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Carmen Vasconcelos
Publicado em 30 de maio de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A devoção a Santo Antônio começou bem cedo na vida da pesquisadora e educadora Sálua Chequer, 60 anos. No município de Ibirataia, a 356 km de Salvador, ela vivia em meio à devoção da família materna e a cultura paterna que não acatava o pecado católico.Aos seis anos, ela descobriu uma festa diferente na casa de D. Zuleica, que morava no único sobrado da cidade e ensinava acordeon.
“Naquela casa, trezena de Santo Antônio tinha música, comida e muita alegria. Depois de ‘adultada’ entendi que eu queria esse Deus que gostava de festa”, diz, lembrando que ela mesma passou a rezar trezenas anualmente, na década de 70, quando chegou a Salvador e alugou um apartamento onde tudo que restava do antigo proprietário era justamente a imagem do santo. “Ele era franciscano, amava a natureza... Me identifiquei e prometi que, enquanto vivesse, rezaria ao santo”, completa. A devoção de Sálua encontra parceria com outras tantas em Salvador onde, a partir de sexta e até o dia 13, rezaram louvores ao santo conhecido por ‘achar’ perdidos, ser padroeiro dos pobres e até mesmo promotor de casórios, sendo considerado um santo casamenteiro."Tudo que peço, ele atende. Ele é muito dedicado, recuperando o material e até mesmo trazendo de volta a alegria perdida"
Mabel Velloso - EscritoraQuando assumiu a coordenação da Pastoral de Turismo e a Paróquia do Centro Administrativo da Bahia, Padre Manoel Oliveira Filho,51, também teve o suporte desse santo para unir a comunidade. “Quando cheguei ao CAB, pouca gente frequentava a paróquia mas, em maio, começaram a chegar pessoas solicitando que fosse rezar a trezena nas secretarias. Logo, começamos a participar de inúmeras trezenas, inclusive nos condomínios e prédios, no Alphaville, chegamos a reunir mais de 500 pessoas nunca única missa”, conta.
Para o padre, a popularidade do santo pode ser explicada de diversas formas, sobretudo, pelo fato de que a devoção possui um caráter muito comunitário e transversal. “Santo Antônio continua sendo um grande evangelizador, ele traduz o ágape, o amor que se compartilha por meio das orações, das canções, da festa, do alimento”, completa o sacerdote, ressaltando que esse é santo de maior devoção no estado, só se comparando à Nossa Senhora da Conceição. A veneração ao Santo é originária de Portugal, mas no Brasil cresceu rapidamente e também dominou o coração do povo (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução) Fé em Antônio
O sacerdote lembra que em Salvador essa tradição chegou com os portugueses e se espalhou por toda a cidade, lembrando que há paróquias dedicadas ao santo– a exemplo do Além do Carmo, Malvinas, Cosme de Farias – além de igrejas como a da Piedade, onde há uma intensa festa nas terças, na Barra, e até mesmo um forte dedicado ao santo nascido em Lisboa.
Enquanto a presença de religiosos não era frequente na primeira capital do país, a festa de Santo Antônio também se espalhou nos lares, possibilitando que as trezenas rezadas em casa se transformasse numa tradição passada através das gerações.
A produtora Piti Canella, por exemplo, passou a infância e a adolescência participando das trezenas organizadas pela avó e pelas tias. “Minha avó, Dona Joaninha, morava no Politeama e guardo recordações muito felizes desse período”, diz Piti. Ela lembra que, como a maioria das crianças, a hora do lanche era altamente aguardada. “Hoje, tenho Santo Antônio como um grande amigo, um ‘chapa’. Ele só não é bom para arrumar marido (ai, São José é melhor), mas o resto é só pedir”, graceja."As trezenas de Santo Antônio rezadas no interior tinham música, comida e muita alegria. Depois de ‘adultada’ entendi que eu queria esse Deus que gostava de festa"
Sálua Chequer - Pesquisadora em cultura popular e educadora A tradição familiar possibilitou que a produtora organizasse, no período que trabalhou com Carlinhos Brown, a festa de Santo Antônio do Candyall Guetho Square. “Montamos um altar na Ilha dos Sapos e copiamos as rezas e cantigas do livro de minha avó”, relembra Piti, ressaltando que a mãe de Brown, Dona Madalena, é uma das rezadeiras.
Para além da identificação com o santo, a trezena realizada por Sálua Chequer também ganhou corpo com o passar dos anos e ganhou participações expressivas como a Banda de Pífanos de Caruaru e a Banda da Polícia Militar da Bahia. “A primeira trezena que fiz havia quatro participantes. Hoje, rezo as 13 noites e já tivemos dias com mais de 100 participantes”, diz a pesquisadora, que tem um filho chamado Antônio e diz que, na sua casa, os festejos juninos começam com a festa de São José e que o altar de Santo Antônio só é desfeito no dia 02 de julho. “Gosto de acalentar essa devoção ligada à agricultura, à natureza e à celebração”, completa, enfatizando que tem por Santo Antônio um chamego e um xodó todo especial.
Milagreiro
A escritora Mabel Velloso, 84, diz que a devoção a Santo Antônio nasceu com ela. “A família de meu pai e de minha mãe já rezavam trezenas nesse período, de modo que não me lembro uma única vez que essa tradição não estivesse presente em nossas vidas”, afirma, ressaltando que quando vivos, eles eram responsáveis pela noite dos namorados dentro da trezena. Hoje, Mabel organiza a festa com muito desvelo e capricho.
“Quando cheguei em Salvador, em 1974, morei no Tororó e conseguimos congregar os amigos e vizinhos e cada um era responsável por uma noite”, ressalta Mabel, destacando que até hoje os irmãos, sobrinhos e netos têm suas noites definidas e que até mesmo os irmãos Caetano e Maria Bethania, quando estão em Salvador, fazem questão de participar da festa devocional. Mabel Veloso lembra que a tradição começou com os pais e segue hoje com os irmãos, filhos, sobrinhos e netos (Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução) Mais que uma tradição hereditária, ela garante que o santo já a atendeu em várias questões, das grandes à mais bobas. “Tudo que peço, ele atende. Costumam brincar comigo dizendo que o ocupo demais, mas ele é muito dedicado, recuperando o material e até mesmo trazendo de volta a alegria perdida”, completa. Mabel diz que quando chega junho, ela esquece qualquer rigor dietético ou médico e se permite beber licor e comer doce. “Nas trezenas que rezamos é tudo muito simples, mas feito com muita força e fé”, garante."Santo Antônio continua sendo um grande evangelizador, ele traduz o ágape, o amor que se compartilha por meio das orações, das canções da festa, do alimento"
Manoel Oliveira Filho - Coordenador da Pastoral do Turismo da Arquidiocese de Salvador e pároco do CABSanto Antônio também tem uma história importante na vida da escritora Mariana Paiva, afinal, foi na festa de Santo Antônio realizada no Iapi que os pais se conheceram e casaram. “Minha mãe participava de uma trezena que uma vizinha dela organizava. Meu pai foi encontrar um amigo nessa festa e eles se conheceram. Desde então, Santo Antônio se tornou o padroeiro da minha casa e meus pais fazem questão de rezar a trezena até hoje, inclusive, com a participação dos amigos da época de juventude”, conta a escritora.
A administradora e empresária Maria Cristina Brito também é uma devota que ganhou a missão de fazer as trezenas com a mãe. "No último ano que minha mãe rezou a trezena, no final da reza, me avisou: Cristina estou passando para você!, finaliza