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Gabriel Galo
Publicado em 11 de julho de 2018 às 18:32
- Atualizado há 2 anos
Ah, projetos… Vive-se a era de planos de longo prazo colocados em ação. Alemanha, a partir de 2000 e uma traumática Eurocopa. Trauma compartilhado em modelo e consequência pela Bélgica, em 2004. De volta à década de 70, a França foi pioneira. Sim, funciona, mas o fenomenal está na exceção. Porque poucas sensações são tão maravilhosas quanto a surpresa, assim como absolutamente tola é a busca pelo controle integral.
Não que esta crônica seja uma exaltação à bagunça. Por favor, não me entenda mal. A estatística comprova que tem mais chance que se organiza. A mensagem aqui é outra. É de exaltação ao imponderável, ao contrassenso, ao não óbvio.
Adoramos um azarão. Que redefine, ou deveria redefinir, nossas certezas. Afinal, certeza não existe, existe probabilidade, esta bela e recatada senhora que sofre nas mãos da menina traquinas e serelepe chamada realidade. E a verdade dos fatos informa em letras garrafais: a Croácia está numa final de Copa do Mundo.
E qual o projeto croata? De maneira simples: absolutamente nenhum.
Até pouco mais de 20 anos atrás, sequer país a Croácia era. Nação encravada em região com sucessivas guerras separatistas.
Modric, o craque do time, um dos pilares do ultra campeão Real Madri, possui relação conturbada com seu país. É odiado. Faixas chegam a estampar que a equipe seja campeã, “apesar de Modric”.
Sorteio indicou os europeus, eliminados na fase de grupos em suas duas últimas participações em Copa, dividindo forças com a vice-campeã Argentina de Messi.
Já em gramados russo, no meio da disputa, um atleta se recusa a entrar em campo nos acréscimos do segundo tempo. É cortado e mandado de volta para casa.
Some-se, então, a falta total de projeto, o ódio de um país ao seu craque, um grupo dito complicado, uma indisciplina que poderia rachar o grupo. Depois, um tanto louco, multiplique por menos um, inverta o sentido, subverta a razão, porque a realidade tem acordo com o imponderável. Andam de mãos dadas, indissociáveis. Coube a esta brava Croácia comer a lógica com farinha, sobre a mesa coberta com a toalha de sua bandeira.
Sim, de onde menos se espera é que, quase sempre, não sai nada mesmo. Só que se fecharmos os olhos para o cálculo irrefutável e abrirmos os braços para o acaso, perceberemos que a única constante na vida é a mudança. O novo sempre vem. E o destino tratou de virar tudo de cabeça pra baixo. Ainda bem.
Passou quem fez por merecer no único lugar que importa, por fim: o campo de jogo. É na bola que se aniquila a sobriedade galopante do futebol ‘moderno’. Um alento de molecagem invadindo e implodindo a rigorosa matemática analítica. Pois aceitemos, é o inusitado nos mantém viva a alma.
Celebremos, portanto, a incerteza e seu carteado de fortunas imprevisíveis! Viva à Croácia!
* Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo.