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Publicado em 16 de agosto de 2023 às 05:00
Causou certo frisson em Salvador a divulgação dos números finais da contagem populacional pelo Censo, por revelar dois dados inesperados: o primeiro diz respeito ao próprio volume populacional e o segundo à perda de posição relativa da cidade no ranking das capitais brasileiras.
A surpresa veio pela redução do número absoluto de habitantes do município. Acostumada a uma espiral de crescimento contínuo, decorrente de um longo ciclo de intenso processo imigratório, a população viu-se, de repente, diante de um dado que reverteu sua expectativa. Ocorre que estudos técnicos, inclusive os do Salvador 500, já haviam assinalado a tendência de estabilização e declínio da população, o que, aliás, atinge o país em seu todo.
A frustação veio com a perda da terceira posição de cidade mais populosa do país, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, agora ultrapassada por Fortaleza e Brasília. Vivendo do histórico de haver sido a primeira capital do país, Salvador não conta hoje com força econômica para crescer aceleradamente.
Longe de representar ou constituir qualquer problema, como à primeira vista pode parecer, estes dois dados representam oportunidade a ser aproveitada o quanto antes.
O fato da população ter diminuído reduz a pressão por mais terra, habitação, saneamento, transporte, educação, saúde, trabalho e tudo o mais, permitindo reequilibrar a oferta e corrigir as distorções acumuladas desde a segunda metade do século passado.
Não faz nenhum sentido, nem tem qualquer importância, uma cidade ser maior, se não tiver condições de proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes. É o que vem ocorrendo com Salvador que, apesar dos seus atributos naturais e culturais singulares, específicos e diferenciados, não conta com uma economia dinâmica, nem com padrões educacionais capazes de criar oportunidades de trabalho e renda para os seus habitantes.
Salvador é uma cidade acentuadamente pobre e, apesar da mescla entre as “cidades” formal e informal, há uma imensa faixa territorial carente de atenção prioritária por parte do Poder Público em geral. Refiro-me ao extenso e vasto quadrante formado, do aeroporto para cá, entre as avenidas Paralela e ACM, seguindo daí em linha reta até a Baía de Todos-os-Santos, abrangendo a Liberdade, a península de Itapagipe, o Subúrbio ferroviário e todo o “miolo”.
Nessa área a carência social é ainda enormemente elevada, demandando infraestrutura, serviços urbanos e equipamentos sociais, com destaque aqui para a Educação de qualidade até o nível médio, além de amplo programa de formação e qualificação profissional. As “invasões”, como aqui chamamos as favelas, devem ser transformadas em bairros.
Projetos especiais precisam ser aí realizados. A nova Centralidade Metropolitana Águas Claras, instituída pelo PDDU de 2016, é estratégica e fundamental. O falsete do VLT do Subúrbio abre oportunidade para a implantação da Via Náutica, interligando o Subúrbio com o Comércio, e o reencontro de Salvador com a Baía de Todos os Santos. Quanto ao VLT, quando vier, precisa ser ao nível do solo e permitir, nas madrugadas, o acesso de trem cargueiro ao Porto de Salvador.
Dois fatos novos exigem atenção especial: o declínio do uso do carro e o envelhecimento da população. O primeiro abre novas perspectivas para o redesenho das cidades e sua requalificação, agora com prioridade para as pessoas; o segundo impõe uma agenda que considere as dificuldades de locomoção, os problemas de saúde, o uso do tempo livre e, muito frequentemente, a falta de renda.
De nada adiantará, contudo, todo esforço realizado, se não houver uma firme ação promotora do fortalecimento econômico de nossa capital. Somente a elevação do nível de renda da população será capaz de criar uma cidade equilibrada, integrada e justa.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento