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Carmen Vasconcelos
Publicado em 17 de agosto de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Em 2017, o empreendedor Carlos Átilla decidiu que criaria uma relação mais amigável com o dinheiro e decidiu que abriria o próprio negócio. A visita de um rei axante (da República de Gana) a Salvador despertou a ideia de realizar uma parceria com comerciantes africanos e começou a revender tecidos africanos. O negócio ganhou aderência de um público interessado em realizar resgates ancestrais e afirmações identitárias.
Nesses três anos, a marca Agô (@use.ago/@pretabrasil) se transformou, deixando de comercializar tecidos e passando a investir em bolsas, mochilas, carteiras, camisas masculinas e vestidos femininos com a proposta de promover a cultura e a identidade negra. No entanto, Átilla sempre esbarrou num entrave que dificulta a expansão dos negócios: crédito e políticas públicas pensadas para esses empreendedores. "Felizmente, tive o apoio da família para investir no negócio e, com o tempo, passamos a investir na tecnologia do caixa familiar, do contrário, seria bem difícil manter os negócios”, conta.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) mostrou que apesar dos negros representarem 55,8% da população brasileira, por outro, são minoria quando se aborda as posições de liderança no país. De acordo com um levantamento encomendado pelo Instituto Feira Preta, 29% dos negros têm um negócio próprio. Mas 82% deles não têm CNPJ, trabalham informalmente porque carecem de apoio para prosperar.
Impedimentos estruturais
Acesso a crédito, gestão financeira e falta de apoio no planejamento e gestão do negócio aparecem como os principais desafios enfrentados por esses empreendedores: 32% já tiveram crédito negado sem explicação, 88% são os únicos responsáveis pela gestão financeira do negócio e a maioria deles conta apenas com recursos próprios ou de seus familiares para investirem. Edson Mackeenzy defende que a educação e a formação empreendedora são armas eficientes para reverter as desigualdades e as dificuldades do empreendedorismo negro (foto: Divulgação) Para o investidor de Startups e mentor de negócios Edson Mackeenzy, grande parte dessa população vem de classes econômicas mais baixas e, por consequência, tem menos acesso à educação o que os leva aos negócios de subsistência ou de prestação de serviços. Para Edson, a mudança dessa situação só virá com investimento em uma educação mais igualitária. “Hoje, o empreendedor, no geral, é pouco qualificado. Em realidade, muitas vezes o empreendedor precisa tomar uma decisão, porque o foco é desenvolver um negócio que irá garantir sua própria subsistência e esse é o ponto que impede com que eles se desenvolvam e desenvolvam negócios de qualidade”, completa.
Soluções cidadãs
Se por um lado os aspectos históricos e econômicos emperram, por outro, vale salientar que inúmeras iniciativas têm buscando dar apoio e suporte ao afroempreendedorismo no Brasil, a exemplo, do AFROLAB, que tem como objetivo apoiar, promover e impulsionar esse público por meio da oferta de conhecimento e capacitação técnica, com foco em inovação e inventividade.
“Mesmo movimentando mais de R$ 200 bilhões por ano, o empreendedor negro no Brasil recebe 40% menos que o empreendedor branco pelo seu trabalho. Estamos trabalhando para mudar essa realidade, fomentando o afroempreendedorismo", explica Adriana Barbosa, presidente da Feira Preta. Na Bahia, vale destacar o trabalho desenvolvido pela coalizão ÉDITODOS, uma aliança que reúne vários representantes do empreendedorismo negro, a exemplo do Vale do Dendê (Salvador), Agência Solano Trindade, Afrobusiness e Feira Preta (São Paulo), FA.Vela (Belo Horizonte) e Instituto Afrolatinas (Distrito Federal) e tem como propósito enfrentar o racismo estrutural e as disparidades de gênero para promover um empreendedorismo baseado na oportunidade.
Dicas para o sucesso
Procure se capacitar É importante que, assim que tenha a oportunidade, o empreendedor negro procure cursos e outras formas de capacitação para ajudar nesse processo de confiança. O fácil acesso à internet ajuda muito nisso hoje em dia.
Segmente o seu negócio É preciso entender sobre estratégias de negócios. Toda vez que você faz algo direcionado para um público específico, você diminui a margem de erro porque consegue ter uma comunicação mais assertiva. É preciso fazer uma ampla pesquisa de validação de produto, para entender se aquilo que está oferecendo a aqueles clientes realmente é desejado por eles. Muitas vezes o empreendedor tem uma ideia de negócio que funciona única e exclusivamente na cabeça dele.
Saiba a quem pedir crédito Dados de um estudo realizado pela PretaHub em parceria com o Plano CDE e JP Morgan apontam que 32% dos empreendedores pretos e pardos tiveram um ou mais pedidos de crédito negados pelo seu banco sem que as razões fossem esclarecidas. Ou seja, é difícil falar isso, mas não adianta ir atrás das vias tradicionais. Pesquise uma rede de apoio que realmente queira ajudar o afroempreendedor.
Fique atento ao momento em que seu negócio se encontra Aprenda a lidar com o dinheiro e administrar seu próprio negócio. Ao menor sinal de crise, faça adaptações, inove, abra os horizontes, invista em novas frentes.
Pense grande Outro ponto apontado pelo mapeamento mostra que o afroempreendedorismo é um meio de sobrevivência e está muito relacionado a um sistema de operação voltado para parcerias com outros empreendedores negros. Esse perfil já vem mudando aos poucos. E é preciso que se mantenha isso. Quando o empreendedor passa da subsistência e começa a construir um negócio que supera o ponto de equilíbrio, ou seja, começa a ter lucro, ele já sente a necessidade de expandir para outros países, onde pode ter maior competitividade. E isso é ótimo. Por que não internacionalizar o negócio para um local que queira recebê-lo e pretende abraçá-lo melhor do que seu próprio país?