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Andreia Santana
Publicado em 28 de novembro de 2022 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A história já é conhecida, mas sempre vale a pena ser contada. Inspirado por uma frase de Mark Twain, o pai de Tom Sawyer e de Huckleberry Finn – “A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18” –, o escritor F. Scott Fitzgerald imaginou a vida de um homem do fim para o começo em O Curioso Caso de Benjamin Button, expoente da 'Era do Jazz' publicado pela primeira vez em 1922. O conto, que este ano completou 100 anos, permanece atual e, este mês, ganhou nova edição da Antofágica, com tradução inédita para o português, feita direto do original.
O conto de Fitzgerald chamou pouca atenção na época em que foi publicado pela primeira vez, mas teve seu interesse renovado a partir dos anos 1970. De lá para cá, coleciona artigos acadêmicos que se propõem a entender seus sentidos filosóficos. No Brasil, consta no currículo da Secretaria Estadual de Educação do Paraná como parte integrante da disciplina Filosofia, para os alunos do Ensino Médio. Em 2013, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, publicou artigo comparativo entre o conto e suas versões para os quadrinhos e o cinema.
Benjamin Button ficou mundialmente famoso depois de ser levado ao cinema, em 2008, com roteiro de Eric Roth (Forrest Gump) e direção de David Fincher (Clube da Luta, Garota Exemplar); além de ter Brad Pitt no papel título, Cate Blanchet e Tilda Swinton no elenco. No mesmo ano, foi lançado em versão quadrinhos em inglês e português. O filme concorreu em 13 categorias do Oscar 2009, levando três estatuetas [Melhor Direção de Arte, Melhor Efeitos Visuais e Melhor Maquiagem]. Atualmente, para assistir, é possível alugar por R$ 7,90 no Amazon Prime, YouTube e Google Play Movies. Publicação de capa dura traz ilustrações de Julia Jabur (Imagem: Divulgação/Antofágica) Características originais
A adaptação na tela é menos agridoce que o texto original e é essa característica, incluindo o humor mais ácido de F. Scott Fitzgerald, que a nova edição preserva, como explica Roberto Jannarelli, coordenador editorial da Antofágica.
A editora é especializada em atualizar a estética e a linguagem de obras clássicas, sempre com projetos editoriais com ilustrações, capa dura, textos de análise e traduções exclusivas, mas sem abrir mão da essência que confere a longevidade secular a essas histórias.
“O processo de escolha de O curioso caso de Benjamin Button foi, com perdão pelo trocadilho, curioso. A sugestão veio das tradutoras Mariana Serpa e Debora Fleck, que me procuraram com a ideia, após o trabalho com o texto nas mentorias de formação de tradutores da Pretexto Traduções e Afins, a empresa delas. Estudando para as aulas, notaram a efeméride (os 100 anos da primeira publicação) e acharam que a editora poderia se interessar. Eu havia lido o conto há muito tempo e tinha a lembrança de sentir uma angústia no texto maior que a do filme”, contou Jannarelli, em entrevista por e-mail.
Essa é a terceira história de Fitzgerald publicada pela Antofágica, que também já lançou O grande Gatsby, o romance mais famoso do autor, e a coletânea Eu morreria por ti e outras histórias. A nova edição é ilustrada por Juliana Jabur e traz textos extras de João Anzanello Carrascoza, autor da Trilogia do Adeus e premiado com um Jabuti; do crítico de cinema Sérgio Rizzo; e da professora e doutora em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP) Isadora Sinay. De brinde, os leitores ganham ainda uma videoaula sobre a obra, acessível a partir de um QR code na cinta do livro físico ou no final do e-book. Capa da nova edição em português (Imagem: Divulgação/Antofágica) A apresentação da publicação é de Mariana Salomão Carrara (Se deus me chamar não vou), autora de destaque da nova geração da literatura brasileira.
“Vemos o texto de apresentação como um mestre de cerimônias, um convite para a leitura. No caso da Mariana Salomão Carrara, identificamos uma sinergia entre os temas que ela aborda em seus livros e a história de Benjamin Button”, explica Roberto Jannarelli.
Ele acrescenta que essa conexão costuma existir quando a editora convida autores contemporâneos para apresentar clássicos e que isso também facilita a identificação dos leitores com as obras.“O nosso objetivo é tirar a poeira do clássico que geralmente fica parado na livraria. Aproximar, criar um diálogo, e não afastar o livro do leitor. Quando o leitor presume que uma leitura é difícil, complicada, cria-se um cenário em que muitas pessoas não se sentem à vontade para arriscar uma nova leitura”, opina o editor.Assista ao trailer do filme de 2008:
Engajamento nas redes sociais favorece o resgate dos clássicos
As redes sociais das editoras estão entre as mais ativas da internet em tempos de booktokers, booktubers e instabookers, criadores de conteúdo que falam de livros, respectivamente, no Tik Tok, YouTube e Instagram. A rede da Antofágica é bastante participativa e parte dessa movimentação toda se deve ao fato da editora “buscar interfaces com outras áreas do conhecimento e das artes”, diz o coordenador editorial Roberto Jannarelli.
“Esse repertório que fornecemos ao público, assim como a comunicação nas redes, engaja a formação de uma comunidade leitora. Isso é algo que o mercado editorial precisa dar bastante atenção, considerando o contexto nacional em relação à leitura”, acrescenta ele, citando, ainda, os últimos dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que indicam que quase 45% da população brasileira não têm hábito de leitura e 30% nunca compraram um livro.
“Não estou nem entrando na questão do analfabetismo funcional e cidadania, que é um ponto mais complexo. Meu ponto é que as editoras, se quiserem ter sucesso de vendas e alcançar de fato o grande público, precisam formar suas comunidades, fazer um trabalho de incentivo à leitura, de formação cultural e cidadã, algo muito além de meramente divulgação do lançamento do livro”.
A edição de 2022 da Retratos da Leitura no Brasil foi realizada durante a Bienal de São Paulo, entre 2 e 10 de julho deste ano, e traz outros dados que mostram que o caminho das editoras nas redes sociais é uma estratégia segura tanto de vendas quanto de formação de leitores: na pesquisa de 2019, 3% dos novos leitores eram influenciados por Tik Tok, YouTube e Instagram. No estudo desse ano, o percentual saltou para 28%.
O estudo demonstrou, ainda, que a literatura ajudou no enfrentamento do isolamento social na pandemia: 87% dos entrevistados na bienal informaram que leram mais no período de confinamento.
Ficha Técnica: Título: O curioso caso de Benjamin Button Autor: F. Scott Fitzgerald Tradutoras: Debora Fleck e Mariana Serpa Ilustradora: Julia Jabur Extras: Mariana Salomão Carrara, Isadora Sinay, Sérgio Rizzo e João Anzanello Carrascoza Preço de capa: R$ 59,90 e R$ 9,90 (e-book) | 176 páginas
Outras edições brasileiras: Ediouro, 2008 | Versão em Graphic Novel | 128 páginas | R$ 39,90, em média José Olympio Editora, 2009 | 278 páginas (traz outros contos de F. Scott Fitzgerald) | R$ 31,00, em média L&PM Pocket, 2016 | 96 páginas (no mesmo livro há o conto ‘Berenice corta o cabelo’) | R$ 14,50, em média | Disponível também para assinantes do Kindle Unlimited e do Aya Books [clientes da operadora TIM] UBK Publishing House, 2022 | 56 páginas| R$ 29,90 Dez curiosidades sobre o livro, o filme e o autor
1. A ideia de David Fincher era rodar o filme em Baltimore, mas as locações foram mudadas para Nova Orleans a pedido dos produtores porque essa cidade havia oferecido incentivos fiscais. Nova Orleans havia sido arrasada pelo furacão Katrina, em 2005, e as filmagens ocorreram quando a cidade estava em processo de reconstrução. A história do filme uniu o conto de F. Scott Fitzgerald à história da chegada do furacão;
2. Eram necessárias cinco horas diárias para maquiar Brad Pitt para as filmagens, para que o ator refletisse o rejuvenescimento de Benjamin Button;
3. Nos anos 1990 houve uma tentativa de se produzir uma adaptação cinematográfica do conto, com Steven Spielberg na direção e Tom Cruise no papel principal, mas a ideia não vingou;
4. O filme de 2008 custou US$ 150 milhões e faturou US$ 330 milhões;
5. Além de ganhar três estatuetas técnicas dos Oscar, o filme concorreu em cinco categorias do Globo de Ouro de 2009, teve oito indicações e ganhou em três categorias técnicas do Bafta, e foi indicado também ao MTV Movie Awards, Satellite Awards e Teen Choice Awards;
6. A versão em quadrinhos de ‘O curioso caso de Benjamin Button’ foi publicada também em 2008, em inglês pela Quirbooks e em português pela Ediouro. A adaptação do texto para a graphic novel é de Nunzio DeFilippis e Christina Weir e as ilustrações são de Kevin Cornell; 7. F. Scott Fitzgerald [o F. é de Frances, 1896-1940] é considerado um dos maiores autores norte-americanos do século XX. Ele é um dos expoentes da Geração Perdida, expressão criada por Gertrude Stein para se referir ao grupo de escritores do qual faziam parte Fitzgerald e Ernest Hemningway (‘O velho e o mar’), entre outros autores. Eles todos tinham em comum o fato de terem se autoexilado em Paris, nos anos 1920. E foi a partir da capital francesa que começaram a construir suas reputações como grandes autores. Eram considerados ‘perdidos’ porque no fim da I Guerra Mundial diversos valores sociais herdados ainda do colonialismo deixaram de fazer sentido para a juventude da época; 8. A obra mais famosa de Fitzgerald não é ‘Benjamin Button’, mas ‘O grande Gatsby’, já adaptado para o cinema por Francis Ford Coppola (em 1974) e por Baz Lurhmann (2013);
9. Os contos fantásticos e em tom satírico de Fitzgerald, como ‘Benjamin Button’, só começaram a chamar a atenção nos anos 1970. Em vida, o autor era mais respeitado como romancista e seus contos e novelas tidos como uma produção mais marginal;
10. Enquanto, no conto original, F. Scott Fitzgerald não dá uma explicação 'científica' para o nascimento peculiar de Benjamin Button, deixando tudo a cargo da fantasia e do fantástico, na adaptação para o cinema, o protagonista nasce com uma doença rara e ainda desconhecida. Outra diferença do longa para a obra original é que no livro, os pais de Benjamin criam o garoto e tentam se adaptar às suas peculiaridades, o que gera afiadas críticas sociais do autor, já naquela época, ao que hoje chamamos etarismo [preconceito por idade].