso visibilizar essa cidade que tem um parque tecnológico com o Senai-Cimatec e que cresce acima da média nacional, logo, não dá para  esquecer que essa vocação tecnológica é capaz de implementar uma economia criativa e diferenciada”, finaliza. 

Pouco recurso e muito talento

Sonhos  Os especialistas são unânimes em afirmar que não precisa ter recurso para iniciar um empreendimento, mas é preciso acreditar no sonho de construir um negócio.

Educação  A crença no sonho precisa vir acompanhada de estudo sobre o negócio que se quer iniciar. Busque conhecer mais e a Internet pode ser um excelente ferramenta de formação.

Apoio  Os programas de aceleração e as incubadoras também podem fazer o sonho virar  realidade mais rapidamente. Esteja alerta para as oportunidades.

Finanças  Educação financeira é fundamental para concretizar sonhos. Por isso mesmo, nada de gastar com balada. Quem tem um sonho precisa se comprometer com a proposta.