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Romance de Amélia Rodrigues é editado em livro 140 anos após a publicação em jornal

História se passa no Recôncavo, tem como pano de fundo a Guerra do Paraguai e abre espaço para o debate racial da época

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 21 de junho de 2022 às 06:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Sessenta e cinco anos de vida foram poucos para dar conta do tamanho da produção de Amélia Rodrigues ((1861-1926). Única baiana a nomear uma cidade na Bahia (com exceção de Santas), a obra da santoamarense  foi extensa e ultrapassou a própria área da educação, na qual  foi devota e ativista. Teatro, prosa, poesia e diversos tipos de narrativas passaram pela tinta, caneta e papel da professora.

Um bom exemplo é o romance O Mameluco, publicado em fascículos no século XIX, mas que permanecia desconhecido do grande público. Mas um projeto assinado pela também professora  Milena Britto, do Instituto de Letras da Ufba e selecionado pelo Rumos Itaú Cultural, proporcionou a primeira edição em livro do texto.

O lançamento será nesta terça (21), às 17h, com uma conversa reunindo Milena, a pesquisadora Constância Lima Duarte, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Nancy Vieira, professora e pesquisadora do Instituto de Letras da Ufba no YouTube da livraria Boto-cor-de-rosa.. Elas conversam sobre a publicação e sobre o trabalho de Amélia Rodrigues, que virou nome de cidade 35 anos após a sua morte - quando o distrito de Traripe foi emancipado de Santo Amaro, marcando o centenário da  autora. Amélia Rodrigues teve uma vasta produção literária e como educadora (Foto: Acervo IGHBA/Divulgação) Debate racial 

O enredo de O Mameluco trata de debates raciais da época, como a mestiçagem no país, ecoando a questão da nacionalidade brasileira e a sua formação racial. Tudo isso dentro de um enredo que envolve um triângulo amoroso, senhores de terras, pessoas negras escravizadas, coronéis e o envio arbitrário de soldados e civis à Guerra do Paraguai - pano de fundo da trama.

A história ambientada em uma fazenda do Recôncavo baiano foi publicada em um folhetim no ano de 1882. Movida pela curiosidade, a ainda estudante Milena vasculhou o setor de periódicos raros da Biblioteca Central dos Barris até encontrar a publicação original.

“É interessante falar que este trabalho não está tão acessível e se não fosse pelo investimento de pesquisadoras que acionam outros lugares, cavando, pensando em histórias ocultas... não sairia. Essa história vem de uma motivação de complementar dados históricos sobre a produção baiana, considerando a voz da mulher baiana do século XIX”, afirma a autora.

O periódico em questão é o extinto jornal Echo Sant’Amarense, um dos principais do Recôncavo no século XIX. Para o livro, o texto foi resgatado do último exemplar sobrevivente do ano de 1882 do periódico, arquivado no acervo da Biblioteca do Estado da Bahia. A edição vem acompanhada de ilustrações de Flávia Bomfim, criadas exclusivamente para o romance, que integra a coleção Escritoras das Américas.

A artista faz algumas releituras de imagens conhecidas da arte e cultura pop brasileiras e apresenta as personagens interpretando-as a partir da visão daquele momento, chamando atenção sobre os estereótipos também presentes na iconografia brasileira.   "Através dessas produções a gente se deparou com a figura de Amélia Rodrigues, que é nome de cidade, conhecida como pedagoga, professora, até o século XX a morte dela sempre era lembrada nos jornais. A gente sabia do vínculo com a Igreja Católica, as revistas feministas, mas a produção literária ficava perdida", explica Milena Britto. Uma das curadoraras da edição deste ano da Festa Literária de Paraty - Flip, Milena explica que o livro de Amélia Rodrigues é um marco na literatura sobre a formação racial do país e mostra como a história da Bahia é  complexa: o Recôncavo era um dos ambientes mais conservadores do Brasil, resistente a todo tipo de ideia progressista da época, como a abolição da escravatura e industrialização, por exemplo. Ainda assim, tinha no seio de sua sociedade uma mulher, letrada e escritora.

Um pouco da pesquisa de Milena está detalhada no ensaio Amélia Rodrigues e a Escrita das Mulheres do Século XX, que está na edição. Milena Britto fez o projeto e assina um ensaio sobre O Mameluco (Foto: Ana Reis/Divulgação) Origem humilde

Estudos mais recentes indicam que Amélia Rodrigues sequer era uma mulher herdeira de grandes posses. Na verdade, veio de uma família humilde. Nasceu na Fazenda Campos e sua educação formal se deve à familiares ligados à Igreja Católica.

“Amélia começa a escrever muito jovem, publica poemas, passa num concurso para professoras e vem pra Salvador. Continua as publicações, tanto de livros quanto em jornais. Ela funda também as escolas mistas, para meninos e meninas, porque tinha a preocupação que as meninas tivessem acesso aos estudos”, pontua Carline Silva, professora e doutora em História, que elabora um livro biográfico sobre a educadora.

Reconhecida na alta sociedade, trocava cartas com governadores, arcebispos e jornalistas, reivindicando melhorias para os projetos aos quais estava à frente, bem como interesses comuns da cidade. Em uma destas enérgicas missivas pede —e consegue— que JJ Seabra (1855-1942) intervenha contra a demolição do Mosteiro de São Bento.

FICHA

Livro: O Mameluco Autora:  Amélia Rodrigues Editora:  paraLeLo13S Quanto  R$ 82,90 (220 páginas), à venda no site da Livraria Boto Cor de Rosa