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Roberto Midlej
Publicado em 19 de fevereiro de 2022 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Poucos rios no mundo têm para o povo que vive nas suas margens a importância econômica que o São Francisco tem para seus ribeirinhos. Mas não é só economicamente que o Velho Chico tem relevância. A cultura das comunidades em seu entorno, as histórias familiares daquelas pessoas, o passado delas... tudo isso está ligado àquela dádiva natural. E isso dá àquele rio também um valor simbólico que quase não se vê em outro rio no mundo.
Foi principalmente esse simbolismo que encantou a dupla de cineastas Jean-Pierre Duret e Andréa Santana, realizadores do filme Rio de Vozes, em cartaz em Salvador. Ele é francês e ela, cearense e os dois são casados.
Jean-Pierre já trabalhou como engenheiro de som com diretores consagrados, como Allan Resnais e os Irmãos Dardenne. Andréa é arquiteta e com Jean-Pierre já realizou filmes como Romances de Terra e Água (2001), O Sonho de São Paulo (2004), No Meio do Mundo (2008). Há ainda um outro francês envolvido no longa, Bernard Attal, cineasta radicado na Bahia que atua como produtor executivo junto com Gel Santana.
"Eles [os que moram à beira do rio] dizem que o São Francisco é a mãe deles, a mãe de tudo. Essa palavra [mãe] quer dizer tudo. É a fonte de tudo, da história, do passado, do lugar de origem... isso é maravilhoso, apesar dos problemas que o rio sofre hoje", diz Jean-Pierre, que conversou com a coluna via aplicativo. Andréa não pôde conversar porque estava adoentada.
O São Francisco talvez até seja o protagonista do filme e gera lindas imagens. Mas o que mais toca o espectador são as pessoas que vivem às suas beiras e dependem dele para sua sobrevivência. Embora muito simples e de pouca escolaridade, elas têm uma conscientização que impressiona.
Uma delas, uma senhora que vive da pesca, orgulha-se de sua atividade, e se lembra de que uma vez esteve numa reunião cheia de gente engravatada. Disse aos presentes:"Nós temos orgulho de ser pescador porque nós come o melhor peixe que nós pegamos".Falou ainda sobre a segurança: "Nós vive no sereno e ninguém mexe com nós. É melhor que a gente tivesse em Salvador, na periferia, sendo escoltado pela polícia (...) Querem tirar nós de nossa cidade pra virar bandido?", lembra-se, indignada.
Jean-Pierre ressalta a importância que as mulheres retratadas no filme têm para aquelas comunidades e para suas famílias: "Aquelas mulheres lutam para permitir aos filhos uma vida mais confortável que a vida que elas mesmas tiveram. Mas isso, sem que eles esqueçam de suas origens".
O desmatamento da região, o nível baixo da água do rio, as dificuldades econômicas... Todos esses problemas não deixam de ser abordados pela dupla de diretores. Mas Rio de Vozes está longe de ser pessimista, especialmente porque os jovens retratados ali são a voz da esperança. Uma delas sonha ser médica para, um dia, poder retornar à sua cidade e cuidar dos amigos e da família.
"É um filme cheio de otimismo, que fala muito da transmissão de valores entre jovens e velhos. E me maravilha que essas pessoas, mesmo em qualquer dificuldade, nunca são pessimistas. E me impressiona a lucidez dos jovens sobre isso", diz Jean-Pierre.
Diariamente. Cine Metha Glauber Rocha, 18h; Saladearte do MAM, 14h40
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